Procuram-se R$ 200 bilhões para infraestrutura

Por Andriei José Beber e Diogo Mac Cord de Faria * – 14.09.2017 –

Dois professores universitários mostram a relação entre investimento em infraestrutura e crescimento do PIB e como o Brasil pode aprender com quem está fazendo isso de forma correta.

Prof. Andriei José Beber

Ao defender o uso da experiência e do método indutivo como critérios para aceitação de qualquer conhecimento, Francis Bacon, pai da ciência moderna, exerceu grande influência nos paradigmas científicos que marcaram a sociedade industrial. Segundo o FMI, investir 1% do PIB a mais em infraestrutura conduz, em média, a um crescimento de 1,5% do PIB em quatro anos. Em países onde a infraestrutura é melhor planejada, o retorno é ainda maior, podendo chegar a 2,6% nesse mesmo período. Uma infraestrutura eficiente é a espinha dorsal de qualquer sociedade e se constitui em um importante indicador da saúde socioeconômica nacional – e o Brasil, como uma das principais economias emergentes, precisa adotar medidas que ampliem sua competitividade mundial.

Em 2013, a consultoria McKinsey estimou que o Brasil, para chegar a um estoque de ativos de infraestrutura equivalente a 70% de seu PIB – média de outros países mais desenvolvidos, como Itália e Alemanha, sem contar o Japão, com incríveis 179% – precisaria investir, nos 20 anos seguintes, 5,5% de seu PIB. Desde então, porém, essa taxa tem ficado em torno de 2,2%, insuficiente até mesmo para cobrir a depreciação dos ativos existentes. Investidores privados conseguem realizar estes projetos de forma mais rápida e eficiente e, para atraí-los, o Estado deve viabilizar um ambiente de negócios cuja remuneração do capital seja compatível com os riscos envolvidos. O país jamais será produtivo e competitivo globalmente se não levar a sério estes investimentos adicionais de R$ 200 bilhões por ano (passando dos atuais R$ 130 para R$ 330 bilhões).

Mas, como financiar estes investimentos? A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) estima que, dos US$106 trilhões disponíveis globalmente sob a forma de fundos soberanos e de pensão, apenas 1,6% estão direcionados para investimentos em infraestrutura. Pesquisa realizada pelo Global Infrastructure Center aponta que 69% dos gestores desses fundos desejam aumentar suas posições nesse segmento, com especial interesse nos mercados emergentes. Nessa direção, o caminho crítico para “capturar” esses recursos passa, obrigatoriamente, pela escolha de projetos que fazem mais sentido – ou seja, que produzam maior impacto econômico ao país e que sejam conduzidos por investidores que saibam o que estão fazendo -. Por último, é imperativo criar os mecanismos necessários para financiar estes projetos sem onerar demasiadamente o BNDES, cujo dinheiro fácil e barato do passado acabou fazendo com que péssimos projetos parecessem viáveis.

Prof. Diogo Mac Cord de Faria

A discussão em torno do papel do BNDES no financiamento da infraestrutura é, naturalmente, acalorada: os defensores da política de empréstimos subsidiados dizem que, sem o banco, não há dinheiro suficiente na praça para financiar os projetos de infraestrutura – caros, arriscados e ilíquidos (em função de seu horizonte de longo prazo). Mesmo que fosse verdade, não há razão para os recursos serem subsidiados pelo BNDES. Há, de fato, um vício de origem. Ao calcular o preço-teto de um edital de concessão de infraestrutura com base em uma taxa “patriótica” do banco, produz-se uma distorção – fazendo com que o custo real do serviço não seja pago pelo usuário, mas sim injustamente rateado por todos os pagadores de impostos.

Outrossim, não é verdadeira a afirmação de que não há dinheiro para ocupar o espaço do banco nestes financiamentos. De fato, o que existia era uma concorrência predatória por parte do BNDES, que oferecia taxas de juro muito abaixo do custo de oportunidade, associadas a projetos de receita imprevisível, evidenciando uma alocação incorreta de riscos. Uma das consequências de projetos muito arriscados e com baixo retorno é a necessidade de alta alavancagem. A dívida funciona como uma put-option: se o valor do negócio ficar abaixo do valor da dívida, o investidor (equity holder) abandona o projeto sem pagar o que deve. Atualmente, nossos projetos são muito alavancados: em torno de 80%.

Nesse contexto, há diversas opções para resolver o problema. A mais importante: aceitar o princípio basilar de finanças, a relação risco versus retorno, ou seja, os projetos devem garantir uma distribuição de riscos capaz de oferecer uma remuneração justa para ente privado e tarifas adequadas para os usuários. Segundo, para compensar a ausência do BNDES, é fundamental compreender que os bancos comerciais jamais ocuparão integralmente esse espaço, por uma simples questão de liquidez: empréstimos a projetos de infraestrutura levam décadas para serem pagos, um horizonte que não casa com a liquidez diária exigida pelos depósitos dos correntistas dos bancos! . Esse nicho pode ser ocupado por fundos especializados em empréstimos de longo prazo, aliados à emissão de debêntures.

Contudo, é importante que se crie um mercado que ofereça liquidez a estes papéis – assim como ocorre com os títulos do tesouro. Com uma marcação a mercado, isto é, fazendo com que seu valor oscile dependendo do custo de oportunidade atual comparado com o valor de face do papel, cria-se uma ferramenta líquida para compra e venda destas debêntures, atraindo o investidor “comum”. Outro ponto importante é compreender que projetos de infraestrutura são, na prática, “dois dentro de um”. O primeiro, engloba a fase de construção – mais arriscada por conta de atrasos e custos não previstos. O segundo corresponde a fase de operação e manutenção, considerada mais simples. Investidores avessos ao risco são geralmente aqueles com horizonte de longo pr! azo (fundos de pensão ou soberanos), que podem se interessar pela segunda fase do projeto, mas não pela primeira.

Assim, entender o perfil diferenciado do acionista é indispensável. Além disso, desenvolver um modelo de governança que permita a troca de controle no estágio operacional do projeto pode ajudar a viabilizar novos negócios. Para a parcela do equity (capital próprio), pode-se criar um produto específico para a emissão de ações (IPO) em estágio pré-operacional. Imprescindível reforçar a importância de que os projetos tenham risco isolado (um modelo de Project Finance), sejam de qualidade (ou bankables), incluindo ainda seguros de completion que garantam a conclusão da obra. Muito embora, estejamos ainda longe de chegar ao nível japonês, é possível sonhar em ser uma Espanha em 20 anos. Mas precisamos começar agora. Francis Bacon assevera: “O homem deve criar as oportunidades e não somente encontrá-las”.

* Andriei José Beber é Doutor em Engenharia e Professor do MBA da FGV

* Diogo Mac Cord de Faria é Mestre em Administração Pública por Harvard e Doutor em Regulação da Energia pela USP