Sem diálogo, projetos de infraestrutura para Olimpíadas podem falhar

Por Nelson Valêncio – 01.07.2015 – 

Enquanto Barcelona, no passado, e a Londres atual usam o engajamento a seu favor, a falta de transparência congela a participação de potenciais candidatos aos megaeventos na Europa.

Obras na Praça Mauá, Rio de Janeiro (foto: Nelson Valêncio).
Obras na Praça Mauá, Rio de Janeiro (foto: Nelson Valêncio).

Isabel Dedring, deputy mayor para transporte, uma espécie de subprefeita da área, e Wolfgang Maennig, ex-campeão olímpico alemão e atual professor da Universidade de Hamburgo, compartilham algo mais do que a origem europeia. Os dois foram personagens da consultoria McKinsey em junho. Ambos defendem o diálogo como aliado das obras de infraestrutura, sejam projetos de cidades sede das Olimpíadas, caso do nosso Rio de Janeiro em 2016, ou de ciclovias, como o trecho inaugurado em São Paulo nesta semana.

Maennig, em sua entrevista ao editor Rik Kirkland, da McKinsey Publishing, deixa claro que o processo de usar as Olimpíadas – e outros grandes eventos do gênero para alavancar obras de infraestrutura – está encerrado. Catedrático de economia, o alemão explica que essa tendência foi inaugurada com Barcelona, mas encontra forte resistência da população em várias cidades que eram potenciais sede de encontros esportivos de grande parte. A capital catalã aproveitou o megaevento para uma renovação, usando financiamento espanhol e da comunidade europeia, mas o mecanismo que era virtuoso ficou viciado.

“Os processo de disputa pela sede dos jogos olímpicos atualmente funcionam como um leilão, então cada cidade quer ter o maior aeroporto, o maior estádio, etc.”, argumenta Maennig. É claro que não poderia dar certo. Para o ex-atleta, o sistema de escolha tem que ser transparente e envolver engajamento. O exemplo negativo mais recente é a Olimpíada de Inverno de 2022, cuja sede está sendo disputada pela China e Cazaquistão. A lista de candidatos foi sendo reduzida aos poucos: Polônia, Suécia, Áustria, Alemanha e Suíça pularam fora em função da falta de apoio popular. A última a sair do barco foi a Noruega.

Engajamento, aliás, não falta aos projetos londrinos. Pelo menos na opinião de Isabel Dedring, citada acima. Para ela, o processo de envolver os chamados stakeholders e a população é tão complexo para o desenvolvimento de projetos de infraestrutura como o planejamento financeiro e a escolha de técnicas construtivas. A pressão popular, via redes sociais, foi o fator que fez o governo britânico descartar um plano de precificação nacional de pedágios em 2008 e 2009, na avaliação da política inglesa.

Por outro lado, o investimento de 1 bilhão de libras em infraestrutura de ciclovias na gestão atual de Londres mostra o alinhamento entre a administração da cidade e seus habitantes. Na última década, o número de ciclistas dobrou, mas também houve um envolvimento dos cidadãos nas decisões de obras. De 2023 em diante, os investimentos anuais serão de 923 milhões de libras.

Na área de rodovias, um plano de ações para os próximos 20 anos envolve o aporte de 30 bilhões de libras. As bases do projeto inclui a participação ativa de grupos de motoristas e caminhoneiros até ciclistas e empresários.

Mesmo o atual “maior projeto de construção europeu”, o Crossrail, orçado em 15 bilhões de libras e que vai acrescentar 100 km à malha metroferroviária de Londres, não foge à nova regra. Além de remodelação de 40 estações, dez novas serão construídas. A iniciativa vai interligar a região sudeste da cidade e tem capacidade para transportar passageiros dessa área até o centro da capital inglesa em 45 minutos. Com o Crossrail, Londres ganha uma capacidade extra de movimentação que chega a 1,5 milhão de pessoas.

O projeto de engajar os habitantes da cidade deu tão certo que a prefeitura vai apostar na mesma estratégia para alavancar o Crossrail 2. Orçado em 12 bilhões de libras, a segunda etapa conectará as regiões sudeste e nordeste, passando pelo centro de Londres. “Nós temos um pipeline ambicioso de 20 projetos de transporte. Ao posicionar o engajamento no coração da política de transporte, acreditamos que iremos entregar empreendimentos melhores, orçamentos mais enxutos e benefícios mais claros”, resume Isabel.