A gambiarra e o “jeitinho” expõem a fragilidade da nossa infraestrutura

Rodrigo Conceição Santos – 22.09.2019 –

Descemos as escadas do Hotel Unique, em São Paulo, rumo a uma das salas de auditório. No pé da escada uma tela enorme, vertical, emulando o tamanho de um ser humano. Dentro dela a modelo falou: bem-vindo senhor Nelson. Esse ao seu lado é… – Rodrigo, ele respondeu. – Bem-vindo também senhor Rodrigo. Constrangidos, sentamos, finalmente, para a coletiva de imprensa na qual seria apresentada uma revolução tecnológica: a maquininha sem fio para passar cartão de crédito.

Era 2003 e uma repórter experiente questionou em tom debochado: “Vocês estão querendo dizer que sentada sob um guarda-sol, na praia, o garçom passará o meu cartão de crédito?”. O executivo da Visa respondeu “sim”. E todos rindo foram para o coffee break engolir mais aquela “fantasia” dos entusiastas de TI. Nós não, tínhamos outra coletiva na sequência e deixamos para debochar no circular que pegamos sentido à Paulista.

Poucos anos depois vimos que os entusiastas estavam certos. Eles já previam uma infraestrutura de telecomunicações capaz de suportar a transmissão de dados em alta velocidade. Naquela época era difícil materializar, pois ainda se discutiam os padrões para as redes. Será GSM ou CDMA? A transmissão de mensagens de textos (SMS), para se ter ideia, era uma evolução tremenda em relação ao bipe, mas as mensagens às vezes demoravam horas para ser entregues, contextualizando a dúvida sobre a eficiência da rede para operações de alta velocidade. Em transações financeiras, como o pagamento com cartão de crédito, a desconfiança era ainda maior.

Fato foi que o investimento na infraestrutura de telecom resolveu isso tudo em poucos anos. E este é só um, de milhares de exemplos existentes.

Diariamente, não pensamos a respeito dos milhões de cabos em postes ou debaixo da terra responsáveis por transmitirem as nossas informações online e aí está o motivo pelo qual continuamos a ser subdesenvolvidos.

Um livro escrito pelo jornalista norte-americano Andrew Blum – que apesar de estar em um país desenvolvido – resume o nosso desleixo. Ele só pensou na infraestrutura por trás da internet ao saber que um esquilo roeu a rede que ligava a sua casa e o deixou desconectado. Isso o motivou a pesquisar e escrever Tubos – o mundo físico da internet, livro que foi resenhado pelo editor do InfraROI Nelson Valêncio em 2014. A resenha pode ser revisitada neste link: http://infraroi.com.br/onde-mora-internet/.

Assim como Blum, quando entenderemos os esquilos que roem nossa infraestrutura diariamente? É nosso dever conhecer sobre as estruturas da internet, do gás, água, eletricidade e das estradas por onde passam os caminhões que entregam o que compramos pelo e-commerce. Assim, quem sabe, entenderemos que infraestrutura define se um país é eficiente ou não.

O Brasil continua ineficiente e é por isso que morremos mais e pagamos mais caro em tudo. A falta de infraestrutura e de entendimento sobre o que devemos cobrar a respeito, criou tentáculos que não conseguimos mais despregar do nosso cotidiano. Essas ramificações são tamanhas e subversivas ao ponto que arrisco a dizer que até o nosso “jeitinho” é oriundo dela. Afinal, a gambiarra é a tentativa de fazer algo sem a infraestrutura para tal.