Petrolão e outros escandâlos podem trazer entrantes em PPPs

Por Nelson Valencio 20.07.2015 –

Investidores financeiros e empresas de facilities estão entre os prováveis líderes de projetos de Parceria Público Privada com o cenário atual de infraestrutura.

Rodrigo Reis (foto: Radar PPP).
Rodrigo Reis, sócio da Radar PPP (foto: Radar PPP).

Criada por cinco especialistas em gestão pública e com experiência na iniciativa privada, a Radar PPP tem participado de vários projetos de parceria público-privada no Brasil, inclusive mantendo um banco de dados sobre esse tipo de iniciativa e atuando como consultoria em projetos. Nesta entrevista para o InfraROI, Rodrigo Reis, um dos empreendedores da empresa, explica como tem sido a dinâmica de contratação de projetos de infraestrutura que adotam o modelo de PPP. A experiência do executivo inclui passagens como gerente da área de novos negócios da Construcap e a liderança em projetos importantes, caso da maior PPP na área de saúde do Brasil, cujos investimentos somaram cerca de R$ 780 milhões para construção de três hospitais no Estado de São Paulo.

InfraROI: Como a Radar PPP se define?
Reis: somos uma empresa de inteligência de parceria público privada, criada porque sentimos que não existia uma instituição, seja ela pública ou privada, que cumprisse o papel de registrar as experiências brasileiras em PPP. Do ponto de vista público, as competências são difusas: os Estados, os municípios e a União lançam, de maneira independente, projetos para atender os seus projetos as demandas sociais. e, de alguma maneira, a União tem um só projeto em comum e até então não se falava sobre PPP, etc. A ausência de um órgão público especializado em PPP também nos angustiava. Não existia alguém que acumulasse conhecimento e pudesse aprender com os projetos em andamento e auxiliar na construção de projetos melhores. Outra angústia é a falsa premissa de que a informação pública no Brasil está disponível aos tomadores de decisão. As prefeituras publicam seus projetos em diários municipais, mas o Brasil possui 5.570 municípios e saber que há um projeto de saneamento, por exemplo, em Barcarena (PA), é muito difícil. Mesmo quando se sabe da existência dele, há um gap entre o que a Administração já realizou até aquele momento visando a estruturação do projeto. foi feito para que esse projeto seja estruturado. Em resumo: essa assimetria informacional fez com que as nossas licitações de PPP acontecessem de uma maneira muito pouco concorrencial. Uma busca a respeito do número de licitantes por licitação em PPPs mostra que, em regra, são processos com pouca competição. Tudo isso nos fazer concluir há uma demanda de informações não atendida.

InfraROI: e vocês criaram esse mapeamento?
Reis: sim. Temos um sistema chamado de Radar de Projetos, o qual acompanha 491 projetos de nossa base de dados (julho de 2015), todos eles com histórico, com variáveis estruturadas sobre o empreendimento, valores de investimento, premissas da licitação, as datas principais dos procedimentos e características relevantes do edital, entre outros fatores. Nós mapeamos os acontecimentos relevantes: qual é o agente público responsável pela publicação do Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI) e quais são as empresas que participaram do cadastramento do edital de PMI. Vamos “contando” a vida do projeto, de forma que essa informação fique centralizada em um banco de dados único.

InfraROI: Vocês possuem 49178 projetos, 80 contratos de fato estão assinados. Em que fase estão os outros projetos e por que, às vezes, eles não acontecem?
Reis: O ciclo entre a publicação de um PMI e a efetiva assinatura do contrato é de, em média, 21 meses. Dentro desse universo de 491 projetos, temos vários estágios. Há as “Intenções Públicas”, como nos casos em que o prefeito de determinado município deu uma entrevista oficial ou publicou no diário oficial do município uma manifestação dizendo que tem interesse em receber determinado projeto de PPP. É o estágio mais embrionário dos empreendimentos da nossa base de dados. Todas as nossas informações são subsidiadas por dados públicos oficiais. É importante lembrar que o processo de maturação desses projetos é complexo, porque estamos falando de contratos com vigência de 5 a 35 anos. É natural que o projeto de maturação leve tempo, porque o poder público toma uma decisão de atendimento de uma demanda social de grande porte. Pela própria complexidade do PPP, os empreendimentos envolvem investimentos multidisciplinares, jurídicos, econômicos, fiscais, contábeis e operacionais. Por isso, temos um volume grande de projetos e um número relativamente baixo de contratos assinados quando os comparamos.

InfraROI: Isso acontece em todos fora do Brasil? E há formas de que o processo seja mais rápido?
Reis: A experiência internacional, em alguns casos, é mais exitosa. Os entes públicos brasileiros tomaram uma decisão, no passado, de estruturar projetos através dos PMIs, o que parecia uma decisão mais fácil, pois o PMI envolve um risco que é eminentemente privado. A totalidade dos riscos de elaborações de estudos é do parceiro privado. Nesse modelo, o poder público não precisa de estruturação do ponto de vista institucional, de pessoas, de legislação para que o PMI seja lançado. Por essa razão, é fácil publicar um edital de PMI. O que a realidade mostrou foi que não existe um cenário de um contrato assinado sem que o poder público esteja minimamente preparado, seja do ponto de vista do planejamento ou de recursos institucionalizados e instrumentalizados para que os projetos cheguem, de fato, à fase final. Muitos fracassaram porque faltou planejamento que assegurasse o cumprimento de cada uma das etapas legais que os PPPs precisam ter.

InfraROI: O planejamento pode melhorar esse cenário?
Reis: Não tem outro caminho. O PMI não substitui a capacidade do governo de definir o que é de interesse público. A única forma é o governo estar dotado de capacidades institucionais, tendo recursos humanos dedicados. Um exemplo disso é o estado de Minas Gerais, na gestão de Aécio Neves e de seu sucessor, o Governador Anastasia. O Estado entendeu a complexidade dos PPPs e desenvolveu uma unidade central capacitada para conduzir esse tipo de projeto.

InfraROI: Outro Estado ou município replicou essa experiência?
Reis: Sim. Há várias lideranças públicas no país, como a Bahia, que estão bem avançadas. O Estado de São Paulo tem sua unidade de PPP formalmente instituída dentro da Secretaria de Governo, sob a liderança da Karla Bertocco (Subsecretária). Há lideranças públicas que cuidam desse assunto e entenderam que a lógica passa pelo desenvolvimento de competências do lado do setor público e não usar o PMI como uma forma de instituir a capacidade de bons projetos. Você precisa de gente qualificada, porque o assunto não é simples. São contratos com vigência de 5 a 35 anos, de forma que é necessário prever mudanças ou criar regras contratuais que se adequem às mudanças na demanda pública e que estabeleçam mecanismos de reequilíbrio a longo prazo, inclusive com a incorporação de novas tecnologias. Ou seja, a construção contratual dessas regras não é tarefa para aventureiros. Não há outro caminho a não ser ter pessoas capacitadas no poder público para fazer com que o projeto ocorra de maneira harmônica.

InfraROI: Qual é o formato de equipe ideal para coordenar essas atividades do lado do setor público?
Reis: Da mesma maneira que os conhecimentos são multidisciplinares, você precisa de profissionais que tenham competências nas suas respectivas áreas. Mais do que ser especialista em cada uma das áreas, é necessário entender a conexão entre os conhecimentos multidisciplinares. Exemplificadamente, é dizer que não basta ser um grande jurista, tem que ser um grande jurista que entenda o impacto das normas contratuais no equilíbrio econômico-financeiro do contrato. As equipes devem ter profissionais com capacidade para trafegar entre as áreas de conhecimento.

InfraROI: e vocês, qual é a formação dos profissionais da Radar PPP para acompanhar o cenário de PPPs no Brasil?
Reis: Três dos nossos cinco sócios têm dupla formação (administração e direito ou economia e direito ou administração pública e direito) e mais do que isso, nós nos propomos a nos especializar e nos graduar em áreas fora da formação inicial. A vontade de desenvolver essas competências também é fator determinante no perfil dos profissionais envolvidos com PPPs, tanto no setor público como na iniciativa privada.

InfraROI: Tem engenheiros na equipe?
Reis: Na nossa equipe de sócios. É óbvio que a engenharia é um fator importante nas PPPs, mas enquanto se gasta, hipoteticamente, três anos para se disponibilizar uma infraestrutura em uma PPP, se passa vinte anos gerenciando o que foi construído. Um exemplo é a experiência em PPPs para infraestrutura de hospitais em São Paulo, com investimento estimado de R$ 780 milhões em três unidades. Nesse projeto, o valor máximo de contraprestação, que é um componente principal para remunerar a operação, chega a R$ 220 milhões por ano. Em resumo: quatro anos de contrato envolvem mais investimentos do que os valores de execução. Falar em PPP, principalmente nas infraestruturas sociais, é falar muito mais em eficiência operacional e mecanismos inteligentes de gestão dos gastos públicos do que, necessariamente, ter uma grande competência na construção da infraestrutura.

InfraROI: Essa forma de avaliar o PPP pode trazer mudanças em termos de quem lidera os projetos?
Reis: Sim. No Brasil, vemos que o mercado é liderado eminentemente pelas grandes construtoras, porque são projetos que demandam a utilização de capital intensivo. Por mais que os valores envolvidos na operação dos hospitais citados acima sejam maiores do que o investimento na construção, ainda assim o capital para construí-los é alto. De alguma maneira, há uma distorção no mercado pela liderança das construtoras em áreas que não necessariamente são core business delas. Quando a gente busca a experiência internacional, como a inglesa, o que se vê é que normalmente quem participa das licitações são fundos de investimento, fundos de pensão. Ora, isso é uma sofisticação do mercado financeiro, em que as respectivas competências de engenharia e de gestão são subcontratadas pós-licitação. Eu diria que a necessidade da construção é muito relativizada e essa é uma mudança que nós, da Radar PPP, começamos a perceber no Brasil.

Incapacidade de gestão inibe avanço das PPPs no Brasil

InfraROI: As empresas que entraram em PPPs também se aprimoraram em termos de operação?
Reis: Tem uma curva de aprendizado por parte dessas construtoras. Em alguns casos, podemos dizer que a operação é subótima. Existiam outros players no mercado mais capacitados para realizar a operação e, muitas vezes, esses mesmos atores foram subcontratados pelas construtoras. Isso ocorre porque, de alguma maneira, a tomada de decisão do acionista construtor está focado nos interesses dele e não necessariamente no melhor interesse dessas operações. Então, é possível dizer que os investidores “sangue puro” podem tomar decisões diferentes do que as próprias construtoras que realizaram a construção e que operam os projetos de PPPs.

InfraROI: Quem são esses players especializados em operações?
Reis: Hoje há um mercado de facilities, de empresas especializadas em serviços de limpeza, segurança, gestão em geral, lavanderia, esterilização, uma série de competências muito demandadas no Brasil. Há companhias que faturam até R$ 1 bilhão prestando estes tipos de serviços. Elas não têm competência para construir, mas se o objeto da PPP está muito mais ligado a ter uma boa operação, porque essas empresas não podem subcontratar uma construtora e assumir o projeto? No final do dia, o que importa é o serviço bem prestado ao cidadão, não é mesmo?

InfraROI: Esse cenário pode acontecer no Brasil?
Reis: Ele tem acontecido. Temos projetos inovadores, como a licitação da prefeitura de Itatiba (SP), o qual prevê a integração de serviços públicos, com escopos de Iluminação Pública, controle de semáforos e controle de vagas de estacionamentos rotativos, integração e comunicação dos prédios públicos. É um negócio muito mais ligado à tecnologia do que a construção, de forma que justifica a presença de grandes players da área de tecnologia e telecomunicações envolvidos na disputa. Há projetos com a presença de players de facilities, mas que não necessariamente lideram os processos. É o caso do hospital metropolitano de Belo Horizonte, em que a Vivante que é uma empresa de facilities, é parte acionária da sociedade de propósito específico (SPE) responsável pelo projeto. O Hospital do Subúrbio, na Bahia, tem também a Vivante, atuando com uma empresa chamada Promédica na operação dos serviços médicos propriamente ditos.

InfraROI: E o processo tende a avançar para além da infraestrutura social?
Reis: Quando saímos da infraestrutura social ou com projetos que têm menor envergadura e avançamos para a infraestrutura pesada, ainda há uma incógnita. É consenso entre boa parte dos especialistas que atualmente as construtoras vivem um problema de fluxo de caixa importante no Brasil. O momento político envolve vários desafios e várias incertezas e não sabemos qual será o resultado das investigações em curso. Por isso nossa aposta passa pela sofisticação do mercado financeiro como fator passível de mudar o cenário de investimentos em PPPs. Há vários fundos de investimentos que já olham o Brasil positivamente e que montaram seus escritórios para prospectar oportunidades de investimento em infraestrutura. O mercado vai se reorganizar porque há uma demanda. O mercado financeiro vai ter um papel cada vez mais relevante, tanto no papel de acionista, como na estruturação do crédito para projetos. Adicionalmente, teremos uma mudança no perfil de financiamento dos projetos, antes com recursos fornecidos em grande escala pelo BNDES. Acreditamos que o papel do Banco também abarcará o fomento e o estímulo, tanto para os novos projetos quanto para sofisticação da estrutura financiamento destes. As debêntures de infraestrutura são um bom exemplo desse modelo.

InfraROI: E como funcionaria a estruturação de projetos menores?
Reis: Hoje, o número de projetos municipais ultrapassou o de projetos estaduais na área de PPPs, um indicador extremamente relevante que indica que a maior demanda está concentrada na resolução de problemas como a destinação de resíduos sólidos, saneamento e iluminação pública, para citar alguns exemplos. Na base de dados do Radar de Projetos, dos 491 projetos de PPP e Concessão que comentamos, 221 são municipais, 188 estaduais, 66 da União (número que cresceu em função da 2ª fase do Programa de Investimentos em Logística – PIL 2) e 2 de consórcios públicos. Os projetos municipais pretendem equacionar desafios locais e que não envolvem grandes somas de investimentos se comparados, por exemplo, a projetos de construção uma rodovia. Estamos falando de projetos na casa dos R$ 100 milhões e não no universo de 2 bilhões de investimentos, para fazer uma comparação básica. É claro que há iniciativas, como a da cidade de São Paulo, que tem um projeto de reestruturação da iluminação pública com investimentos na ordem de R$ 2 bilhões. Talvez as capitais, em geral, estejam fora dessa curva e as PPPs demandem o know how de grandes construtoras. Fora isso, PPPs municipais trazem projetos com investimento, em alguns casos, na ordem de R$ 20 milhões ou 30 milhões, o que abre espaço para empresas de serviços e outros tipos de investidores. Nós temos dois cenários conjugados: o de projetos com investimentos menores e de projetos que têm, em função do objeto, uma necessidade menor de investimentos na infraestrutura. Nos dois casos, a palavra de ordem é eficiência. Há muito espaço para se gastar melhor no Brasil, para se implementar medidas de gestão e de eficientização da operação das infraestruturas que vão gerar benefícios e que são muito sinérgicos. Exemplos? As PPPs ligadas à unidades básicas de saúde (UBS, UPAs). Para se fazer uma UPA, o investimento é baixíssimo porque são infraestruturas simples. O principal para que o modelo dê certo é uma gestão e uma integração entre os equipamentos de saúde. Vários municípios já perceberam essa questão e estão se valendo das PPPs para atender a estas demandas.

InfraROI: Mas como se resolve isso se as prefeituras também estão sem dinheiro?
Reis: Estamos falando de projetos onde o gasto público já existe. Quando a gente fala em medidas de eficientização é porque já existe o gasto e são gastos em um nível subótimo. O papel da PPP é torná-lo ótimo. Claro que o Brasil vive um momento fiscal delicado e qualquer um que fale o contrário está ignorando as projeções e os números. Porém, é justamente nesse momento que o perfil empreendedor e que a força e as sinergias geradas pelas PPPs devem ser debatidas e implementadas, pois fazem a diferença na eficiência do gasto, ou seja, passa-se a produzir mais resultados com menos recursos. Se há uma deficiência na área de investimentos públicos diretos, a melhor saída para isso é fazer com que o mercado privado faça o investimento e o faça de maneira mais eficiente para que se reduza o custo da operação pública.