Quando o Brasil vai deixar a turma do fundão?

Por Nelson Valêncio – 3 de junho de 2014

Estudo do McKinsey Global Institute (MGI) mostra exemplos que já estão sendo usados, que não reinventam a roda e que podem evitar problemas como o que estamos vivendo na Copa

Foto: Siemens
Foto: Siemens

“Se as várias explicações de um fenômeno forem idênticas em tudo, a mais simples é a melhor”. Essa seria uma frase atribuída ao frade franciscano inglês Guilherme de Ockham e que seria, grosso modo, a base da teoria da Navalha de Ockham. A opção pelo caminho mais lógico pode ser a mais eficaz também em infraestrutura. Foi o caso da concessionária que administra a Ponte Rio-Niterói. Em 2009, ao otimizar os espaços vagos da via e adicionar mais uma pista, ela aumentou em 15% a capacidade de tráfego, sem construir nada. Esse é um dos exemplos do estudo Brazil’s path to inclusive growth, publicado em maio último pelo McKinsey Global Institute (MGI). De autoria dos especialistas Heinz-Peter Elstrodt, James Manyika, Jaana Remes, Patricia Ellen e Cesar Martins, o documento usa a navalha de Ockham com propriedade.

O material começa relembrando – infelizmente – o fato de que, em termos de qualidade de infraestrutura, o Brasil está na turma do fundão, classificado em 114 lugar no ranking do Fundo Econômico Mundial. Pela classificação, estamos abaixo do Camboja, Etiópia e Uganda. A sinalização dada pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) é um bom indicador, segundo o MGI, mas o momento pede foco para que sejam alcançados resultados mais rápidos e com melhor execução. Um dos principais problemas na área de infraestrutura é o planejamento ou, aliás, a falta de, como ficou comprovado pela corrida contra o relógio da Copa. A ausência de um norte é tão clara que nem se fala mais em começar os projetos de mobilidade urbana e sim em acabar os estádios a tempo.

A análise do MGI é cirúrgica ao dizer que os maiores projetos de infraestrutura no Brasil carecem de uma ligação com a rede de logística existente ou enfrenta sérios gargalos. Santos, maior porto do país em carga, não têm ramais dedicados de ferrovias. Parte da carga que entra ou sai por ele passa pelas mesmas vias usadas para transporte de passageiros, destaca o documento. Algumas das plantas de geração eólica já construídas no Nordeste, ainda segundo a consultoria, não fazem parte da geração integrada de energia porque o governo federal está atrasado na construção de linhas de transmissão.

Apesar dos erros, o país pode se beneficiar de experiências internacionais. Uma delas se refere ao mapeamento dos gargalos. O gerenciamento mais atento e o maior controle do orçamento estão entre elas. O MGI baseia sua análise nos dados de aproximadamente 40 estudos prévios sobre entre 1994 e 2012, os quais mostram que é possível reduzir em cerca de 30% os custos dos projetos de infraestrutura. A redução começa mesmo antes de qualquer movimentação de terra, incluindo a aceleração dos processos de aprovação, além das várias simulações de diversos projetos ao mesmo tempo. São etapas que ajudam na escolha de materiais e a planejar melhor cada etapa. Os recursos do chamado big data são um dos exemplos mais recentes: histórico de dados que podem construir modelos otimizados dos empreendimentos em análise.

No caso do Brasil, o MGI lembra que uma das barreiras mais difíceis é a burocracia para licenciamento ambiental, fase que pode se prolongar por várias instâncias. No caso das pequenas centrais hidrelétricas, por exemplo, há a necessidade de aprovação de órgãos municipais, estaduais e federais e regulações que podem mudar ao longo do tempo. Outro problema é o financiamento. Dados da McKinsey indicam que 75% dos investimentos totais em infraestrutura nos últimos quatro anos foi bancado por financiamento público. De 2005 a 2011, os desembolsos do BNDES teriam crescido a uma média de 20% ao ano. Já o incremento das receitas que alimentam os fundos de financiamento não acontecem na mesma medida e o exemplo dados pelo MGI é o do PIS/Pasep, que teria apresentado uma média de crescimento de 15% ao ano, portanto abaixo do nível dos investimentos do BNDES. A solução, de acordo com a consultoria, reside em investimentos privados.

Aqui, a cobra volta a morder o rabo: os investidores privados precisam de uma legislação estável em áreas como as de meio-ambiente e garantias de respeito aos contratos, além de uma clareza em termos de tributação. Sem isso, os projetos acabam tendo um custo maior. As incertezas levaram, por exemplo, a um aumento de 5% nos projetos de infraestrutura na área de água em 2003, segundo o Banco Mundial. Somente esse fator de risco pode aumentar em 20% a tarifa ao consumidor final. A saída para o imbróglio seria uma avaliação dos projetos também do ponto de vista do investidor.

É o caso do Chile, que possui um Plano Master de Infraestrutura e criou um planejamento de longo prazo desvinculado da agenda política. Com ele, há um plano que considera cada projeto de acordo com o que já existe em termos de infraestrutura e como poderia haver a integração das pontas. As análises e métricas são padronizadas permitindo a integração de informações, o que facilita a priorização dos investimentos. Se uma iniciativa como essa fosse tomada, não teríamos quadros como os citados acima, nos quais a iniciativa privada entregou vários parques de geração eólica no prazo, mas o governo nem tinha iniciado as linhas de transmissão. A lista de erros pode ser ampliada ao infinito. A questão, no entanto, é saber se o Brasil consegue ter uma agenda de infraestrutura independente da política, algo difícil principalmente na disputa acirrada que se avizinha em termos de eleição presidencial.