O lado bom do Brasil ser complicado, segundo a WeDo

Por Nelson Valêncio – 01.11.2018 – Sistema tributário complexo, criatividade na criação de fraudes, pagamentos parcelados que não existem em outros lugares do mundo. Podemos criticar muito o Brasil, mas são as complicações do país que também ajudaram a portuguesa WeDo Technologies a tornar-se uma referência mundial no gerenciamento de risco. Saiba como isso aconteceu […]

Por Redação

em 1 de Novembro de 2018

Por Nelson Valêncio – 01.11.2018 –

Sistema tributário complexo, criatividade na criação de fraudes, pagamentos parcelados que não existem em outros lugares do mundo. Podemos criticar muito o Brasil, mas são as complicações do país que também ajudaram a portuguesa WeDo Technologies a tornar-se uma referência mundial no gerenciamento de risco. Saiba como isso aconteceu nessa entrevista com Bárbara Gurjão, chefe de Desenvolvimento de Negócios para a América Latina e Caribe.

Bárbara Gurjão, da WeDo: perdas com fraudes e erros representa entre 3% e 5%, em média, da receita das operadoras

InfraROI: Qual é a área de atuação que cobre o Brasil e como a WeDo se posiciona nesse mercado?

Bárbara Gurjão (BG): Atuamos na América Latina, considerada do Panamá para baixo. A WeDo é líder mundial em gerenciamento de risco, ou seja, o combate a fraudes e perdas de receitas, e parte do processo veio com a internacionalização da empresa a partir do Brasil há 15 anos (a empresa tem 18). Começamos na Oi, onde existe todo o portfólio aplicado com exceção do sistema que dá uma visão de 360 graus e que é mais recente. A liderança mundial se reflete no Brasil, que representa 60% da receita da região. Ao longo do tempo evoluímos com clientes como a Telefônica fixa, assim como a GVT, etc. E para as operadoras de menor porte como a Algar, além de outros mercados como os de TV por assinatura, incluindo a Net, que ainda não era Claro, e com a Sky. Depois da consolidação no Brasil, fomos para a América do Sul, começando com a Claro no Equador e depois a Nuevatel, na Bolívia. Tínhamos mercado, mas a equipe não poderia crescer sem resultados. Fizemos muitos eventos e estreitamos contatos. Fora isso, na minha equipe, tenho profissionais como um especialista do Peru, que conhece a região e tinha uma rede de relacionamento. A Argentina foi um mercado posterior porque não era o timing da época. Começamos lá com a Cablevision, que é da área de TV a cabo. Temos Entel no Chile e Peru, entre outros.

InfraROI: E os provedores regionais (ISPs) estão no radar da WeDo?

BG: Temos contatos sim, embora nosso maior volume de negócios ainda esteja concentrado nas operadoras maiores. Todos os clientes nos interessam e temos trabalhado na oferta de cloud (nuvem) para flexibilizar a oferta. O lançamento dessa opção aconteceu em fevereiro desse ano, então ainda estamos trabalhando os mercados que têm interesse. Em nossos mercados tradicionais, o processo de fechamento dura em média dois anos, então é um ciclo longo.

InfraROI: os desafios da região também rendem frutos…

BG: Sim. É o caso da gestão de programas de incentivos a parceiros, na distribuição de comissão para os dealers. Fazemos a gestão operacional dos dealers, da força de vendas interna, etc. São pagamentos de baixo valor, mas de grão em grão a empresa pode perder rios de dinheiro se não tiver um sistema automatizado. Em geral, isso é gerido via planilhas de Excel e pode levar a erros. O Brasil, aliás, é muito avançado porque temos um ambiente onde o parcelamento de compras é uma realidade e envolve muita complexidade. O nosso sistema de cobrança, por exemplo, nasceu dentro da Oi, porque precisava atender um cenário complicado de crédito. Toda evolução dessa oferta do nosso portfólio vem daí.

InfraROI – Quem são os fraudadores, pessoas que investem tanto esforço para burlar sistemas sofisticados das operadoras?

BG: Na verdade, a fraude pode ser dividida em quem burla a regra para não pagar a conta e quem burla para fazer dinheiro, intencionalmente, fazendo disso um negócio, inclusive com equipe de hackers. É uma indústria. No primeiro caso, temos exemplo do passado quando se usava um telefone público que funcionava, mas não cobrava. Havia filas para usar esse orelhão. Quem estava na fila, burlava a operadora, mas não ganhava dinheiro intencionalmente com isso. Agora, você tinha gente que cobrava pelo uso do orelhão com defeito de cobrança. Esse é o fraudador intencional, que faz tudo para ganhar dinheiro, inclusive terceirizando a fraude. E os sistemas anti-fraude precisam antecipar o movimento deles. É preciso prevenir e, se não for possível, detectar o mais rápido que se conseguir. Com a digitalização, as operadoras exigem que isso seja em tempo real, para parar o fraudador no momento em que ele está atuando. Conseguimos, nos melhores sistemas, que o processo seja near real time, o mais próximo possível do real. E o avanço acontece também pela troca de experiências.

InfraROI – o que mudou nesse universo de business assurance?

BG: Há muita interconexão entre fraude e garantia de receita. Há dez anos tínhamos verticais com a área de revenue assurance ou garantia de receita, de um lado, e a área de fraudes, de outro. A primeira muito focada num trabalho de auditoria, de verificar porque houve o descarte do CDR (call detailing record, uma espécie de DNA de cada ligação) ou se a conciliação (encontro de contas) estava sendo feita de forma correta. Os profissionais de fraude estavam concentrados em identificar os ilícitos. Quando se percebeu que a perda de dinheiro acontecia nos dois lados e que era necessário explica-la, resolveram juntar as duas partes e ter o trabalho de business assurance ou garantia de negócios sob patrocínio forte da operadora, não necessariamente ligado à área financeira. Em empresas onde o processo está mais maduro a área se reporta ao diretor operacional ou outra diretoria. O profissional de business assurance não pode ser visto como um simples auditor porque isso cria barreiras para a atuação dele.

InfraROI: E de onde vem a interconexão entre combate a fraude e as perdas de receita?

BG: Da visão de que o isolamento é ruim para os negócios e porque em muitos casos há uma mistura, mas nos dois acontece a perda de dinheiro. Às vezes a perda acontece por causa de uma oferta mal desenvolvida de serviço, quando o plano de negócios continha erros. Muitas vezes a realidade muda e a oferta passa a ser deficitária. A área de receita identifica a falha, por isso ela não pode ser composta apenas por técnicos, mas também por quem entenda de negócios.

InfraROI: Temos métricas para essa perda?

BG: Mundialmente, estima-se que as perdas de receita por erros, imprecisões e fraudes estejam entre 3 e 5% da receita total da empresa. É muito dinheiro. Ela pode ser ainda maior se não existirem sistemas automatizados de gerenciamento de risco. Há operadoras que têm perdas menores e existem as que estão perdendo muito, inclusive casos onde esse índice chega a 10% da receita. Em exemplos como esse podemos entender que há muito receio de se compartilhar os dados.

InfraROI: Do portfólio da WeDO, o que tem mais aderência na América do Sul?

BG: O gerenciamento de risco tem muita aderência, não só em telecomunicações, mas em outros mercados. Já estamos em outros segmentos como os de energia, seguros, saúde e negociando com potenciais clientes do segmento financeiro. Também atuamos em construção civil e na área de educação. O mecanismo é similar, pois temos um parcelamento – de apartamento ou de uma bolsa de estudo – e às vezes o sistema tem erros que precisam ser identificados e corrigidos, além de se medir o risco avaliando vários fatores. Outra demanda forte que temos tido é pela venda de serviços. As empresas já têm suas áreas de TI muito acessadas e precisam que os projetos sejam entregues de forma rápida, então nos delegar a gestão de alguns serviços torna o processo mais eficiente. Eles compram horas de consultoria e nós operamos o processo para eles, entregando serviços.

InfraROI – E como lidar com tanta informação, com um Big Data que só vai aumentar com a IoT?

BG: Nós não somos mais um que coleta dados e também não brigamos com Big Data. Na verdade, o Big Data nada mais é do que um repositório de muitos dados. Pega-se uma  plataforma e reúnem-se muitos dados, mas como se extrai informação disso? Eu crio regras e extraio inteligência. Um exemplo: quero saber quantas pessoas estão andando em Miami hoje e que são assinantes da Oi em roaming. Posso extrair essa informação e oferecer um serviço com desconto no uso do Uber ou de outro serviço num shopping center próximo a ela. O segredo é entender como dar inteligência para o negócio do cliente. Somos uma empresa de inteligência de software. A diferença é que não somos apenas gestores de software, não somos apenas técnicos, mas sabemos falar sobre negócios. Os profissionais da WeDo têm uma visão global e uma experiência que pode ser cruzada.

InfraROI – É uma cultura de negócios…

BG: Sim. Somos uma empresa cuja cultura é o foco em negócios, num mundo de  oportunidades e riscos. Somos uma empresa de gestão de riscos. O que eu vejo e meus colegas também vêm é que a transformação digital traz milhões de oportunidades de receita, mas também de perdas de dinheiro. Nós atuamos com softwares para trazer essa inteligência e traduzir a necessidade do cliente. Não é um produto único e sim uma suíte de softwares. A vantagem é que se já estou dentro da operadora, eu consigo ter uma visão de 360 graus dela. Posso recuperar informações, cruzá-las e apresentá-las de forma integrada e amigável.

(*) Nelson Valêncio, editor do InfraROI, viajou aos Estados Unidos a convite da WeDo Technologies.