Confiança no setor de óleo e gás e o arranjo institucional

Jefferson Nery do Prado (*) – 04.02.2021 – 

A pandemia do coronavírus, naturalmente, trouxe muitos desarranjos, angústias e perda de confiança em diversos setores da economia nacional e mundial. Não era para ser diferente.

Entretanto, sempre que um evento adverso surge (como a atual pandemia) ou deixa de existir (como nossa inflação em 1994, após o Plano Real) descortina o que estruturalmente ocorre em um país. No caso do fim da inflação, vimos o descalabro nas contas públicas e nas empresas estatais que clamavam por estatização em virtude das ingerências governamentais à época.

Com a atual pandemia, vimos o que o desrespeito com a saúde pública por parte de todos os governantes (União, Estado e Município, vide o caos em Manaus), resultou no momento em que todos mais precisam de seus serviços.

Ou seja, tanto no período após inflação quanto neste pandêmico, infelizmente, precisa que algo de muito ruim e catastrófico aconteça para que a opinião pública dê a devida atenção ao que a academia e, muitas vezes o mercado, sinalizam como problema.

Nesse sentido, diversas outras questões são problemáticas no Brasil e precisam de soluções para ontem. Mas, enquanto a opinião pública não transformar em algo prioritário (o que ocorre quando a sociedade já está padecendo) parece que a agenda para resolver o problema não anda. Dentre esses problemas, está o setor de Óleo e Gás.

Desde que Getúlio Vargas inflamou o slogan “O Petróleo é Nosso!” em 1946, com a posterior constituição da Petróleo Brasil S/A em 3 de outubro de 1953, todos nós sentimos um certo alívio por ter uma empresa que explora um recurso tão importante e rico para a sociedade como um todo, haja visto, a infinidade de produtos oriundos da exploração desse licor negro.

Cabe aqui uma analogia e comparação. Assim como nos tornamos autossuficientes na exploração de petróleo, sempre fomos referência internacional em produtos agrícolas e agropecuários (mas nunca gritamos: “A Agricultura é Nossa”!!) e temos sofrido bastante com o aumento nos preços desses produtos, principalmente, a carne bovina.

Então a pergunta que se coloca é: se o petróleo é nosso e a agricultura também, por que pagamos tão caro?

Segundo o bom senso e a ciência econômica, os preços nunca têm culpa de nada. Se o preço de determinado bem está caro, várias são as explicações: custo de processamento, custo logístico, custo de mão-de-obra, impostos, corrupção, escala de produção, queda da renda familiar e dentre infinitas variáveis que são peculiares à cada mercado.

Especificamente para o setor de commodities (óleo e gás e produtos oriundos do campo) há algumas características que podemos dirimir para entender o motivo desse aumento em seus preços.

Os produtos agrícolas nacionais são de reconhecida qualidade internacional e as empresas aqui instaladas operam de forma eficiente para a provisão desses bens. Se olharmos para o investimento em tecnologia e gestão que os profissionais do campo realizaram ao longo do tempo, veremos que atividades, como por exemplo: colheita da cana-de-açúcar, antes feita manualmente, hoje são feitas por colheitadeiras. Até a utilização de drones as empresas estão implementando.

No setor de Óleo e Gás, o movimento não foi diferente. A utilização de robôs e equipamentos com alta tecnologia para a exploração em águas profundas é uma constante na Petrobrás. Isso sem contar com a qualidade do corpo técnico da empresa e parcerias com universidades para o desenvolvimento de novas técnicas na exploração do petróleo.

Tudo isso, em qualquer um dos setores deveria resultar em aumento de produtividade e, consequentemente, preços competitivos ao consumidor final. Correto? Sim. Se o setor depender, apenas, da oferta e demanda de cada mercado.

Entretanto, outras variáveis afetam, não somente o campo e o petróleo, mas como qualquer setor da economia, a variável: política.

No campo, a explicação para o preço da carne, por exemplo, estar tão alto ocorre em virtude de o câmbio estar muito valorizado, o que estimula os produtores a vender para o exterior e não aqui para o mercado interno. Com menos produto interno o preço aumenta. Lei da Economia. Mas, a valorização do câmbio, atual, também apresenta um componente político. Entretanto, não vemos essa oscilação do câmbio gerar perda de confiança por parte do empresariado rural.

Para o caso de óleo e gás, também há o componente do câmbio e a cotação que segue o mercado internacional. Mas, esse setor possui uma estrutura econômica diferente do agrícola e agropecuário, a Regulação Econômica.

Regulação Econômica significa a participação direta do governo na tomada de decisão da Petrobrás, tanto pela empresa ser uma estatal quanto por existir uma agência (ANP) que atua de forma a regulamentar a estatal e as outras empresas do setor que distribuem e refinam combustível.

Já de início, a Lei Econômica de oferta e demanda não é suficiente para explicar esse setor e seus problemas (oferta e demanda de um mercado concorrencial; a literatura econômica sobre monopólio se ajusta perfeitamente), uma vez que exista um governo que possa alterar o preço de equilíbrio desse mercado. Isso implica que decisões sobre o setor que necessitem de investimento estão intimamente ligadas ao governo em exercício.

Analisando todas as decisões tomadas sobre o setor no governo anterior, ocorreram diversos problemas, inclusive de ordem criminal. Tabelamento de preço para conter a inflação; aquisição de refinarias improdutivas no exterior e o envolvimento da empresa em corrupção político-partidária.

Com a alternância de governo, vem a expectativa de mudanças e melhorias no setor. O que não ocorreu.

Com a redução dos juros básicos e uma política de contenção do aumento no déficit, a economia brasileira apresentava sinais de melhora para captação de investimento externo junto com a possibilidade de privatizações

Com a pandemia, e a agenda de privatizações estagnada, o setor de óleo e gás é o primeiro a sofrer uma desconfiança sobre a evolução de seu mercado.

No Brasil, embora sejamos autossuficientes na exploração do petróleo, somos competitivamente ruins no refino para combustível. Em virtude das características de nosso óleo bruto, precisamos importar combustível para atender o mercado interno. Importar combustível com o atual patamar do dólar explica o porquê de o preço interno ser tão alto.

Mas explica apenas uma parte do problema. O outro principal motivo está nos impostos colocados sobre a bomba de combustível. Mais de cinquenta por cento do preço final dos combustíveis é composto por impostos. Principalmente, o ICMS, principal arrecadação dos governos estaduais.

Para o gás de cozinha, o cenário não é diferente. Além de forte tributação, boa parte do gás também é importado à um dólar demasiadamente alto.

Então este é o cenário! E o atual governo federal não tem sinalizado com políticas para melhorar tanto a gestão quanto as interferências do próprio governo sobre o setor de óleo e gás para atrair investimentos e tornar este mais eficiente ao consumidor brasileiro.

Adicionalmente, ruídos de ordem política, principalmente, a forma como se está combatendo a pandemia e o custo que isso gera ao país espanta investidores e diminui qualquer crença de que o setor de óleo e gás possa ser um hub para novos investimentos.

Mesmo com a evolução das energias não fósseis, as próprias empresas exploradoras de petróleo têm ampliado seu leque de investimento nesse setor de forma a se transformar em empresas que atuem no ramo de energia como um todo. O que colocaria o Brasil como um grande polo para tais investimentos, principalmente, pela nossa vantagem competitiva em energia eólica e solar.

Mas, enquanto problemas de ordem institucional continuarem a permear o setor de óleo e gás e, pior, não ser apresentada nenhuma solução clara e objetiva de curto, médio e longo prazo, naturalmente, qualquer investidor racional continuará a ter desconfiança, não somente sobre o mercado de óleo e gás como também sobre o país como um todo. E, nesse sentido, continuaremos a pagar caro para um petróleo que nunca foi nosso!

Jefferson Nery do Prado é professor do curso de Ciências Econômicas na Universidade Presbiteriana Mackenzie. Doutor em Economia Aplicada pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), tendo realizado Doutorado-Sanduíche no Departamento de Economia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio).