Os prognósticos da construção civil são bons para este ano e para o futuro próximo, na avaliação de José Carlos Martins, presidente do Conselho Consultivo da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic) e diretor de sua própria consultoria, a JCM Estratégia. Em entrevista durante o Construsummit 2024, o executivo, que também já foi vice-presidente e presidente do Cbic por um período total de 18 anos, explicou as bases para o otimismo, começando pela empregabilidade.
“A quantidade de trabalhadores é um dado indiscutível [de que o setor está em bom momento]. Em 2014 [pico do setor], alcançamos o recorde de 3 milhões de empregos com carteira assinada na construção civil. Com a crise, caímos para menos de 2 milhões, em 2017. Ou seja: perdemos um terço da força de trabalho, mas hoje estamos próximos de recuperar o nosso melhor nível”, disse.
Melhoria da mão de obra e dos financiamentos
Segundo ele, há 2,9 milhões de postos de trabalhos formais na construção civil atualmente. Diferente de 2014, a mão de obra está melhor qualificada, na visão de Martins, pois os tempos de recessão teriam depurado e amadurecido tanto o mercado quanto os trabalhadores. “Desde 2018, recuperamos lentamente os postos de trabalho, com um boom durante a pandemia e um crescimento que segue rigoroso até hoje”, confirma.
Outro ponto positivo é o financiamento imobiliário. Martins lembrou do que Sandro Gamba, presidente da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip), comentou em palestra durante o Construsummit 2024, que acontece nesta semana com cobertura do InfraROI.
Segundo Gamba, mesmo com o esvaziamento da caderneta de poupança, teremos um recorde de contratações neste ano. “Em outras palavras, ele demonstrou que encontramos alternativas complementares para retomar o financiamento imobiliário e vamos crescer porque o mercado está represado ainda”, afirmou Martins.
De fato, o déficit habitacional do Brasil permaneceu na casa dos R$ 6,2 milhões de unidades, segundo o pesquisa da Fundação João Pinheiro, encomendada pela Cbic.
As famílias com renda de até dois salários mínimos – classificadas na Faixa 1 do programa Minha Casa Minha Vida – representam mais de 76% dessa demanda.
Retomando o otimismo de mercado, Martins lembra que, em 2003, tínhamos cerca de R$ 2,3 bilhões em financiamentos disponíveis por ano no setor. “Em 2024, chegaremos a R$ 240 bilhões. Ou seja, multiplicamos por mais de 100 a nossa capacidade em duas décadas”, compara.
Reforma tributária e costumes da sociedade
Martins também entende que, para além de 2024, a reforma tributária produzirá impacto positivo para o setor. Para ele, “um país mais regulado e transparente ganha credibilidade, o que ajuda a reduzir as taxas de juros ao longo do tempo”. “A industrialização da construção sempre foi travada pela tributação. Produzir no canteiro de obras não paga ICMS, PIS e Cofins, enquanto o pré-fabricado paga cerca de 20% a mais por conta desses impostos e precisa ser produtivo o suficiente para igualar isso. Com a reforma tributária, tudo será igualado, permitindo que a maior produtividade apresente vantagem competitiva para o consumidor”, completou.
A adesão à construção imobiliária também explica o momento positivo e os prognósticos otimistas para os próximos tempos, segundo ele. Isso porque o setor tem se mostrado mais maduro nos últimos anos e as pessoas entenderam, durante a pandemia, a importância de investir no lar como espaço de convivência familiar.
Tecnologia, produtividade e ESG
Para aproveitar as oportunidades, o setor de construção precisa avançar tecnológica e produtivamente, na visão de Martins. Ele conclui que, atualmente, a tecnologia é um dos seus temas-foco, e isso inclui tanto a digitalização como a inovação incremental para produtividade nos canteiros de obras.
Outro tema-foco do executivo é a sustentabilidade, que, para ele, está intimamente ligada à produtividade. “A industrialização de uma obra gera menos desperdício e ao mesmo tempo torna o processo mais produtivo”, diz. Além disso, o processo industrial está relacionado à qualificação e proteção operacional dos operadores, o que, para o especialista, combate a informalidade existente atualmente na construção civil. “Com a industrialização, será necessário treinamento, especialmente visando as boas práticas ESG, principalmente na esfera social”, diz.
Como exemplo, ele cita a visita a uma fábrica de madeiras em São Paulo na qual 53% das vagas são ocupadas por mulheres, ajudando a alcançar a equidade de gênero em um setor que é majoritariamente masculino. “Precisamos aumentar a atratividade da construção civil para trabalhadores e é a industrialização que pode fazer isso, a exemplo dessa fábrica com mão de obra majoritariamente feminina”, diz.
Sobre sustentabilidade, o executivo lembrou que, já em 2027, a União Europeia definiu que imóveis com mais de 2 mil metros quadrados devem zerar suas emissões de carbono. Em 2030, isso se estenderá a qualquer construção.
“As maneiras de fazer isso são: (1) buscar crédito no mercado de carbono ou (2) usar materiais que reduzam emissões no processo produtivo”, pontua, salientando que 37% das emissões globais vêm das edificações, sendo um terço disso gerada durante a construção e restante durante o uso dos edifícios.
No ano passado, Martins também visitou o maior empreendimento de madeira do mundo, ao norte da Suécia. Trata-se de um prédio de 20 andares foi construído com contêineres de madeira prontos, empilhados um sobre o outro. Entendi que eles fizeram isso porque só têm quatro meses de luz no ano. Então a produção precisa acontecer dentro de fábricas aquecidas. Já aqui, estamos expondo os nossos trabalhadores da construção ao calor, frio e intempéries”, diz.
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Pontuando que a produtividade da construção é inferior à de outros setores, Martins entende que já temos tecnologia disponível para projetos, como as soluções de software. No entanto, faltam startups focadas nos sistemas construtivos, para atuar na melhoria dentro do canteiro de obras.
“A essência da indústria 4.0 é criar produtos que atendam às necessidades individuais dos clientes, criando uma hiperpersonalização. Isso só é possível com adoção de tecnologia, algo que ainda é um desafio para o setor da construção, mas também uma grande oportunidade de melhoria”, conclui.