Tecnologia que torna água de reúso potável já é realidade

Solução da General Eletric está parcialmente implantada em Campinas, onde a companhia de saneamento básico que atende a cidade (Sanasa) tem planos de avançar com o processo

Por Rodrigo Conceição Santos 10.03.2015

Foto aerea 2Inovadora no tratamento de água e esgoto (foi a primeira do Brasil a adicionar flúor no tratamento hídrico), a concessionária municipal Sanasa colocou Campinas novamente num mapa diferenciado. A empresa, que atende a cidade paulista, tornou o município o primeiro da América Latina a tratar biologicamente o esgoto produzido. Em 2012, a empresa – controlada pela prefeitura – deu os primeiros passos do processo, ao implantar a Estação Produtora de Água de Reúso (EPAR) Capivari II, unidade que atualmente abastece o Corpo de Bombeiros da cidade e também o Aeroporto de Viracopos. O volume ainda é pequeno, mas a novidade é que há expectativa de incrementar o tratamento para aumentar a potabilidade dessa água.

“A Sanasa solicitou um estudo para avaliar as tecnologias necessárias para potabilizar a água de reúso produzida na EPAR Capivari II, estação que já entrega uma produto com 99% de remoção de poluentes em termos de DBO (demanda biológica de oxigênio)”, diz Arly de Lara Romêo, diretor-presidente da Sanasa. “Nossa intenção é lançar essa água, depois de tratada conforme as exigências da Portaria 2914 do Ministério da Saúde, no sistema de tratamento de água”, confirma.

Em entrevista ao InfraROI, Marcus Vallero, engenheiro de processos da General Eletric – empresa que fornece a tecnologia de tratamento para a Sanasa – confirmou a viabilidade técnica de tornar a água de reuso em potável a curto prazo, mas faz ponderações a respeito do processo.

“Do ponto de vista técnico, o sistema de membranas de ultrafiltração (MBR. Veja mais a seguir) atende a maioria dos parâmetros da Portaria 2914, do Ministério da Saúde, que disciplina a qualidade requerida para fins potáveis”, diz. Para isso, ele explica que é necessária a adição de tecnologia de polimento, dominada pela GE e que já foi aplicada em vários lugares do mundo. “Todavia, o tema de potabilização do esgoto não é somente uma decisão técnica. Ele passa pela construção de um arcabouço legal e de diálogo com a sociedade, e a General Eletric está envolvida nesses estudos e diálogos”, completa.

Atualmente, 60 litros por segundo do esgoto captado são tratados na EPAR Capivari II, mas essa vazão deve ser ampliada nos próximos meses, pois a Sanasa estaria concluindo obras lineares na rede de esgoto para isso. “A capacidade dessa EPAR é de 360 l/s e é possível duplicar o espaço físico da planta de tratamento, aumentando a capacidade para 720 l/s”, diz Vallero.

Segundo o especialista, havendo a consolidação do que ele mesmo denomina como “arcabouço legal”, o processo para tornar a água de reúso potável é relativamente rápido na planta da Sanasa. “Em novos locais, o tempo de obras necessárias para a construção de uma planta de reúso avançado (gerando água potável) é praticamente o mesmo daquele gasto para construir uma planta de reúso tradicional. E esses prazos dependerão muito da vazão demandada, das condições locais e do sentido de urgência. Por isso, podem variar de meses a anos”, diz.

Urgência é urgência

A General Eletric, segundo Vallero, tem essa tecnologia aplicada em outros locais do mundo, inclusive em instalação na cidade de Campos do Jordão. Um caso de sucesso apresentado por ele mostra que o caráter de urgência imposto pelo contratante pode fazer a diferença, inclusive pensando na crise hídrica que o país enfrenta.

Em 1999, a GE instalou esse sistema no Hopi Hari – um parque de diversões que fica entre São Paulo e Campinas. A demanda era por 800 m³ por dia e o espaço para a construção da estação de tratamento bem reduzido (320 m²). O sistema, relata a empresa, foi instalado em menos de quatro meses e passou a fornecer toda a água de irrigação para o local.

A tecnologia

O MBR consiste em membranas de ultrafiltração (ou seja 0,04 micromêtro) que não permitem a passagem de bactérias, parasitas e outros microrganismos nocivos à saúde. Elas são combinadas a um reator biológico, que trabalha com o princípio da biodegradação da matéria orgânica e usa nutrientes para remover os poluentes da água.

A polêmica do uso do esgoto para suprimento de água

O lançamento direto da água tratada proveniente de esgoto ainda é extremamente polêmico e enfrenta o desafio psicológico, pois tecnicamente já é possível. Segundo a excelente reportagem Regeneração (Controvertida da água), escrita pela jornalista OIive Heffernan, para a edição especial da Scientific American Brasil – A exaustão das águas – recém publicada, a água que chega até nossas torneiras poderá vir de outras fontes.

Hoje, o processo normal envolve a captação da água de rios, aquíferos ou reservatórios, que passa pelo tratamento nas ETAs. O sistema convencional envolve filtração, dessalinização e desinfecção com cloro. Como as fontes estão secando, as águas residuais passam a ser tratadas também. E aí entra a possibilidade de água de reuso. Bom, nesse caso, a fonte inicial é a ETE, que trata o esgoto das cidades. Esse processo remove a maior parte de sólidos, substâncias químicas e organismos biológicos e cria um lodo (para descarte) e – mais importante – uma água reciclada que pode ter três aplicações, de acordo com a reportagem da Scientific American: envio ao meio ambiente, uso em irrigação ou uso na indústria.

Alternativamente, essa água poderia ser enviada para uma instalação avançada de purificação. Aqui é o diferencial que mostra uma rota de uso direto. As tecnologias atuais envolvem: a) filtração por membrana, seguida da osmose reversa e oxidação ultravioleta, sendo o peróxido de hidrogênio adicionado à água e ela é exposta a luz ultravioleta, provocando uma reação química que destrói qualquer contaminante químico restante. Uma quarta etapa pode ser acrescentada e envolveria a desinfecção por ozônio, no qual o ozônio é injetado na água, decompondo as mais diminutas moléculas orgânicas e inorgânicas que possam ainda existir.

O produto final do processo acima poderia ser reutilizado indiretamente, ou seja, seguir para um reservatório onde será captada e tratada em uma ETA convencional (não tem a menor necessidade, mas isso é feito por razões psicológicas). Ou, seguir direto para nossas torneiras. Os quatro processos seguidos especificados acima produziriam uma água de alta pureza, com a remoção de 99,99% dos micro-organismos.