Caio de Souza Loureiro – 06.05.2021 –
Vencido o mês de abril, o setor de infraestrutura tem, agora, novas concessões em portos, saneamento, aeroportos, ferrovias, rodovias e trens urbanos. Dados divulgados pelo Governo Federal dão conta de que os diversos leilões ocorridos no último mês irão movimentar R$ 48 bilhões em investimentos, sem contar o valor das outorgas previstas em alguns dos projetos.
Há, sim, o que se comemorar, especialmente num cenário adverso. Projetos já na fila há anos – como é o caso da FIOL e da CEDAE, bem como das linhas 8 e 9 da CPTM – foram finalmente contratados e geram uma enorme expectativa. Contudo, é preciso entender os sinais dados pelos leilões e, assim, tentar entender como os projetos previstos para os próximos meses deverão se comportar.
A seguir, alguns pontos que surgem dessa análise.
Players tradicionais ainda estão no jogo
Os leilões de abril demonstraram que empresas já atuantes na infraestrutura continuam presentes e dominantes.
No setor portuário, a Santos Brasil levou três dos ativos do porto de Itaqui, voltados à movimentação de combustíveis. A CCR, por sua vez, consolidou sua presença no transporte metropolitano de São Paulo, arrematando junto com o Grupo Ruas (seu sócio em outras concessões) as linhas 8 e 9 da CPTM. No setor aeroportuário, ampliou sua participação com a vitória nos Blocos Sul e Central.
Essa movimentação demonstra que mesmo com o comprometimento com os contratos em vigor, ainda há capacidade de investimento nesses players. Mais que isso, evidencia que mesmo as questões regulatórias relevantes em alguns dos atuais ativos não inibem os investidores em apostar em novas concessões.
A instabilidade regulatória e jurídica de muitos contratos, portanto, não parece ser um deal breaker de novos negócios. Ao contrário, mesmo empresas que enfrentam problemas nos seus contratos vigentes não desconsideram investir em novos ativos. Essa postura revela uma necessidade constante de obter novos ativos, o que é bem natural, sobretudo nas companhias abertas, mas, também, acaba tendo uma externalidade negativa nas discussões em curso, pois transmite a ideia de que o ambiente regulatório da infraestrutura não possui os vícios relevantes que têm de fato.
Entrantes mitigam o risco
Outro fato marcante dos leilões ocorreu, na verdade, antes deles, por meio dos movimentos societários realizados em alguns dos atores tradicionais. Iguá, Aegea – vencedoras da CEDAE –venderam parte do seu capital às vésperas do leilão. Iguá contou com capital do Canada Pension Plan Investment Board (CPPIB); Aegea recebeu aporte da Itaúsa.
Dessa maneira, novos investidores – especialmente fundos e estrangeiros – reiteram a estratégia de optar por ativos já maduros, mediante aquisição de capital de empresas já operantes e com carteira de projetos já em operação.
O Pátria, que vinha sendo a grande exceção à regra – tendo participado diretamente de diversos leilões e ganhos alguns deles, especialmente em rodovias e portos – foi a grande ausência dos certames. Mesmo tendo capitalizado um novo fundo de infraestrutura há pouco tempo, o Pátria parece ter optado por assimilar os ativos ganhos recentemente, notadamente a concessão Piracicaba-Panorama (PIPA), com escopo bastante vultoso.
O fato é que a presença maciça de novos atores – do setor financeiro ou estrangeiros – acabou se evidenciado em operações de aquisição. Os leilões de abril não lograram reverter esse quadro.
Não por acaso, a única empresa estrangeira vitoriosa foi a Vinci Airports, que arrematou o Bloco Norte de aeroportos. Ainda assim, a companhia já possui a operação do aeroporto de Salvador e não é propriamente uma entrante.
Por sua vez, a FIOL foi arrematada pela BAMIN, naquele que foi o leilão com menos surpresas. Apesar de ingressar no setor de ferrovias, a BAMIN será a principal usuária do trecho concedido (Caetité-Ilhéus), para escoar a produção de minérios pelos portos de Ilhéus. Era esperado, pois, que a companhia fizesse esse movimento para ter sob seu domínio toda a cadeia logística para as minas no sudoeste baiano – lembrando que ela já detém autorização para um dos terminais do Porto Sul.
Visão de longo prazo ainda prevalece, mas a paciência está se esgotando
A expectativa com o mês de abril foi posta à prova por uma das piores conjunturas recentes no setor de infraestrutura. O país vive um dos piores momentos da pandemia da COVID-19 e os indicadores econômicos são preocupantes, no mínimo.
Num cenário dessa ordem, havia o receio de que a competição dos leilões seria comprometida, com o risco mesmo de leilões desertos. O que não ocorreu. E esse fato traz consigo algumas questões interessantes, para tentar entender a aparente contradição entre o interesse do mercado e a conjuntura adversa.
De início, é evidente que o setor de infraestrutura ainda opera majoritariamente numa avaliação de longo prazo e de custo de oportunidade, consentânea com a escassez de ativos e os períodos extensos de contrato. Os prazos dos contratos de concessão criam, ao mesmo tempo, uma janela de oportunidade e a consideração de retornos a longo prazo.
O investidor, sem dúvida, contrapõe a adversidade do curto prazo (i) à possibilidade de ganhos futuros e (ii) à necessidade de conquistar um ativo que somente estará disponível num futuro mais distante – lembrando-se que os contratos têm prazos de 20, 30 anos, e, em nos casos das ferrovias, por mais de 50 anos.
Deixar de participar do leilão, então, impede que o investidor conquiste um ativo interessante e que poderia trazer resultado positivo, mesmo que com dificuldades – ou mesmo prejuízos – nos momentos iniciais, mais suscetíveis à conjuntura ruim atual.
Apesar disso, os leilões de abril acendem um sinal de alerta, mesmo que imperceptível de pronto, diante da euforia do momento. Por mais que tenham contado com participantes e, em alguns casos, com alguma concorrência mais disputada (especialmente o Bloco 4 da CEDAE), uma boa parte dos certames teve menos concorrentes que projetos anteriores no mesmo setor.
A própria CEDAE, por mais que seja considerado o grande ativo de saneamento nos leilões previstos, teve menos participantes totais do que o leilão da CASAL e, além disso, com muitos concorrentes se reunindo em consórcio, o que traduz maior aversão ao risco. Isso sem falar na ausência de vencedores no Bloco 3. Da mesma forma, o consórcio formado por BRK Ambiental e Águas do Brasil – dois tradicionais players – apresentou propostas bem conservadoras, em contraponto à agressividade demonstrada pela BRK na licitação da CASAL, por exemplo. A BR 153, por sua vez, teve apenas dois participantes, número bem menor do que o que se costuma observar em licitações de concessões rodoviárias.
Esses sinais devem ser compreendidos como um indicativo de que o apetite do mercado pode estar diminuindo e é um alerta para o pipeline de projetos previstos para o segundo semestre deste ano e primeiro semestre de 2022. A manutenção de uma conjuntura prejudicial, somada à limitação de investimentos das empresas, pode impactar negativamente as próximas licitações.
Desse modo, investidores estarão mais atentos a melhoras efetivas nas condições sanitárias relacionadas à pandemia do COVID-19 e no ambiente institucional no país, especialmente no Governo Federal. Sem elas, é plausível supor que os próximos leilões podem sofrer mais com as consequências dessa situação.
Conclusão
No final do dia, há bastante a se comemorar com os leilões recentes. O saldo de abril foi bastante positivo – mesmo que com algum revés num dos blocos da CEDAE – e serve para demonstrar que o mercado está afeito a apostar em bons projetos, mesmo que numa situação de curto prazo desfavorável.
Nesse aspecto, a confiança na estruturação dos projetos é fundamental e o papel do PPI na gestão e do BNDES/EPL nos estudos e formulação das concessões é essencial. Não por acaso, as notícias recentes dando conta de eventuais mudanças no PPI podem ser um retrocesso grande, passando uma má impressão ao mercado.
Algo que a experiência dos últimos anos demonstrou é que a estabilidade e qualidades dos órgãos públicos envolvidos na estruturação e gestão de projetos de infraestrutura é essencial. Não por acaso, os Estados de São Paulo e da Bahia, que mantêm equipes e estruturas há vários anos, sobrevivendo mesmo a trocas de governo, continuam a ter protagonismo. E, nos últimos cinco anos, a equipe que transita entre PPI e MINFRA e, no passado recente, estava também no BNDES e Planejamento, tem grande contribuição ao sucesso dos leilões federais.
Negligenciar essa estabilidade e fechar os olhos aos sinais dados pelo mercado pode ser o grande problema para os próximos leilões. Até o momento, a paciência e confiança do mercado tem segurado a expectativa gerada pelos projetos já licitados, mas, como diz o ditado: “paciência tem limite”.
Caio de Souza Loureiro é sócio da área de infraestrutura do Cascione Pulino Boulos Advogados