Por Rodrigo Conceição Santos – 06.03.2018 –
No final de 2010, Raul Anselmo Randon concedeu esta entrevista – publicada pela Revista M&T – sob o apelo dos 80 anos recém-completados. Mas a conversa logo deixou de ser uma comemoração octogenária e virou papo de negócio. E é por isso que oito anos depois, devido à sua morte neste sábado 03 de março, decidimos publicá-la novamente.
O momento econômico era outro. O país estava prestes a completar o crescimento de 7,5% do PIB e a expectativa pelos benefícios que o PAC, a Copa do Mundo e as Olimpíadas gerariam era grande no setor da infraestrutura. Esse otimismo é notório no texto e os profissionais que atuaram naquela época sabem do que se trata. Hoje, passado esse período com resultados que todos conhecemos, as lições de Raul Randon, incluindo a persistência para enfrentar crises, continuam válidas.
Em 1949, quando criou, junto com o irmão Hercílio, o grupo que leva o seu sobrenome, a meta era dominar o mercado de semirreboques no Brasil. A conquista da totalidade não foi factível, mas o empresário pôde se orgulhar de ter estabelecido um ecossistema eficiente no segmento de transporte, até se tornar o principal executivo do polo metalomecânico do país. “Entendemos que se não podíamos ter a totalidade do mercado, a alternativa era fornecer pelo menos uma peça fabricada por nós para cada sistema de reboque que circule no Brasil”, estipulou assim o empresário. Esta entrevista, realizada quando o empresário completou 80 anos (2010), traz um pouco de sua história e das dez empresas que compõe o grupo Randon.
Desde a criação da primeira indústria de implementos, em 1949, até o Banco Randon (2010), o Grupo estabeleceu empresas em nichos variados. É possível traçar um ponto comum entre elas?
Raul Anselmo Randon – Sim. A Randon Implementos fabrica reboques, semirreboques e vagões ferroviários. A Randon Veículos produz caminhões fora-de-estrada, equipamentos florestais e retroescavadeiras. As indústrias de autopeças, como a Fras-le, a Master, a Suspensys, a JOST Brasil e a Castertech Fundição e Tecnologia fornecem insumos para equipamentos de transporte. E a Randon Consórcios administra grupos de consórcios como forma de prover financiamento aos clientes, enquanto o Banco Randon oferece produtos financeiros para os clientes que pretendem adquirir as nossas peças e equipamentos. Resumindo: esse mix é um ecossistema voltado exclusivamente para o setor de transportes.
O senhor falou na fabricação de vagões ferroviários…
Raul Anselmo Randon – Hoje fabricamos seis vagões de variados tipos diariamente. O mais usual é o tipo gôndola, utilizado para transporte de minério de ferro. Também damos destaque para os vagões Hopper, voltados para o transporte, entre outros produtos, de grãos e calcário.
Com a diversificação de negócios, como ficou a representatividade da Randon Implementos dentro do Grupo?
Raul Anselmo Randon – Ela é simplesmente essencial, pois 50% do nosso faturamento é oriundo da Randon Implementos. Além disso, a empresa responde pelo consumo de 20% das peças fabricadas pelas outras companhias do Grupo (dados de 2010). Também foi ela que nos projetou nos mercados nacional e internacional. A subsistência das empresas de peças já foi mais dependente da Randon Implementos, porém conseguimos pulverizar os negócios, abastecendo outras indústrias de veículos de transporte fora do Grupo. Neste ano comemoramos a marca de 300 mil unidades de reboque ou semirreboque vendidas, o que nos coloca confortavelmente na posição de maior empresa do gênero na América Latina.
Em qual momento a Randon identificou a oportunidade de fabricar insumos para abastecer o segmento de reboque e semirreboques?
Raul Anselmo Randon – Sempre tivemos a intenção de dominar esse setor no Brasil, mas percebemos que ninguém pode ter 100% do mercado. Por outro lado, havia carência no fornecimento de peças de abastecimento no país. Por isso, traçamos a meta de que todo reboque montado localmente teria ao menos uma peça da Randon. Fizemos uma parceria com a Rockwell, que hoje é ArvinMeritor, para comercializar os sistemas de freios deles, o que nos deu expertise para adquirir a Fras-le em 1954. Hoje, ela já é a maior fornecedora de materiais de fricção da América Latina, abastecendo 95% das montadoras brasileiras de veículos pesados e semi-pesados. Depois fomos criando as outras indústrias de peças, com destaque para a Suspensys, líder nacional na fabricação de suspensão, inclusive componentes. Desde então, tudo tem ido muito bem e hoje nos orgulhamos de ser a única empresa de semirreboque no mundo que conta com fornecimento de peças próprio e realmente eficiente.
Mas houve uma crise que prejudicou os negócios do Grupo Randon nos anos 1980, não?
Raul Anselmo Randon – Realmente. Em 1982 tudo despencou. A economia brasileira dependia do setor externo, sendo que o grande problema econômico era assegurar o equilíbrio entre exportações, importações, dívida externa e reservas cambiais. O que não aconteceu e causou tremendo desequilíbrio. Os juros subiram, o nosso endividamento aumentou, o mercado retraiu e a Randon pediu concordata preventiva. O que nos desafogou foi uma grande exportação para a Argélia, no valor de 11 milhões de dólares. Com ela, pudemos solicitar que o Banco do Brasil nos adiantasse 5 milhões de dólares. Tal iniciativa viabilizou a retomada da lucratividade e pudemos pagar o endividamento antes do prazo estabelecido. Depois do furacão, aprendemos que a empresa tem que estar sempre apta a enxugar sua estrutura num momento de crise. Isso não significa demitir funcionários. Na crise dos anos 1980, por exemplo, demitimos poucos. Demos férias, reduzimos expediente, etc. O mesmo aconteceu na crise global de 2009, pela qual passamos com muito mais facilidade. Só para efeitos de comparação, tínhamos 8.400 funcionários quando a recessão econômica começou no final de 2008. Hoje (final de 2010) temos 11.100 colaboradores.
Com base nas suas experiências administrativas, o que é possível aprender com as crises?
Raul Anselmo Randon – Depois do que vivemos, principalmente em 1982, creio que o Brasil sempre vai ter altos e baixos. Principalmente porque vemos que os financiamentos param sempre que há alguma crise financeira. Isso prejudica muito o mercado porque o nosso povo compra tudo financiado. Um conselho, se é que a minha experiência permite, é aproveitar ao máximo as épocas de vacas gordas. Aprendemos isso com o Milagre Econômico da década de 1970, quando o País crescia a ritmo acelerado e a Randon tinha 40% do mercado nacional. Passou-se a época do Milagre, o país cresceu e a Randon ficou com 30% de participação. Ou seja, não aproveitamos o bom momento como deveríamos por diversos fatores, sendo que o principal foi a capacidade produtiva. Mas não é desculpa. Por isso, atualmente, estamos sempre preparados para aumentar a capacidade produtiva sempre que a economia demandar.
Como a Randon usou esse aprendizado a favor do Grupo?
Raul Anselmo Randon – Em 1970, eu fui para a Europa com a intenção de aprimorar os conceitos na fabricação de semirreboques para aumentar a nossa capacidade produtiva, que era de 700 equipamentos ao ano. Quando voltei de viagem, trouxe um planejamento para produzir mil unidades por mês. Recorremos ao financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e implantamos um projeto de fábrica com 40 mil m² de área construída. Sabíamos que somente a fabricação de produtos não pagaria o investimento, o que justificou a abertura de capital. Com isso, buscamos 15 milhões de cruzeiros com investidores e consolidamos a nossa operação.
O que pode ser mantido no país para melhor proveito nos “tempos de vacas gordas”?
Raul Anselmo Randon – Repito que o que manda é o financiamento. Enquanto tivermos programas como o Finame (Financiamento de Máquinas e Equipamentos), não teremos grandes dificuldades. E os governantes sabem dessa necessidade, que se estende a outros cenários também, vide o Bolsa Família. Tudo isso é bom, porque faz com que o brasileiro coma melhor, melhore seu bem-estar, movimente mais dinheiro, exija mais mercadoria e, naturalmente, necessite de mais transporte. O que precisa ser revisto são os gastos governamentais e os custos tributários. Só para efeito de comparação, recolhíamos 17% de impostos para fabricar um semirreboque na década de 1970 e hoje recolhemos 38%, uma discrepância que prejudica o diferencial competitivo da indústria brasileira no exterior.
O senhor sempre relaciona os anos 1970 com o momento atual. Por quê?
Raul Anselmo Randon – É simples: nosso país experimentou dois momentos históricos de crescimento na construção civil e infraestrutura. O primeiro foi nos anos 1970, com grandes investimentos na construção de rodovias e hidrelétricas. Nos últimos anos, estamos neste segundo estágio de evolução com o desenvolvimento da construção civil, investimento de minerações e melhorias de infraestrutura urbana e rodoviária, pontos de gargalo para que o Brasil possa construir um crescimento sustentável.
Então o setor de infraestrutura dita que há boas perspectivas para o futuro?
Raul Anselmo Randon – Sem dúvida. Estamos passando por um momento ímpar nesse setor. Os desafios do Brasil no que tange a sua infraestrutura e obras necessárias para os eventos desportivos dos próximos anos são uma oportunidade para alavancar esse segmento. Acompanhamos ainda o agravamento do nosso gargalo logístico com um crescimento do PIB acima de 5%. Para nos mantermos competitivos no mercado globalizado, teremos de investir nas estruturas de portos, ferrovias e rodovias, bem como na integração dos diferentes modais de transporte, de forma a facilitar o escoamento da produção brasileira. Tenho que repetir que o apoio do Governo Federal, com programas como o Finame e o próprio PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) é que vai sustentar, inclusive, o crescimento do setor de máquinas para construção.
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