Por Rodrigo Conceição Santos – 08.07.2015
Micropavimento chega a ser três vezes mais econômico, libera o tráfego logo após ser aplicado e ainda serve como uma espécie de ressonância magnética para avaliar as condições estruturais das vias. Mas nem tudo isso foi suficiente para massificar a sua aplicação no Brasil nas últimas três décadas, quando permanecemos aturando milhões de buracos nas pistas.
Choveu, perdeu: calota, pneu, alinhamento, balanceamento, etc. No Brasil, sabemos que basta chover para ficar evidente a má qualidade dos pavimentos. E essa avaliação é tanto das vias urbanas quanto das rodovias, sendo que para esse último setor há pesquisa da Confederação Nacional dos Transportes (CNT) comprovando que quase 45%, de 98 mil km avaliados, está degradado ou apresenta algum tipo de deformação como trincas, buracos, ondulações ou afundamentos. Os dados são de 2014 e a extensão pesquisada equivale a todas as rodovias federais e a boa parte das estaduais.
Diante desse cenário, a busca por tecnologias que otimizem a recuperação de vias deveria ser importante. Leia-se, novamente, “deveria”, pois soluções como o micropavimento – que custa cerca de um terço do valor do concreto betuminoso usinado a quente (CBUQ) e pode resolver boa parte dos problemas – ainda são de uso incipiente, apesar de nos ter sido apresentadas há exatos 30 anos.
José Luiz Giovanetti Pinto é um entusiasta, e um dos poucos conhecedores com aprofundamento do micropavimento no país. Ele participou da primeira aplicação dessa tecnologia em 1985, quando era gerente da americana Chevron, empresa que encabeçou a vinda do micropavimento em conjunto com outros grupos americanos. A primeira aplicação aqui ocorreu na cidade de Mauá (SP), como um experimento bem-sucedido da Chevron. “Depois tiveram outras aplicações urbanas, mas encontramos uma resistência grande dos órgãos municipais e estaduais”, diz o engenheiro, que hoje é coordenador da contribuição de melhorias da prefeitura de Atibaia, no interior de São Paulo.
Por isso, explica o especialista, o micropavimento só ganhou mais algumas aplicações após a chegada das concessionarias de rodovias, onde existe uma melhor análise tecnológica e econômica.
Antes de voltar com a história do micropavimento, suas vantagens e como ele poderia ser um agente importante na recuperação das nossas vias, vale a informação de que Giovanetti foi o condutor técnico dos mais de 300 mil m² de vias recuperadas com essa tecnologia em Atibaia, entre 2011 e 2013. “A cidade tinha uma malha antiga e comprometida e o uso do micropavimento para recuperá-la foi ótimo e completamente aceito pela população”, pontua.
Voltando ao histórico, ele avalia que não temos mais exemplos bem-sucedidos como o de Atibaia por vários motivos, começando pelo modo como a solução foi inserida nacionalmente. “Nos EUA, onde o micropavimento é comprovadamente eficiente e bem aplicado desde os anos 1970, a construção das vias é diferente. Aqui, temos as vias construídas com infraestrutura inferior, de baixa vida útil, e isso ocorre principalmente pela necessidade de fazer mais quilômetros com menos investimento”, diz.
Metade das Rodovias brasileiras tem problemas no pavimento
Na infraestrutura norte-americana, o micropavimento é usado basicamente para corrigir o grip (aderência do pneu com o pavimento) e não para corrigir a capacidade estrutural da via, como ocorre em algumas obras equivocadas de recapeamento viário no Brasil. “Lá nos EUA, a qualidade do grip é outro departamento e há periodicidade para testá-la.”
Geralmente, segundo Giovanetti, são ensaios de desgaste (mancha de areia) ou o pêndulo britânico, que proporcionam a medição de características de aderência e microtextura de superfícies para determinar os efeitos relativos entre vários processos de polimento em materiais ou combinações de materiais. “Se o resultado do ensaio é negativo, o que comprova que a pista está desgastada, obrigatoriamente é preciso fazer uma recomposição do grip e o desenvolvimento do micropavimento ocorreu justamente para atender a essa demanda”, completa.
Outro mercado forte nos EUA é o de recuperação de vias urbanas, assim como ocorreu em Atibaia, na liderança de Giovanetti. Isso porque o cidadão paga um imposto, semelhante ao nosso IPVA, e esse pagamento torna o órgão fiscalizador obrigado a fazer a recomposição do pavimento a cada período pré-determinado, independente da qualidade em que a pista se encontra. Nesse caso, explica o especialista, o micropavimento entrou para dar excelência à manutenção dos pavimentos que já estavam em boas condições, e hoje o setor urbano é o principal consumidor da tecnologia.
Para Giovanetti, esses mesmos tipos de aplicação são viáveis no Brasil, mesmo levando em consideração que as nossas vias têm infraestrutura pior do que as norte-americanas.
Concessionárias saem na frente
Nos casos das concessionárias, a comprovação positiva da tecnologia ocorreu na prática, pois, entre o início das licitações e as operações efetiva nos anos 1990, houve um hiato que deixou as rodovias em condições lastimáveis de manutenção. “Quando as empresas privadas assumiram, usaram o micropavimento – de menor investimento inicial comparado ao CBUQ – para responder aos anseios dos usuários mais rapidamente. O resultado foi positivo e a aplicação era, geralmente, composta por uma camada de micropavimento para dar maior conforto de rodagem e também para reduzir acidentes, eliminando os buracos”, explica.
Com essas primeiras experiências, o especialista avalia que o micropavimento fez uma espécie de ressonância magnética das rodovias, pois onde havia estrutura boa ele respondeu bem e se manteve como acabamento, deixando nítido às concessionárias que elas não precisariam investir na infraestrutura. “Já nos locais onde a infraestrutura era ruim, o micropavimento não respondeu bem e indicou que faltava drenagem ou outras qualidades na base ou sub-base do pavimento”, diz.
Na conta do especialista, 85% dessas aplicações em rodovias concedidas responderam bem na época, e isso explicaria, de certa forma, porque nove, entre dez, das melhores rodovias brasileiras são concedidas. “Quando se faz intervenções de micropavimento na rodovia, é possível obter uma resposta muito verdadeira das condições estruturais em que ela se encontra num prazo relativamente curto, de cerca de seis meses. E a grande vantagem disso é que o investimento em micropavimento é bem mais baixo do que o aplicado no capeamento convencional”, avalia ele.
Artigo: Avanços na infraestrutura de rodovias
Giovanetti explica que o micropavimento é composto de materiais melhor selecionados: a emulsão é desenvolvida com polímeros como o SBR (estireno butadieno randômico) e o SBS (copolímero de estireno e butadieno), que servem para melhorar o desempenho do ligante asfáltico. Esses tipos de polímeros são incorporados à emulsão tradicional e agregam, entre outras qualidades, melhor coesão entre os materiais que compõe a massa asfáltica.
O agregado (brita) melhor selecionado também tem sua importância, pois precisa ter compatibilidade total com esse ligante asfáltico de melhor qualidade, para buscar, na pista, um material que desempenhe coesão inicial e intensa, proporcionando a liberação do tráfego minutos após a aplicação.
Aliás, exalta Giovanetti, todo esse processo é feito a frio (temperatura ambiente), desde que o clima seja tropical, com temperatura acima dos 20° C, como estipula o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte (Dnit). O CBUQ, diferentemente, deve ser aplicado a quente, aquecido a mais de 70° C. “Por isso o micropavimento permite a passagem de veículos logo após a sua aplicação”, explica ele.
Outra vantagem do micropavimento está no fato de ele não mexer com o gabarito da rodovia. Afinal, a massa é aplicada numa camada delgada, de 0,8 a 1,2 centímetros, algo que não interfere no perfil geométrico vertical da via. A camada do CBUQ é de, no mínimo, 30 cm, para concluir a comparação.
O que inibe o avanço?
Giovanetti é categórico ao afirmar que mesmo a superioridade técnica não foi suficiente para promover o avanço do micropavimento no Brasil. E isso tem várias razões: “a principal é que os empreiteiros daqui estão com todo o aparato de equipamentos, tecnologia e pessoal preparado para atuar com CBUQ em maior volume”, diz. Nesse aspecto, ele se refere a aquisições de alto investimento, como usinas de asfalto, caminhões lonados para transporte da massa, rolos compactadores, vibroacabadoras, etc.
No caso do micropavimento, outros equipamentos são necessários e a principal mudança é a usina, que é autopropelida e bastante diferente dos modelos fixos que produzem o cimento asfáltico de petróleo (CAP) convencional.
Na usina de micropavimento, a mistura a frio é feita no próprio local da obra. Geralmente, esse equipamento é montado sobre caminhão 6×4, com chassi reforçado para suportar a carga total de cerca de 27 toneladas líquidas quando o conjunto está em plena carga.
Com a mesa de distribuição alinhada na pista, a usina móvel de micropavimento realiza a mistura da emulsão, água, aditivos e agregados por meio de um misturador helicoidal de duplo eixo. Na maioria dos modelos comercializados no Brasil, por empresas como LDA, Bomag Marini, Romanelli e SR Equipamentos Rodoviários (essas duas últimas oriundas da mesma família), os controles de volume de material são mecânicos, hidráulicos, automatizados e pré-calibrados, deixando ao operador somente o controle da vazão. A mistura é então despejada na mesa distribuidora, que a espalha pela pista de forma semelhante a uma vibroacabadora, com a diferença de a mesa ser rebocável e estática, não realizando vibração, diferente da experiencia dos motoristas brasileiros quando ainda trafegam pela maioria das nossas rodovias.