Na crise, geração eólica “nada” de braçadas e a favor do vento

Por Nelson Valêncio 08.09.2015 (*) Élbia Silva Gannoum, presidente executiva da Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica), fala da barreira de 6 GW de geração recentemente atingidos pelo setor (4,5% da matriz brasileira). A especialista discute ainda os desafios que os investidores enfrentam, caso das condições de logística complexas e das regras de nacionalização emitidas […]

Por Redação

em 8 de Setembro de 2015
Foto: Época Negócios

Por Nelson Valêncio 08.09.2015 (*)

Élbia Silva Gannoum, presidente executiva da Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica), fala da barreira de 6 GW de geração recentemente atingidos pelo setor (4,5% da matriz brasileira).

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A especialista discute ainda os desafios que os investidores enfrentam, caso das condições de logística complexas e das regras de nacionalização emitidas pelo BNDES. Apesar disso, o segmento vive um ótimo momento: com uma média de ativação de 2,3 GW por ano, o ecossistema eólico cresce enquanto o Brasil vive um ano de restrições, ajustes e atrasos.

InfraROI – Chegamos a 6 GW de capacidade de geração de energia eólica. Duas perguntas: quais são os próximos passos e se teremos ajustes de rota?

Élbia: Nós trabalhamos com uma contratação média de 2 GW/ano e essa é uma perspectiva que acreditamos vai continuar a acontecer. Desde 2009, trabalhamos com essa previsão. Entre 2009 e 2014, nos sucessivos leilões, nós contratamos em média 2,3 GW, ou seja, acima do que o setor espera e um pouco acima da capacidade da indústria local, visto que temos uma cadeia produtiva em franca construção. Então, estamos vendendo acima do que esperamos, o que é um sinal bastante positivo nessa trajetória que nós chamamos de crescimento virtuoso da fonte eólica no Brasil. Ela cresce numa velocidade muito rápida e tem uma perspectiva de investimento forte para o futuro, pois esperamos ficar com essa média de contratação nos próximos 10 a 15 anos. Hoje, dos 6 GW instalados de fato, 1,3 GW veio do Proinfa e os 4,7 GW são dos leilões realizados até agora. Há outros 10 GW em projetos de construção, o que vai nos levar efetivamente a uma capacidade média de 15,5 GW instalados em 2019. A EPE (Empresa de Planejamento Energético) tem trabalhado com um número de 25 GW até 2023. Considerando os 2 GW de crescimento a cada ano, a avaliação da EPE é conservadora.  Tendo em vista esse ritmo de 2,3 GW atual, esperamos chegar a 2020 com uma capacidade instalada de 20 GW, o que vai corresponder à aproximadamente 12% da matriz elétrica nacional, quase triplicando os atuais 4.5%.

InfraROI – Existe um limite de participação da geração eólica na matriz energética?

Élbia: Esse número não foi calculado. Está em construção e se trata de uma medida que trazemos da experiência internacional adaptada às condições do sistema brasileiro, lembrando que nosso modelo de transmissão de energia é razoavelmente complexo. A Dinamarca, por exemplo, tem cerca de 30% de sua matriz energética com fonte eólica. Portugal e Espanha têm uma média entre 18% e 20%. Considerando essas e outras avaliações, acreditamos que o Brasil possa alcançar o patamar de 25% ou até 30% de participação eólica na matriz de geração.

InfraROI – E a questão de aproveitamento, do fator de capacidade?

Élbia: O fator de capacidade pode variar, considerando a qualidade do vento, que dificilmente muda; a forma que você opera a máquina; e a tecnologia adotada nas usinas. Quanto mais alta a torre e quanto mais potente a máquina, maior o seu fator de capacidade. É claro que isso não é infinito, mas pode crescer razoavelmente e foi o que aconteceu no Brasil nos últimos dez anos. Quando os projetos do Proinfa foram ativados, a avaliação do fator de capacidade era da ordem de 30%, uma média mundial. Com os projetos posteriores, observamos que a capacidade é muito superior. O primeiro leilão foi realizado com o fator da ordem de 40%, porém nós só tínhamos medições e testes, não tínhamos a geração de fato. A partir do momento que nós começamos a instalar os parques e eles começaram a funcionar, descobrimos fatores de capacidade mais altos. Em algumas regiões, caso do interior da Bahia, os valores chegam a 60%. Há cenários similares no Piauí e Maranhão, mas de fato a média brasileira está na ordem de 50%, o que é muito alto. Aliás, é superior à da China que possui cerca de 30%. Existem outros três “bons ventos” no mundo: Somália, Venezuela e Etiópia, mas são países que não possuem parques eólicos. Em resumo, o único lugar do mundo que tem um vento fantástico e tem um parque eólico considerável é o Brasil.

InfraROI – O Brasil também é um grande mercado e até pouco tempo o grande comprador nessa área. Isso mudou?  

Élbia: Nós tivemos uma janela de oportunidade importantíssima. O que explica muito o fato de o Brasil estar hoje na liderança dos investimentos é um fator conjuntural forte e decorrente da crise de 2008, 2009, justamente quando iniciamos os primeiros leilões de energia.  Para nós, a conjuntura internacional era muito favorável, pois a Europa e os Estados Unidos pararam os investimentos em fontes renováveis e os investidores estavam procurando novos mercados e os novos mercados eram Brasil, China e Índia. De 2008 até 2010 todos os investimentos estavam voltados a essas três economias, sendo o Brasil a principal delas pela característica dos investimentos. A China e Índia são países muito fechados e eles acabam internalizando a tecnologia. A nosso favor também havia o favoritismo da taxa de câmbio, cenário que mudou um pouco a partir de 2012. A força da conjuntura internacional positiva foi reduzida, o câmbio subiu e os países europeus e americanos retomaram os investimentos em fontes renováveis. Outra mudança foi a entrada de outros países como a África do Sul e o México. O atual momento mostra a China como o país mais atrativo em renováveis, seguida pelo Brasil, Índia, México e a África do Sul. Os países europeus desenvolvidos como Alemanha, Espanha, além dos Estados Unidos, estão retomando seus investimentos.  Em termos de aumento de capacidade instalada, estamos somente atrás da China e da Alemanha. O Brasil ainda não está em primeiro em capacidade instalada, mas já está entre os dez.

InfraROI – O que isso muda no quadro de fabricação dos players instalados aqui?

Élbia: A indústria local está passando de um processo de consolidação para um cenário de sustentabilidade de longo prazo. A fase de inserção, quando há muitos players e muitos até especuladores, está finalizada. Estamos nessa fase de consolidação e sustentabilidade, de forma que quem fica no setor é do ramo. No que se refere aos fabricantes de equipamentos, tivemos uma atratividade muito forte por conta daquela conjuntura internacional mencionada anteriormente. Chegamos a ter 11 fábricas de equipamentos há quatro anos, cuja produção acontecia por conta das regras de nacionalização A partir de 2013, as regras tornaram-se ainda mais fortes, inclusive com requisitos que precisam ser atendidos até 2016. Esse grau de nacionalização é da ordem de 80%. Com isso, as marcas são produzidas aqui e a tecnologia que vem sendo desenvolvida há cerca de 20 anos no exterior, começa a ser criada aqui. A natureza do vento brasileiro é diferente do europeu e do americano e acredita-se que, se você fizer uma máquina obedecendo a natureza do vento, como as características de temperatura e pressão, você terá uma maquina mais eficiente. O fator de capacidade pode melhorar ainda mais, mas isso só acontece na fase de maturidade da indústria e cinco anos ainda é muito cedo pra se ter desenvolvido uma tecnologia local. Mas é tempo suficiente para começar a pensar. Dois fabricantes que atuavam aqui saíram do país, mas isso aconteceu porque eles encerraram suas atividades também em nível internacional. Hoje, temos sete players internacionais atuando no Brasil.

InfraROI – Quando você fala em nacionalização, os 80% se referem a volume?

Élbia: No passado, 60% estavam listados dentro de uma planilha: você abria os números e olhava os investimentos em máquinas, de forma que os 60% dos investimentos em capital (Capex) tinham que ser nacionalizados. Hoje, os 80% são um número de avaliação qualitativa. Há pontos específicos, caso da construção da torre, que se for em aço, a totalidade dessa matéria-prima precisa ser produzida no Brasil até 2016.

InfraROI – Quando você fala que está se criando um ambiente de tecnologia desenvolvida localmente, qual é o papel do setor no que tange a relação com o conhecimento dos ventos?

Élbia: O mapa de vento aponta simplesmente onde estão os melhores potenciais. Há uma mudança tecnológica em curso. Em 2001, quando tínhamos turbinas instaladas a 50 metros de altura e com capacidade de geração de 1 MW de potência, a nossa avaliação era de que o potencial de geração eólica total seria de 143 GW, número atualizado hoje para cerca de 350 GW. Isso ocorre porque temos turbinas ativadas a uma altura de 120 metros e uma potência de 3 MW, ou seja, muito mais produção e um fator de capacidade maior. O estado da Bahia, por exemplo, fez seu atlas eólico e identificou 150 GW. Já o Rio Grande do Sul também lançou um similar, registrando quase 200 GW.

InfraROI – E nessa distribuição de capacidade, os estados do Nordeste puxam a lista dos destaques com a atualização dos dados?

Élbia: Mudou um pouco, porque quando você pega uma tecnologia diferente com torres mais altas, acaba descobrindo potenciais que não existiam antes. Tem também um aprendizado que não havia no início. Quando começamos, achávamos que a energia eólica estava no litoral, mas a experiência mostra que a melhor energia eólica hoje está no semiárido da Bahia. O Ceará era líder e atualmente quem lidera é o Rio Grande do Norte, com a maior capacidade instalada, seguido da Bahia. Os baianos devem passar à frente. O Piauí, que não tinha estudos de capacidade do vento, tem condições fantásticas. O Rio Grande do Sul tem um grande potencial e a característica do vento do Sul é diferente do Nordeste, onde os ventos são constantes, sem turbulência e sem rajadas e praticamente unidirecionais. São ventos, em média, de 8 metros por segundo e que raramente chegam a 10 ou 12 m/s. No Rio Grande do Sul, temos ventos na média de 10 a 12 m/s, com rajadas e turbulências. São bem parecidos com os ventos europeus e têm um fator de capacidade bem alto, de cerca de 40%.

InfraROI – A rede de transmissão é ainda um gargalo?

Élbia: Não, a transmissão foi um problema muito sério, principalmente no ano de 2012, quando os primeiros parques leiloados estavam para entrar em operação, mas a linha não chegou. Nós ficamos um bom tempo com um gap de 1 GW sem poder entrar em geração porque não havia a infraestrutura de transmissão. Hoje, dos 6 GW de capacidade instalada, apenas 300 MW estão esperando a infraestrutura de transmissão. O problema de linha de transmissão atrasada está se tornando parte da história do passado da energia eólica no Brasil. Houve uma mudança na metodologia da transmissão: antes fazia-se o leilão da eólica com três anos de antecedência e, o de transmissão, com dois. Mas aprendemos que não demora dois anos para se instalar a infraestrutura de transmissão e e sim três e até, às vezes, quatro anos. Tendo em vista esse cenário, o Planejador (EPE) colocou como regra que, para participar dos leilões, os projetos eólicos têm de estar com a linha garantida. Com isso, reduzimos o risco de atraso. A transmissão sempre será um ponto de atenção do setor porque o transporte de um produto que você vende é um desafio e transmissão é transporte de energia.

InfraROI – E existem outros desafios?

Élbia: Um que quase chega a ser um gargalo é a logística de transporte dos equipamentos. Isso tem sido uma preocupação da indústria, pois o Brasil é um país razoavelmente complexo em questão de transporte, por conta da opção rodoviária. A maior fábrica de pás para aerogeradores do Brasil está em Sorocaba (é a segunda maior do mundo). Então, fabrica-se a pá em São Paulo para ser enviada para o Rio Grande do Norte, por exemplo. O setor está vencendo esse problema ao levar unidades de produção para o Nordeste. Por isso o parque eólico da Bahia tem atraído fábricas. Os estados com bons portos levam vantagem, em função da possibilidade de uso do transporte de cabotagem, que também precisa melhorar. Hoje, aliás, uma de nossas pautas mais relevantes é a questão de logística e do desenvolvimento do transporte de cabotagem.

InfraROI – As regras de nacionalização também entram no rol de desafios?

Élbia – Sim. As regras do BNDES são marcos bastante ambiciosos para indústria. Se eu tenho que produzir 80% nacionalmente, significa que é necessário desenvolver toda uma cadeia de desenvolvimento no Brasil, o que não é simples, considerando a cadeia de fornecimento e o fato de termos uma indústria razoavelmente complexa em termos de componentes. Você olha um aerogerador pronto e pode pensar que parece fácil montá-lo, mas existe uma cadeia de componentes para ser desenvolvida e isso num período de curto prazo.

InfraROI – Tem algum amadurecimento ou mudança entre os investidores em parques eólicos?

Élbia – Sim. Tem havido uma mudança grande. Dos entrantes, uns dois ou três tornaram-se, de fato, do ramo. Os tradicionais do mercado de energia ficaram, mas os investidores financeiros – que veem para colocar dinheiro e sair – estão deixando o setor. Há uma consolidação e vemos a manutenção de um nível de investidores que, ou são os tradicionais, ou são aqueles que já vieram para ficar. Já tivemos muitos movimentos de fusões e aquisições a partir de 2012 e 2013, mas há uma redução de velocidade nesse processo. Isso ocorre porque aquela turma que veio dar uma “olhada” no negócio já está saindo, geralmente satisfeita por conta dos ganhos. E há empresas que avançam e uma das que mais compram é a CPFL, líder de aquisição de parques. Trata-se de um investidor tradicional que criou um braço de energia renovável consistente.

InfraROI – Em termos de leilões, qual é a tendência?

Élbia – Os leilões estão fazendo agora o que a indústria sempre pediu, ou seja, contratando por fonte. Em abril, por exemplo, deveremos ter um leilão específico de renováveis, que vai contratar somente eólica e biomassa. Na medida de suas necessidades, o governo vai fazendo os ajustes e preparando os leilões, mas a tendência é contratar por fonte.

InfraROI – Falando em leilão, lembramos da precificação. Houve mudanças nessa área também…

Élbia – Na medida em que o setor vai partindo pra consolidação e maturidade, nós esperamos certa racionalidade, inclusive na formação de preços. Em 2011, a energia eólica alcançou o patamar mais baixo de preços, mas também foi o ano em que houve mais competição. Tivemos uma competição irracional, preços muito baixos que talvez não remunerassem o investimento de maneira ideal e o setor começou a ficar preocupado. A partir de 2013 – pois 2012 foi um ano fora da estatística do setor elétrico, pois não houve contratação – há uma retomada no nível de preços, até porque foi imposta a energia eólica. A partir de 2013, fatores dos novos índices de nacionalização do BNDES aumentam os custos, assim como a metodologia da transmissão, com o risco direcionado para o investidor. A taxa de câmbio mudou, o que também aumenta o custo da indústria, assim como a exigência de certificação para que os projetos apresentem uma geração, na maioria do tempo, acima de 90% daquilo que se espera. Então tendo em vista que o custo de produção da eólica aumentou, o preço naturalmente deveria aumentar e o próprio governo, ao estabelecer o preço teto, foi colocando os valores para cima. O preço médio de 2014 foi da ordem de R$140,00 o MWh.

InfraROI – Num ano que já promete ser bem agitado, o segmento de energia eólica está tranquilo?

Élbia – Esse ano, do ponto de vista econômico, deve ser horrível para o Brasil, horrível para todos os setores da economia. O país vai crescer pouco, investir pouco, mas a energia eólica é uma ilha diferenciada e todo mundo quer ir para essa ilha, porque estamos em uma situação muito confortável em relação ao resto da economia.

* Entrevista publicada em sua primeira versão em março de 2015.