“Patinho feio” da matriz energética, PCHs querem participar mais da geração

Por Nelson Valêncio – 30 de maio de 2014

Projetos outorgados ou em aprovação pela Aneel poderiam acrescentar 10 GW de capacidade, com geração descentralizada e impacto ambiental inferior ao das termelétricas a combustível fóssil

O mercado de pequenas centrais hidrelétricas está de olho no próximo leilão de energia (A-3), marcado para o próximo dia 6 de junho. A razão é simples: o setor pode começar a virar um pouco um jogo onde tem perdido de goleada (para usarmos uma expressão de tempos de Copa). Responsável por 3,62% da matriz energética atual, o segmento tem 462 centrais em funcionamento. Os dados são do especialista Daniel Carneiro, da consultoria Contour Global. O verbo poder, nesse caso, é bem aplicado.

Imagem da Bahia PCH I, empreendimento da Neoenergia com potência instalada de 25 MW e energia assegurada de 19,6 MW
Imagem da Bahia PCH I, empreendimento da Neoenergia com potência instalada de 25 MW e energia assegurada de 19,6 MW

Ao contrário da energia eólica que viaja em céu de brigadeiro, o mercado de PCHs tem enfrentado vários reveses desde 2008. Nos últimos três leilões de energia não houve a contratação de nenhum megawatt sequer. E as prováveis barreiras continuam. A começar pelo preço teto anunciado de R$ 148 /MWh, valor considerado inviável pelos participantes do , Encontro Nacional de Investidores em Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs), que está sendo realizado em São Paulo entre hoje e ontem. Para vários deles, um teto razoável seria de pelo menos R$ 175 MWh.

Organizado pela Viex Americas, o evento está em sua sexta edição e tornou-se uma referência para quem atua em projetos de energia relacionados às PCHs. É o caso de Ricardo Savóia, diretor da Thymos Energia. O especialista encerrou o primeiro – e paradigmático – debate de ontem. Significativamente, ele usou os mesmos dados da sua palestra de 2011 para as conclusões do cenário de 2014. Para Savoia, a Empresa de Planejamento Energético (EPE), cujos estudos têm balizado os leilões de energia, aloca o investimento em PCHs para 2017 num planejamento de tempo entre 2013 e 2020. Com isso, os projetos continuam em ritmo lento.

Hoje, na Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) estariam parados 629 projetos aguardando o aval da agência. Se aprovados, eles poderiam acrescentar outros 7 GW de capacidade de geração. De acordo com Reive Barros, diretor da Aneel presente no debate, o gargalo precisa ser explicado melhor. Os números se referem aos empreendimentos que teriam projeto básico aprovado, mas estão nas malhas do licenciamento ambiental que, no caso das PCHs, envolve as esferas federal, estadual e municipal.

Evangelização

Barros tem sido um dos defensores do setor, tendo iniciado um processo de evangelização dos governos estaduais para a importância de avançar com a construção de usinas desse porte. Assim como outros especialistas, ele identifica o licenciamento ambiental como forte barreira para os projetos. Hoje, para participar de um leilão de energia, os empreendedores precisam obrigatoriamente da outorga da Aneel. Porém, mesmo com um projeto básico aprovado, a agência só formaliza o processo com o licenciamento ambiental em mãos. E o licenciamento depende de várias instâncias. Uma das soluções seria um guichê único para tornar essa fase menos morosa. E também a possibilidade de participação em leilões com o projeto básico aprovado pela agência.

Se os pontos contra as PCHs são muitos, o benefício desse tipo de usina para a matriz energética e para o Brasil é significativo. Primeiro, vamos aos números: as 462 usinas em funcionamento produziriam nada menos do 4,9 GW de geração elétrica, de acordo com Ricardo Pigatto, presidente da Abragel e participante do evento. Outras 173 estariam prontas para entrar em funcionamento, com outorga aprovada – mas dependendo de condições favoráveis, caso do teto mínimo dos leilões. Só elas somariam aproximadamente 2,3 GW de geração possível. E mais 7 GW poderiam ser acrescidos a partir dos empreendimentos em análise, que já têm projeto básico, mas que esbarram (em cerca de 60% dos casos) em questões de licenciamento ambiental.

Valores como esses fazem diferença, principalmente no cenário atual, em que a geração térmica usando combustíveis fósseis tem sido o mecanismo do governo para contrabalançar o problema de estiagem que afeta os reservatórios das grandes usinas hidrelétricas. Como são descentralizadas, as PCHs podem ficar mais próximas dos pontos de consumo, diferentemente das grandes usinas. E com custos mais interessantes – inclusive o ambiental – do que as térmicas. Ao mesmo tempo, a construção de PCHs mantém forte uma cadeia industrial genuinamente brasileira, ao contrário do setor eólico, onde os equipamentos são quase todos importados. Dados citados pelo presidente da Abragel aprofundam a questão: num projeto de usina eólica, os equipamentos representariam entre 70% e 80% do custo total. Diferentemente, o peso nas PCHs oscilaria entre 40% e 45%. O valor maior estaria na construção civil.

Também relativamente otimista, Ivo Pugnaloni, da AbraPCH, outra associação ligada ao setor, aquece ainda mais a discussão a favor das pequenas usinas. De acordo com ele, o governo brasileiro teria gasto cerca de R$ 37 bilhões para acionar as usinas térmicas nos últimos oito anos, um valor que não passará impune nos futuros aumentos de tarifa de energia. Ele apresentou um levantamento – feito com base nos leilões de energia entre 2005-13 – que mostra que os valores contratados jogam a favor das térmicas movidas a combustíveis fósseis. Essa modalidade levou 38,5% do total contratado, seguida de perto somente pelas usinas hidrelétricas de maior porte (UHE), que teriam ganho 37,4% do volume contratado. A geração eólica responderia por 13,3%, seguida pelas usinas térmicas a biomassa, com 9,9%. O patinho feio das PCHs fecharia a conta com menos de 1%. Não é pra se pensar?