Rodrigo Conceição Santos – 10.12.2020 –
Em 2008 a energia eólica despontava como solução no Brasil. Tínhamos somente 16 parques em operação e eles tinham capacidade de gerar 247 MW de energia. Mas já àquela altura a expectativa era grande, pois um estudo da Cepel mostrava que o país teria potencial para gerar 143 GW por essa tecnologia. Soube desses números e lá fui eu, ao Ceará, considerado o paraíso dos ventos, para mostrar a engenharia envolvida.
O Nordeste era (e ainda é) aonde se concentrava a maioria dos parques de energia eólica do país. No Ceará, em particular, estava metade dos nossos parques eólicos e grupos corporativos aceleravam negócios no setor. Um deles me recebeu para a reportagem.
Da orla da Boa Viagem, onde me hospedei, parti para o bairro de Dionísio Torres, no escritório da empreendedora. Não sabia quem iria entrevistar. Tudo foi acertado com assessores. Processo tradicional: água, cafezinho e uma sala com mesa grande e cadeiras revestidas em couro sintético. Ar-condicionado no talo (o calor era grande) e o meu entrevistado chegou.
Ele trouxe um engenheiro experiente junto, que a princípio pensei ser o seu superior. Mas não só era o seu subordinado como também era um dos diversos funcionários contratos pelo meu entrevistado. Ele era mesmo um dos donos da construtora e incorporadora e confirmei isso no dia seguinte, de frente ao seu hangar de aviões particulares, de onde eu partiria para uma boa aventura sobre o litoral cearense.
“Apague o cigarro, vamos partir”, disse-me. Atônito, eu traguei forte várias vezes enquanto me dirigia à lixeira, onde depositei a bituca já apagada. Entrei no monomotor, um Cessna 152. “Você já voou antes?”, perguntou. Eu respondi que sim, inclusive voei de São Paulo à Fortaleza para a entrevista. Rimos, deixando claro que eu nunca tinha entrado num monomotor.
O entrevistado – que àquela altura se comportava como um pai – me deu as instruções de voo. Não lembro dessas instruções, exceto uma determinando que eu assumisse o manche caso houvesse algum problema com o piloto principal. Isso mesmo, havia dois manches: um para ele e um para mim. Gozo dessa situação até hoje, pois a possibilidade de eu assumir o controle daquela aeronave era tão remota quanto a chance do Brasil chegar aos projetados 143 GW de energia eólica, como veremos a seguir.
Naquele voo, não precisei mexer no manche e nem em nada do avião. Em poucos minutos o meu entrevistado se revelou um ótimo piloto: paciente e conhecedor do trajeto. Tivemos cerca de uma hora de voo e da metade para o final o repórter tomou conta do medroso e passei a admirar e a fotografar a paisagem.
Sobre a praia de Canoa Quebrada, plainamos por alguns minutos, a fim de que eu contemplasse os parapentes e o símbolo tradicional estampado nas falésias. Tirei muitas fotos enquanto ele me convidava para praticarmos parapente em minha próxima visita à Fortaleza. Voltei à Fortaleza várias vezes, mas é óbvio que nunca cogitei a possibilidade.
Levamos mais alguns minutos até avistar a pista: “Você está vendo a pista”, me perguntou. Acenei que sim e o medo voltou, pois sei que a maioria dos acidentes aéreos ocorre no pouso ou na decolagem.
Próximo ao chão, o Cessna balançou muito e eu olhava apreensivo para as asas que se moviam para cima e para baixo, rezando para que elas não tocassem o chão antes dos pneus do trem de pouso. Eram os bons ventos do Nordeste me dando boas vindas. O avião derrapou, andou de banda e balançou mais um tanto até seguir estável a uns 50 km por hora sobre o asfalto. “O procedimento foi ótimo, como o esperado”, disse o entrevistado nessa hora. Descemos e respirei aliviado, até lembrar que teria a volta.
Guardei o medo na mochila de onde saquei o bloco de anotações e seguimos de carro ao canteiro de obras. A reportagem mostrou a construção da infraestrutura do parque eólico, abordando da terraplanagem das vias de acesso à produção de concreto, feita por uma central dosadora da própria obra e cuja maioria da mistura era utilizada nas fundações das torres eólicas.
Uma frota considerável de equipamentos atendia a obra, assim como o contingente de centenas de profissionais, sendo que alguns se revezavam entre empreendimentos da construtora, como condomínios residenciais, hotel, shopping centers, obras rodoviárias e outros.
A dinâmica das obras do parque eólico era a dinâmica das obras de energia no país, que experimentava a construção de duas grandes hidrelétricas (Jirau e Santo Antônio), além de dezenas de pequenas centrais hidrelétricas. Tudo isso integrava um planejamento energético, cujo objetivo era diversificar a matriz para que dependêssemos cada vez menos das caras e poluentes termoelétricas.
Voltamos do canteiro de obras, dessa vez sem sobrevoos panorâmicos, pois o tempo ameaçava fechar. O vento ficou mais forte e o trajeto foi tenso, pois o Cessna pegou vácuos que me fizeram aceitar a possibilidade de cair sobre o mar, onde eu achava ter mais chances de sobrevivência.
Não caímos, e aqui estou lembrando da potência dos ventos do Nordeste que, infelizmente, ainda não é aproveitada a contento. Houve avanço, é fato, mas a falta de continuidade num plano nacional de energia está minando o setor e a prova disso é que se tornaram raras as grandes obras de geração. Os parques eólicos, novamente hoje, são promissores, pois requerem investimentos menores e pulverizados. O mesmo vale para a energia solar fotovoltaica.
Atualmente, temos potência instalada de 16 GW de energia eólica e essa fonte se tornou a segunda maior geradora da matriz energética brasileira, segundo a Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica). Em 12 anos, portanto, expandimos em 65 vezes o nosso potencial eólico, mas ainda estamos bem longe dos 143 GW projetados pela Cepel. Os bons ventos do Nordeste, que também sopram no Sul e em outras regiões do país, poderiam, portanto, pagar boa parte da – cada vez mais cara, como fez questão de anunciar o governo em dezembro – conta de luz.