Os princípios na Nova Lei de Licitações

Jéssica Madeira – 22.08.2021 –

A nova lei geral de licitações (Lei nº 14.133/2021) surgiu como um compilado de leis, decretos, instruções normativas e até jurisprudência produzidas após a Lei nº 8.666/1993, possuindo regras bastante parecidas com sua antecessora, mas também trazendo para norma geral definições que antes estavam esparsas.

Uma das inovações trazidas pela nova lei é trazer expressamente um vasto rol de princípios, que podemos notar na redação do artigo 5º:

Art. 5º Na aplicação desta Lei, serão observados os princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade, da eficiência, do interesse público, da probidade administrativa, da igualdade, do planejamento, da transparência, da eficácia, da segregação de funções, da motivação, da vinculação ao edital, do julgamento objetivo, da segurança jurídica, da razoabilidade, da competitividade, da proporcionalidade, da celeridade, da economicidade e do desenvolvimento nacional sustentável, assim como as disposições do Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro).

A redação aprovada na lei é exatamente a que consta no Projeto de Lei nº 4.253/2020, em dezembro de 2020. Porém, durante a tramitação ocorreu uma situação interessante. Após a aprovação, o texto ficou mais de dois meses na Comissão Diretora do Senado Federal para verificação do texto, sendo publicado o Parecer nº 10/2021-PLEN/SF, que apresentou “adequações de técnica legislativa” à redação final do Projeto de Lei, que entre outras alterações, alterou o artigo 5º que passou a ter a seguinte redação, dividindo princípio e diretrizes:

Art. 5º Na aplicação desta Lei, serão observadas as disposições do Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro), e:

I – os princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência, interesse público, probidade administrativa, igualdade, motivação, vinculação ao edital, julgamento objetivo, segurança jurídica, razoabilidade, competitividade, proporcionalidade e celeridade;

II – as diretrizes de planejamento, transparência, eficácia, segregação de funções, economicidade e desenvolvimento nacional sustentável.

Essa divisão deixou o texto mais claro, com melhor técnica de redação legislativa e até com melhor definição conceitual, porém, após a aprovação da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, não caberia à Comissão do Senado Federal, alterar o texto, até porque o juridicamente o conceito de diretrizes e princípios são diferentes. Assim, o Parecer nº 10/2021-PLEN/SF foi republicado em 06/03/2021, com a redação anterior, permanecendo com o extenso rol de princípios.

A grande quantidade de princípios expressos é algo bastante significativo para o ordenamento jurídico, pois, diferentemente de regras, diretrizes ou objetivos, os “princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes”1, como define o doutrinador alemão Robert Alexy.

Os princípios administrativos são “postulados fundamentais que inspiram todo o modo de agir da Administração Pública”2, são orientadores dos atos e das decisões tomadas no exercício de cada função.

A Lei nº 14.133/2021 além de reproduzir os princípios constitucionais previstos no artigo 37 da Constituição Federal (legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência), também replicou a redação dos outros princípios previstos no artigo 3º da Lei nº 8.666/1993 (igualdade, probidade administrativa, vinculação ao instrumento convocatório e julgamento objetivo). A esses, acrescentou mais treze princípios: interesse público, planejamento, transparência, eficácia, segregação de funções, motivação, segurança jurídica, razoabilidade, competitividade, proporcionalidade, celeridade, economicidade e desenvolvimento nacional sustentável.

Dessas “novidades” podemos observar que alguns estão implícitos na Lei nº 8.666/1993, como o interesse público e a proporcionalidade, ou na Lei nº 10.520/2002, como a celeridade; ainda outros constam expressamente no sistema normativo de licitações, como descrito abaixo:

Motivação – Decreto-Lei nº 4.657/1942 (LINDB);
Segurança jurídica – Decreto-Lei nº 4.657/1942 (LINDB);
Economicidade – artigo 3º da Lei nº 12.462/2011 (RDC);
Desenvolvimento nacional sustentável – artigo 3º da Lei nº 12.462/2011 (RDC);
Competitividade – artigo 31 da Lei nº 13.303/2016 (Estatais);
Transparência – inspiração da Lei nº 13.303/2016 (Estatais);
Razoabilidade – Instrução Normativa nº 05, de 26/05/2017;
Planejamento – Instrução Normativa nº 05, de 26/05/2017;
Segregação de funções – Instrução Normativa nº 05, de 26/05/2017;
Eficácia – decorre do princípio da eficiência e Instrução Normativa nº 05, de 26/05/2017.

A previsão expressa de tantos princípios pode parecer exagerada, mas talvez a ideia do legislador seja jogar luz sobre o que é relevante dentro das contratações públicas, não deixando mais implícito ou esparso aquilo que não pode deixar de ser observado.

Assim, espera-se que seja útil para os agentes públicos e também para as empresas fornecedoras de produtos e serviços, deixando a sistemática das contratações mais clara e fluida.

*Jéssica Madeira é professora de Processos Licitatórios do curso de Pós-graduação em Gestão Pública da Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (FECAP).