Preocupação climática é diferencial tecnológico e indústria cimenteira parece ter entendido o recado, diz o físico e professor Goldemberg

Por Rodrigo Conceição Santos – 22.06.2016 –

O setor industrial, onde as produtoras de cimento figuram com 29%, passará a ter mais importância nas metas de redução de gases poluentes, assim como a agricultura e a cadeia de energia/transportes.

Localizada em Votorantim, interior de SP, unidade pode produzir até 2 milhões de t/ano
Localizada em Votorantim, interior de SP, unidade pode produzir até 2 milhões de t/ano

Em ao menos um ranking ruim não figuramos com destaque: emitimos pouco menos de 4% dos gases de efeito estufa do mundo e estamos muito longe dos líderes China e Estados Unidos, com 22% e 12%, respectivamente. Para o clima do planeta, a nossa atuação é um bom sinal, obviamente. Para a economia, há dúvidas, já que os maiores emissores são os que naturalmente produzem mais. À margem disso, o Brasil ganhou protagonismo na questão climática na última reunião do COP 21 (a cúpula do clima de Paris), que aprovou o primeiro acordo de extensão global para frear as emissões mundiais, adotando uma agenda com boa parte das principais defesas da então Ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira. Ocorre que, se mundialmente ficamos alinhados, internamente temos a lição de casa, já que o desmatamento da Amazônia, nosso principal vilão, está deixando de ser a principal preocupação, passando o bastão para setor de transportes e para as indústrias, onde ferro e aço têm maior peso, mas a produção de cimento vem logo na sequência no mapa da poluição.

O professor emérito da Universidade de São Paulo e membro da Academia Brasileira de Ciências, José Goldemberg, lembra que, historicamente, o desmatamento da Amazônia é o vilão brasileiro quando se trata das emissões de gases de efeito estufa. Afinal, era como se estivéssemos cortando pedaços do pulmão mundial. Em alguns de seus gráficos, apresentados durante o 7º Congresso Brasileiro de Cimento – em realização em São Paulo nesta semana – o desmatamento chegava a representar mais de 80%, principalmente nos oito primeiros anos do Plano Real, quando houve a ideia de incentivo expansionista.

“De 2003 em diante, como resultado de medidas tomadas pelo governo e por setores agropecuários – que perceberam o contrassenso que era ampliar o desmatamento para criar gado (já que cada gado tem em média 1 hectare de terra no Brasil) – o desmatamento vem caindo e a meta é que chegue a zero em 2030”, diz ele. “Com isso, setores que tinham menor importância no quadro geral de emissão de poluentes, como o energético, o agropecuário e o industrial (nessa ordem), passam a ser ponto focal”, contextualiza ele.

Professor Jose Goldemberg
Professor Jose Goldemberg

Em 2014, a mudança para uso de terra (leia desmatamento para criar gado ou plantar soja), teve praticamente o mesmo índice de emissão (na faixa das 430 milhões de toneladas) do setor energético/transportes, de acordo com o Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estuda (SEEG). Em 2015 ele já deve ter assumido a liderança, segundo Goldemberg, apontando a tendência esperada daqui em diante.

O professor afunila as avaliações para o universo industrial, que está depois do setor de transportes e do agropecuário no mapa da poluição. Nele, a maior parte (42%) das emissões, veem da produção de ferro e aço e a segunda maior parte da indústria cimenteira, representando 29% das emissões. “Mas a indústria cimenteira tem evoluído bastante nesse sentido”, pondera ele.
Para explicar a ponderação, o professor diz que de 1990 em diante a indústria local passou de 40 milhões de toneladas produzidas anualmente para chegar ao pico de 73 milhões/t/a em 2013. No ano passado foram 60 milhões/t/ano. “Mas as emissões de carbono caíram nesse período, mostrando que o setor evoluiu com a adoção de combustíveis alternativos aos fosseis, eficiência energética, uso de aditivos e novas tecnologias, como a captura de carbono, que ainda é incipiente, mas pode avançar”, diz ele.

Pelos cálculos de Goldemberg, atualmente, cada tonelada de cimento produzida gera 600 kg de gás carbônico, o que coloca a indústria nacional como uma das mais eficientes do mundo. “Tenho aprendido que, na indústria, reduzir a emissão de CO2 é a maneira de evoluir tecnologicamente nos tempos atuais”, diz o professor. “Por isso, se estivermos reduzindo, estamos indo para a vanguarda, algo que a indústria do cimento parece ter percebido já há algum tempo, mas que a indústria de transporte, principalmente do setor automobilístico, não captou ainda”, conclui.