Os impactos de uma crise dentro das cidades e dos condomínios

Rafael Lauand (*) – 14.08.2020 – 

Neste ano, fomos pegos de surpresa por um vírus que, apesar de silencioso, causou mudanças na sociedade, nas relações interpessoais e colocou em evidência a importância de alguns profissionais. Desde o final de janeiro de 2020, quando o vírus começou a atingir o país, ele tem causado impactos também no quantidade de inovações e transformações na saúde pública, na economia e no cotidiano.

Ao contrário do que se pensa, as cidades e, por consequência, seus cidadãos, estão vulneráveis a instabilidades do mercado e até às crises, mesmo aquelas impulsionadas por um vírus. A Peste Bubônica, por exemplo, dizimou cidades na Europa durante a Idade Média e na Ásia até o início do século XX. A gripe espanhola de 1918 matou cerca de 50 milhões de pessoas em todo o mundo, inclusive o nosso presidente na época. Mesmo assim, faço um convite para avaliarmos como a sociedade se comporta após estes momentos conturbados.

Como na história, as cidades de todo mundo encontraram maneiras de se ajustar e passaram a prosperar nas inovações, afinal, elas se tornaram um diferencial de valor ainda maior para o meio corporativo. Durante a crise, vimos a tecnologia entrar para os setores mais arcaicos e tradicionais, modificando processos e acelerando a digitalização de serviços. A pandemia reafirmou a necessidade de mudança, da reestruturação da sociedade e do sistema produtivo. Nos condomínios, acontece da mesma forma, já que eles espelham o que é a sociedade do portão para fora.

O primeiro grande obstáculo dentro desses espaços é a superlotação. Com um número muito maior de pessoas dentro de casa (e dos condomínios), devido a adesão do regime home office durante a pandemia, as pessoas passaram a conhecer melhor seus vizinhos (e seus ruídos). Com isso, os condomínios tiveram que se reconfigurar para manter a saúde dos condôminos e a boa convivência entre moradores. Estamos vivendo a maior parte do tempo em nossas casas e notamos que nosso lar não é só mais um lugar para onde voltamos depois de um dia corrido.

O êxodo das pessoas nas grandes cidades também teve um salto. Assistimos famílias inteiras indo para o interior, grandes empresas fechando escritórios e mudando suas principais filiais em operação. Faço um questionamento: se as crises desenvolvem e inovam uma sociedade inteira, seria essa uma exceção? Ou será que já estamos imersos em um processo de mudanças, dessas que ficarão para sempre?

Futuramente, veremos pessoas atraídas de volta às cidades devido a queda do preço das moradias e das consequências econômicas. Durante todo o período histórico é comum observar o êxodo nos centros urbanos conduzido por pandemias, epidemias, crises ou guerras. Mas depois, esses cidadãos retornam porque as metrópoles, por sua vez, reúnem oportunidades pessoais e profissionais muito mais atrativas. A urbanização sempre foi uma força maior do que uma doença infecciosa e apesar de instabilidades, o mercado imobiliário e de condomínios deverá alavancar.

Nas cidades, também notamos a mudança na saúde e na importância dos líderes de Estado. Nos condomínios, os síndicos foram os que receberam o cargo de protagonistas, com uma responsabilidade maior no gerenciamento de condomínio, com o poder de decisão sobre a flexibilização da quarentena, da utilização de espaços comuns, das normas internas de convivência e também, nas regras de prevenção do coronavírus.

As experiências sobre economia foram questionadas, dando espaço à esperança de uma solução mais solidária. Ter menos posses, alugar, emprestar e dividir mais. A própria economia compartilhada teve visibilidade envolvendo a tecnologia nas transições de serviços ou produtos peer to peer, ou seja, diretamente de uma pessoa para outra – que também surgiu em uma crise.

O momento que estamos atravessando é um dos maiores desafios desde a Segunda Guerra Mundial. Embora as crises sejam épocas densas dentro de uma sociedade, o que se pode levar como consequência positiva, sem se esquecer ou romantizar os prejuízos, são de fato as inovações. Assim como em outros momentos em nossa história, essa pandemia deverá marcar uma inflexão de paradigmas, novos padrões e uma aceleração em tendências mais profundas e de longo prazo. O que resta para pensar e acalentar a nossa saúde mental é lembrar que as crises são alertas para se repensar todo planejamento urbano, econômico e social, são oportunidades de otimizar e qualificar cada passo e com esta pandemia não seria diferente.

(*) Rafael Lauand é CEO e co-fundador da LAR.app