Não tem obra, entende?

Rodrigo Conceição Santos – 22.04.2019 –

Estive em uma pedreira que tem duas linhas de britagem na semana passada. Ela produz quase todas as classificações de pedra para construção e planeja qualificar mais a oferta, inserindo a areia de brita no catálogo. “Mas isso só quando as coisas melhorarem”, disse o coordenador de produção. E quando devem melhorar, questionei. “Quando tiver obra”, respondeu. Fiquei calado, ergui as sobrancelhas e o olhei. Uns segundos depois ele emendou: “não tem obra, entende?”. Acenei que sim.

Próxima ao trecho Norte do Rodoanel, a pedreira opera com 70% da capacidade em apenas uma das linhas. A outra é posta para funciona às vezes, “para não enferrujar”, como brincou o coordenador. A produção atual atende “o picado”, que é como esse mercado classifica as obras pequenas. “Mas as obras grandes mesmo, que demandam alto volume de brita, são as rodoviárias. Tem tempo que não vemos uma dessas”, desabafou o entrevistado. Questionei sobre a construção do Rodoanel Norte, que, segundo ele, está parada há mais de um ano.

A situação dessa pedreira espelha a construção pesada no Brasil. A indústria de materiais de construção, por exemplo, teve queda em janeiro e fevereiro deste ano em relação ao mesmo período de 2018. Vejam bem: estamos comparando com 2018, ano ruim, de crescimento pífio. Em março houve um aumento, que equilibrou para deixar o trimestre estagnado, segundo a Associação Brasileira da Indústria de Materiais de Construção (Abramat).

Nas obras rodoviárias, importantes para a pedreira comentada, a situação é pior. No ano passado foi investido sete vezes menos do que os R$ 48 bilhões necessários para melhorar a qualidade das rodovias, de acordo com a análise da  Confederação Nacional dos Transportes (CNT). Isso indica que a percepção de qualidade estará ainda pior neste ano, exigindo um volume de investimento maior.

Partindo para outros nichos da infraestrutura, a informação é que há mais de R$ 135 bilhões em obras do PAC paradas. Boa parte de saneamento básico, hospitais e creches e escolas. A movimentação disso, de acordo com a Câmara Brasileira da Construção (CBIC), seria suficiente para gerar 500 mil postos de trabalho e ajudar a reduzir a massa de 13 milhões de desempregados. Os malefícios sociais que esses projetos não acabados trazem para a saúde e educação nem precisam ser comentados.

Os investimentos privados em infraestrutura, que poderiam ser o contraponto, também não movimentam o setor como poderiam. Isso ocorre, em parte, porque os investidores não querem por as mãos em cumbuca quente, já que as incertezas jurídicas e de direcionamento econômico são grandes no país. Em outra parte, convenhamos, acontece porque as obrigações de contrapartida são frouxas. Há centenas de exemplos no País de concessionárias cobrando taxas, como pedágios, antes mesmo de realizar melhorias básicas nos trechos que administram.

Os tempos melhores da pedreira entrevistada estão por vir, como o próprio coordenador acredita. Mas a cada dia parecem mais distantes, simplesmente porque não há no poder público ações efetivas que demonstrem o contrário. Hoje, aliás, o que temos é um pessimismo crescendo, com a clara demonstração nas projeções do PIB, que deve ficar perto de zero de avanço mais uma vez.