Sou rápido, sou jornalista. Mas o Brasil não é.

Rodrigo Conceição Santos – 05.01.2021 – Fiquei no saguão para fumar, enquanto Nelson se arrumava. Dividíamos um quarto, no bairro da Glória. Quando voltei, ele estava pronto e olhava os e-mails. “Demorou”, me disse. Respondi que sim e o motivo era um barracão de zinco na porta do hotel. Dava para ver o show pela […]

Por Redação

em 5 de Janeiro de 2021

Rodrigo Conceição Santos – 05.01.2021 –

Fiquei no saguão para fumar, enquanto Nelson se arrumava. Dividíamos um quarto, no bairro da Glória. Quando voltei, ele estava pronto e olhava os e-mails. “Demorou”, me disse. Respondi que sim e o motivo era um barracão de zinco na porta do hotel. Dava para ver o show pela janela do quarto: um sujeito saiu com a travesti e não quis pagar. A guarda noturno da região apareceu e o sujeito se queixou: “ela pegou a chave do meu carro”. De imediato, a travesti retrucou: “claro, saiu e não quer pagar, eu pego mesmo: sou rápida, sou travesti”.

Adoramos a frase e a parafraseamos com um “sou rápido, sou jornalista”. Saímos vendo o povo na porta do hotel fofocando. A maioria depunha a favor da travesti e todos, exceto os envolvidos, demonstravam-se amistosos. Esse comportamento amistoso era o trivial naquele 2010. Quase todos éramos assim e credito isso ao bom momento econômico que vivíamos.

Passamos pelos fofoqueiros e seguimos ao metrô, que nos levaria até a orla de Copacabana para jantar. Jantamos e descansamos para as reportagens do dia seguinte. Escrevíamos para a revista M&T.

Às 7h30 estávamos prontos, aguardando as fontes no saguão do hotel. A fonte do Nelson chegou logo e ele teve uma boa odisseia com ela: um engenheiro contido, de postura corporativa. Ele era líder das obras do programa Asfalto Liso, executado pela Odebrecht e OAS e que recuperou mais de 700 km de vias na capital fluminense. “A primeira explicação é que o nome do programa não condiz com a realidade: asfalto liso seria um asfalto ruim, pois é preciso manter os frisos responsáveis pela aderência dos pneus”, disse o engenheiro, mostrando o entendimento no assunto.

Mais tarde vim saber que eles visitaram canteiros de obras em várias partes da cidade e puderam detalhar a operação de equipamentos de microfresagem, fresagem tradicional e até pavimentadoras importadas. Enquanto isso eu estava no bairro do Recreio, canteiro de obras do monotrilho (hoje linha amarela do MetroRio), levando chá de cadeira do gerente de contratos, que me fez esperar por mais de uma hora para me dar informações pífias sobre o projeto. Saí de lá e sentei em uma padaria, de onde telefonei para várias pessoas, até conseguir uma entrevista para a parte da tarde, de onde descobri jumbos de perfuração nunca antes usados no Brasil e cuja operação estava viabilizando a construção do principal túnel da obra. Missão cumprida.

Dia produtivo, portanto, e ao final dele pudemos bater as informações para confirmar que o Rio era mesmo um canteiro de obras.

Nessa época, aliás, grande parte do país também o era, principalmente no setor de obras rodoviárias. Em 2010, mais de 2,5 mil rolos compactadores foram vendidos. Em 2019, comparando, foram menos de 300, segundo a Sobratema.

A nossa reportagem continuou, com apuração sobre obras de drenagem na Ilha do Fundão e com o grande desfecho, que seria a construção do Arco Metropolitano, a segunda maior obra rodoviária do país naquele momento.

Em dois repórteres, o trabalho foi ágil: enquanto eu parti com um engenheiro de produção para um lado, o Nelson foi com o gestor de equipamentos para outro. Às 11h30 nós retornamos ao escritório do canteiro de obras e batemos as informações de campo com os dados estratégicos do diretor de contratos.

Um engenheiro experiente ciceroneou todo o processo, desde o agendamento. Era um bon-vivant, morador de Ipanema e piadista incontrolável. Simpático e acolhedor, ele nos convidou para almoçar no restaurante do canteiro de obras.

Eu gosto dos bandejões, principalmente nas empresas de construção. E sei que o Nelson também gosta. Comemos muitas vezes nesses lugares e não me lembro de uma delas na qual a comida fosse ruim. Todavia, nós tínhamos planos para o nosso tempo livre e os vários anos de trabalho conjunto deixaram subentendido que almoçar na obra não era um deles. Foi assim que pedi licença para ir ao banheiro e, quando voltei, agradeci pelo convite, mas disse que precisaríamos voltar ao hotel para escrever a reportagem. O Nelson consentiu, obviamente, e, já no carro, elogiou a minha astúcia. “Sou rápido, sou jornalista”, respondi. E rimos no caminho de volta.

As obras de grande porte, como as que reportávamos, se integravam aos royalts do pré-sal, ao turismo e a outras atividades que mantinham o ciclo econômico fluminense em ascensão. Mais do que isso, havia um nítido orgulho em ser fluminense nos rostos das pessoas (vide os fofoqueiros relatados no início deste texto).

Hoje, não há esse orgulho, e eu lamento profundamente por isso. Lamento mais ainda pela lentidão na qual estamos nos acostumando a viver e que certamente está retardando o retorno desse Rio de Janeiro que relatei, assim como do resto do país. A lentidão é concomitante à falta de grandes obras e, mais holisticamente, à falta de crença no país. Essa realidade, infelizmente, não me deixa parafrasear a travesti, mas sim antagonizá-la para encerrar este texto com um decadente “Sou lento, sou o Brasil”.