Marco Aurélio Guimarães Pereira – 27.02.2020 –
Contratante ou subcontratante tem de cadastrar todas as operações de transporte para a obtenção do Código de Operação de Transporte (CIOT).
Para espanto geral, no dia 17 de dezembro de 2019, a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) publicou a Resolução nº 5.862, obrigando que todo transporte rodoviário de carga comercial gere o “famigerado” Código de Operação de Transporte (CIOT). Para se ter uma ideia da dimensão desta resolução, a exigência da geração do CIOT passa para o contratante (embarcador, proprietário da carga, etc.), quando a transportadora contratada utilizar frota própria, efetivar a contratação de uma empresa credenciada e homologada pela agência para gerar a codificação.
Não satisfeita, ainda, e sob pressão de algumas entidades, no último dia 23 de janeiro, achando que resolveria o problema, a ANTT publicou a Portaria de nº 19, autorizando que os embarcadores/contratantes deleguem a emissão do CIOT para a transportadora que utilizar frota própria. Detalhe: sem especificar como proceder, como se essa situação fosse a mais normal possível.
Vale destacar que quando o código não for gerado, está prevista uma multa no valor de cinco mil reais, por caminhão/operação.
As dúvidas são inúmeras:
- A quantas transportadoras vou ter que delegar?
- Quais empresas geradoras de CIOT terão de se cadastrar para poder delegar?
- No caso de um frete spot ou de urgência, como autorizo que uma transportadora fique responsável pela geração do CIOT?
- E quando algumas empresas credenciadas não sabem como proceder?
Quem não conhece o segmento, não faz ideia do transtorno criado. Isto porque as operações nesta área são dinâmicas e com inúmeras possibilidades para se realizar a prestação de serviço. Em um mesmo transporte, por exemplo, pode-se utilizar mais de um veículo (transbordo – coleta com um veículo de grande porte e, repasse para veículos de pequeno porte para realizar a entrega). Lembrando que existe, inclusive, a necessidade de trocar o veículo, caso ele sofra alguma avaria, ou tenha alguma pane mecânica ou elétrica. Nesta situação, o contratante é obrigado a gerar outro CIOT?
Tem mais: o embarcador/contratante é obrigado a encerrar o CIOT na entrega da carga no destino, para que o veículo seja liberado para a geração de outro código e para outro embarcador/contratante. Tudo dentro do procedimento mais usual e absurdo que possa parecer. E a que custo para gerir esta situação?
Também vale ilustrar que existe uma operação chamada Milk Run, na qual a mercadoria normalmente é coletada diariamente, logo após sua produção (fornecedor do mercado automobilístico). Nela, a nota fiscal é emitida na chegada do veículo, mas o embarcador/contratante é outra empresa. Ou seja, neste caso é o fabricante do veículo e não o fornecedor que contrata o transporte. Logo, como pode ser gerado o CIOT para este caminhão para que ele possa seguir viagem, se acabou de coletar?
Esta saga foi criada por uma agência que deveria, primeiramente, conhecer o segmento, mas que cria e legisla de forma arbitrária (foram realizadas audiências públicas sem que ninguém tivesse conhecimento do resultado antes de ser publicado. Portanto, mera formalidade burocrática). E que é inconsequente, a ponto de gerar um colapso no setor, considerando que uma resolução publicada obriga que empresas de grande porte – com sistemas que exigem projeto para modificações – tenham o processo ajustado em 45 dias, para a geração de um código que, na prática, não serve para nada.
O pretexto de informar que estaria sendo fiscalizada a tabela de frete é, no mínimo, uma inverdade, pois as operações são múltiplas e não conseguem traduzir o cumprimento de algo que só existe em países comunistas ou socialistas, onde o Estado determina tabelamentos.
As entidades patronais, que ainda estão tentando tomar conhecimento da legislação estão indignadas, pois não tem o mínimo cabimento a determinação de prazo tão exíguo para uma mudança tão profunda, para não dizer incabível e abominável.
A ANTT – que não demonstrou qualquer sensibilidade para com a sociedade como um todo, como agência reguladora do segmento de transporte de carga – passa a legislar em face de indústrias, comércios, armazéns gerais etc, com total impropriedade e sem qualquer autoridade.
Para quem não sabe, a Resolução nº 5.862 foi publicada em edição extra do Diário Oficial da União, sendo que foi assinada e divulgada no mesmo dia, dada a extrema urgência e a relevância do que foi legislado, pois, sem a resolução haveria um colapso em todo o projeto logístico do Brasil.
Pedimos, no mínimo, respeito e consideração com todos os profissionais que trabalham no ramo do transporte: fabricantes, comerciantes, de sistemas (softhouses), de consultoria contábil e jurídica. Também, com todos os contribuintes que, efetivamente, geram receita para pagamento do salário dos integrantes desta agência que, direta e indiretamente, serão penalizados pelos custos que serão repassados.
* Marco Aurélio Guimarães Pereira é advogado sócio do Grupo Paulicon.