Pré-fabricados: entenda o “jogo de Legos” que agiliza as obras

Por Rodrigo Conceição Santos* – 15 de abril de 2014

Quem nasceu nos anos 1970 e 1980 certamente lembra do Lego, um jogo de peças de montar que permite a criação de estruturas com layouts diversos. Ao mexer com a imaginação e a criatividade das crianças, o brinquedo foi um sucesso que usou nada mais nada menos do que os princípios básicos da engenharia estrutural. Com os pré-fabricados de concreto, a ideia é a mesma, mas em vez de peças de plástico medindo alguns centímetros, são blocos de concreto gigantes que roubam a cena. Assim, no lugar de pequenos dedos infantis, são gruas e guindastes de grande porte quem içam as peças, e nessa brincadeira ainda adicionam-se aditivos de ligação, tecnologias de protensão do concreto, sistemas informatizados de modelagem de construção (BIM), estrutura fabril para produzir as peças e uma série de outras soluções que fomentam uma cadeia de mercado.

E essa cadeia não cabe numa caixinha de Lego. Em 2012, as empresas produtoras de pré-fabricados faturaram, juntas, R$ 12 bilhões, de acordo com a Precon Engenharia, um dos players desse setor. Em 2013, a projeção foi de 10% de crescimento sobre esse montante. Segundo Antônio Roberto Cabral, diretor comercial da empresa, a perspectiva também é positiva para os anos seguintes, dado que o mercado vem crescendo acima de 12% nos últimos cinco anos.

A Cassol é outro player que partilha da expectativa positiva. “O setor de pré-fabricados dá sinais claros de crescimento, demandando sempre novas soluções industrializadas para problemas que antes eram resolvidos com estruturas moldadas no local da obra (in loco)”, diz Aguinaldo Mafra Junior, diretor comercial da Cassol Pré-Fabricados. As construções de prédios de múltiplos andares e as de residências térreas são os exemplos citados por ele.

Para os especialistas, essa tecnologia, que antes tinha foco apenas em ambientes industriais, como galpões e centros de distribuição, agora está nas construções habitacionais, estádios de futebol, edifícios comerciais e residenciais, edifícios escolares, pontes e viadutos e outros segmentos. “A Arena Corinthians, que deve sediar a abertura da Copa do Mundo no ano que vem, é um exemplo de grande obra que adotou o pré-fabricado de concreto”, diz Íria Doniak, presidente da Associação Brasileira da Construção Industrializada de Concreto.

Ela detalha que o sistema ganhou mais importância nessa obra em função do prazo apertado de execução, fato pelo qual os engenheiros e projetistas encarregados tiveram de elaborar um projeto complexo de fundações que demandou, em grande parte, o uso de estacas pré-moldadas de concreto. “Elas eram do tipo circulares e centrifugadas e mediam entre 50 e 70 cm de diâmetro. Além disso, foi necessária também a utilização de estacas-raiz em vários estágios da construção, especialmente nas áreas que sofrem maior esforço de tração”, diz.

Segundo a presidente da Abcic, as peças pré-fabricadas foram construídas parte no próprio terreno da Arena Corinthians e parte em uma fábrica em Santana de Parnaíba, na Grande São Paulo. “As peças pesadas, como pilares, vigas e vigas-jacaré, foram fabricadas no canteiro e as arquibancadas e lajes alveolares, por serem mais leves, acabaram sendo produzidas fora”, explica ela, detalhando que ao todo a obra usou 3.100 estacas e estacas-raiz, 594 pilares, 3.274 vigas e 11.682 lajes pré-moldadas.

A Precon e a Cassol também citam as obras de estádios como utilizadoras do pré-fabricado de concreto. Em Minas Gerais, por exemplo, a Precon forneceu material para a reforma da Arena Mineirão e para o Estádio Independência. Já a Cassol participou das obras do Estádio do Beira Rio e Arena do Grêmio, no Rio Grande do Sul. Ela também forneceu pré-fabricados na ampliação do estádio do Avaí, em Santa Catarina. “Atualmente, o nicho onde a demanda por pré-fabricados mais cresce é justamente o de infraestrutura, devido aos incentivos do governo e à agilidade que a tecnologia acrescenta às obras”, diz Mafra Júnior.

Avanço tecnológico

Obras do estádio Independência (MG)
Obras do estádio Independência (MG)

Os casos citados pelos especialistas visam confirmar a maleabilidade da tecnologia, o que, em tese, desmistificaria a sua adoção somente em construção “quadradas”, como os galpões industriais.

Segundo a presidente executiva da Abcic, o pré-fabricado já é solução construtiva no Brasil há mais de 50 anos, mas ganhou notoriedade nos últimos 10, graças à adoção de tecnologias avançadas, como o uso de concreto auto adensável.

Essa mistura, além de agregar desempenho às estruturas, tem impacto favorável no ambiente de trabalho, pois diminui ruídos, já que elimina etapas na vibração do concreto. “Também aumentou o número de indústrias que já trabalham com apresentações de projetos 3D, preparando a adequação do setor ao Building Information Modelling (BIM)”, diz. “Há pesquisas em realização junto com a academia onde já é possível observar a evolução no que diz respeito à eficiência e construtibilidade das ligações dos elementos pré-moldados, assim como uma maior oferta no mercado de sistemas de içamento e ligações produzidas em empresas especializadas”, completa.

Quando o assunto é tecnologia, a Cassol relata o desenvolvimento de peças com geometrias especiais. Um caso citado por Aguinaldo Mafra Júnior está no Rio de Janeiro, onde a Cassol executou uma viga bi-partida para compor parte da estrutura de um viaduto. Nesse caso, devido à dificuldade de transporte e montagem da peça inteira, a viga foi feita em três partes e a junção delas realizada por meio de uma solidarização in loco. “Sempre estudamos o conceito do projeto e nos adaptamos para atender da melhor forma as demandas. Por exemplo, na ampliação do aeroporto de Brasília, executamos um pilar multifacetado que foi concretado na unidade fabril e transportado para a obra”, diz o especialista, que ainda conta casos de painéis de fechamento com agregado exposto e colorido, além de arquibancadas de estádios e o uso do próprio concreto auto adensável em obras industriais.

Antônio Cabral, da Precon, confirma que as tecnologias de concreto evoluíram na última década, mas o crescimento do setor de pré-fabricados também teve apoio no desenvolvimento das gruas e guindastes, que passaram a ser disponibilizados com capacidades cada vez maiores, possibilitando a execução de peças pré-fabricadas maiores e mais arrojadas para as obras.

Invasão Habitacional

Se por um lado o preceito de produção em série favoreceu o pré-fabricado de concreto nas grandes obras, por outro foi um dificultador para a inserção da tecnologia no mercado imobiliário durante algum tempo. Afinal, não é simples equacionar o custo de uma produção em série para as demandas pulverizadas e customizadas das construções habitacionais.

Com o advento do programa “Minha Cada, Minha Vida”, do governo federal, no entanto, esse quadro foi revertido e a produção em série se tornou viável para agilizar os cronogramas de obra.

Assim, os fabricantes trataram de criar tecnologias para atender o mercado, que também ganhou demandas da iniciativa privada. “Há casos de habitação de interesse social onde o pré-fabricado proporcionou a redução do prazo de execução em 50%”, diz Íria Doniak. “Um deles foi na Região Metropolitana de Belo Horizonte, onde o tempo de montagem de um prédio de quatro andares foi de 23 dias e de um de oito andares foi de 46 dias”, diz.

Na Cassol, há um sistema totalmente voltado para habitação, onde consegue-se um projeto com edifício padrão de cinco andares, sendo quatro apartamentos por andar, e um núcleo central composto por escada e caixa d’água em menos de 10 dias. Para essa mesma estrutura, a construção convencional levaria 60 dias. “Outra vantagem é que a obra exige pouco serviço nas fachadas, pois as peças chegam ao canteiro com acabamento pronto para receber a pintura. Essa pintura pode, inclusive, ser feita antes da montagem das peças, ficando apenas alguns retoques para a pós-montagem”, diz.

Antônio Cabral, da Precon, também partilha do avanço dos pré-fabricados em obras habitacionais, mas pondera que apenas 10% dos pré-fabricadores estão atuando em obras do “Minha Cada, Minha Vida”. “A Precon é uma dessas empresas e trabalha com um projeto desenvolvido especificamente para prédios residenciais desse programa governamental”, diz. “Inclusive, fomos a primeira empresa brasileira a ter o Selo Azul de construção sustentável da Caixa Econômica Federal para esse tipo de sistema construtivo”, completa.

No setor habitacional, Íria Doniak destaca que a demanda por mão de obra pode ser reduzida em até 80% no canteiro de obras quando se adota o pré-fabricado de concreto. “Além disso, essa tecnologia ganha espaço – não só na construção habitacional, mas nos outros nichos também – por produzir com eficiência, num tripé que une questões econômicas, ambientais e sociais, ou seja, sustentável”, diz.

Segundo ela, a construção civil é, naturalmente, grande geradora de resíduos sólidos, fator comprovado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) que aponta que a média mundial de resíduos de construção por habitante/ano é de 450 kg. “No Brasil a média é maior, de 550 kg por habitante ao ano e, nesse sentido, substituir processos artesanais por componentes produzidos na indústria, como o pré-fabricado, é imperativo para o meio ambiente”, diz ela.

Entraves

Apesar do avanço na última década, como mostra a reportagem, o setor de pré-fabricados de concreto ainda tem entraves para resolver. Um deles é cultural, pois o sistema tem o custo comparado com a construção convencional. Nesse aspecto, Íria Doniak lembra que é preciso seccionar o que é mais barato do que é mais econômico, já que a economia está relacionada também ao retorno sobre o investimento, que se dará quanto antes o empreendimento for concluído.

O principal entrave desse setor, no entanto, é a tributação, que passa por uma adequação de conceito na visão dos agentes desse mercado. Íria Doniak explica que o sistema de tributação das empresas que atuam na produção de estruturas em ambiente industrial (pré-fabricados) tem uma incidência de ICMS (Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual, Intermunicipal e de Comunicação). Esse encargo não é cobrado nas estruturas produzidas in loco. “Entendemos que desonerar os sistemas construtivos industrializadas nunca foi uma necessidade num país que tinha excedente de mão de obra, como era o Brasil há alguns anos. Mas hoje, além do déficit de mão de obra, temos de vencer os desafios da falta de infraestrutura, construindo rodovias, ferrovias, portos, etc., bem como atender prontamente os programas habitacionais”, diz. “Nesse sentido, acreditamos que a industrialização da construção é fundamental e lembro que a isonomia que queremos já é praxe na Europa e Estados Unidos, onde a industrialização é aliada importante no desenvolvimento da construção civil”, conclui a executiva.

 

Os principais tipos de peças pré-fabricadas

Vigas e Pilares – Produzidas fora do canteiro de obras, essas estruturas levam qualidade e homogeneidade fabril para atender diversos tipos de construções.

Estacas centrifugadas – Recomendadas para uso em fundações que utilizam muita carga e com ambientes agressivos, como obras de portos. Durante a fabricação, as estacas produzidas pela passam por um processo que garante a resistência, homogeneidade e impermeabilidade do concreto. Disponíveis nas seções de 33, 42, 50 e 60 centímetros, permitem a cravação em grandes profundidades, com emendas soldadas de grande precisão.

Lajes Alveolares protendidas – Duráveis, versáteis e resistentes, as lajes permitem utilização em qualquer tipo de estrutura, tais como metálicas ou concreto moldado in loco. São produzidas por equipamentos de alta compactação, o que confere ao concreto elevada resistência e perfeita aderência aos cabos. Há produções de lajes com até 50 cm de altura para vãos de até 20 metros. Essa solução pré-fabricada transfere boa parte das atividades executadas nos canteiros para a indústria, diminuindo a necessidade de pessoas e materiais na obra.

Pré-lajes – placas pré-fabricadas que normalmente são utilizadas nos viadutos, facilitando o recebimento do concreto para a execução do tabuleiro sem que seja necessário escoramento na estrutura.

Barreiras New Jersey – Peças pré-fabricadas que dão a finalização dos viadutos nas suas laterais.

Vigas protendidas – Garantem a execução de grandes vãos com cargas elevadas e são peças para atender as estruturas de passarelas e viadutos.

Passarelas – Há o fornecimento de peças pré-fabricadas compostas por pilares, vigas e lajes para passarelas de pedestres em avenidas e rodovias. Esses sistemas são aprovados pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT).

Fonte: Cassol

 

Mercados mais demandantes da tecnologia

-Industrial (indústrias, centros de distribuição e logística: 40%

– Comercial (shoppings center e supermercados): 40%

– Infraestrutura: 15%

– Habitacional: 5%

Fonte: Precon

 

(*) Produzida para a Revista Construção Total