Vidas Provisórias ou improviso na infraestrutura?

Rodrigo Conceição Santos – 04.02.2019 –

Gosto da reportagem do Edney Silvestre. Quando ele lançou Vidas Provisórias, romance de 2013, corri para a livraria e comprei dois exemplares: um para mim e um para uma sócia. Ela estava aniversariando e eu desejava ter pelo escritor a admiração que tinha pelo repórter. Não foi o caso. Mas também não vem ao caso. Importante é que há poucos dias a história da Bárbara – personagem que era imigrante ilegal em Nova Iorque – voltou à minha mente. A indagação que ela mais sofria, “Por que não volta para o Brasil?”, e que provavelmente os verdadeiros imigrantes brasileiros também sofrem, me instiga. Desta vez menos, pois encontrei na infraestrutura uma  resposta prática.

Viajamos no final de janeiro aos EUA para cobrir uma feira em Las Vegas e depois passamos por NY. Em Vegas, carro alugado. Condução tranquila nas pistas. Sinalização ótima e pavimento nem se fale. Em Nova Iorque só metrô. Sujo e velho, de fato. Pior que Londres ou Tókio também. Mas funcional, extremamente.

Nos metrôs, lanchonetes, restaurantes, lojas e calçadas encontramos várias Bárbaras. A velocidade, principalmente em Nova Iorque, não me deixava divagar muito a respeito. O cartão de crédito passava asap (a rede 4G dos estabelecimentos voa) e go to os próximos metros, onde certamente haveriam plataformas elevatórias.

Muitas mesmo, dezenas de plataformas todo dia. Como peste, como praga. E de todos os tipos, desde as tesouras para limpeza de fachadas até as plataformas articuladas e big booms usados geralmente em reformas prediais. A percepção visual é confirmada em números: enquanto no auge do mercado brasileiro as vendas chegaram a quase 8 mil equipamentos desse tipo (2013), nos EUA do pós-crise já se vendiam mais de 100 mil ao ano.

Geralmente elas são operadas por uma só pessoa. Em termos de empregabilidade, portanto, nada diferente dos andaimes que vemos nas fachadas dos nossos prédios, com uma só pessoa trabalhando também. Então não será daí que os economistas norte-americanos encontrarão respostas para o baixo nível de desemprego, que tem elevado os salários da construção civil em 22% nos últimos anos e provocado inquietude no Fed (Federal Reserve System) para conter a inflação.

A proposta de city show de Las Vegas muda a percepção sobre a quantidade de equipamentos trabalhando. Mas é apenas mais uma ilusão da cidade da ilusão (assim que eu a classifico). Nos bastidores o diesel queima. Atrás dos grandes hotéis-cassino há centenas, milhares de equipamentos trabalhando. Quase todos os grandes grupos, como MGM, Caesars e Harrah’s estão com algum hotel em reforma. E isso significa pelo menos dez equipamentos de médio e pequeno porte operando.

Próximo ao Centro de Convenções onde ocorria a Feira que cobríamos, uma obra de arena esportiva tomava o pátio onde estacionávamos o carro anos anteriores. Detalhe: Las Vegas já tem a T-Mobile Arena, uma mega estrutura que recebeu a partida de hóquei no gelo do Vegas Golden Knights versus Nachville Predators enquanto estávamos por lá. Isso causou um colapso de algumas horas no trânsito, diga-se de passagem.

Nos estabelecimentos, muitas luzes sempre acessas e nunca presenciei queda de energia, nem desta nem das outras vezes. A queixa sobre energia se resume aos inúmeros choques que tomamos ao abrir as portas do carro e dos estabelecimentos. É um inferno. Tanto que depois dos primeiros dias o medo toma conta e passamos a abrir portas com cotovelos, envelopar as mãos com as mangas das blusas antes de tocar em algo, etc. Tudo isso é adiamento, porque ao primeiro vacilo: choque, again. O choque provocado pela eletricidade de atrito não é o nosso foco, mas para conter a curiosidade encontrei uma matéria no G1 com uma explicação bem didática aos interessados: http://g1.globo.com/sao-paulo/sao-jose-do-rio-preto-aracatuba/noticia/2013/08/professor-de-rio-preto-explica-razao-de-choques-no-tempo-seco.html.

Outra ação comum de infraestrutura é algum tipo de manutenção subterrânea, geralmente de saneamento básico. As ruas nas áreas centrais de NY, por exemplo, fumaçavam o tempo todo. Fiquei preocupado com aquilo. Olhava para as tampas de bueiros fumaçando, esperando que algum deles explodisse a qualquer momento. Pensei até estar no Rio de Janeiro por alguns segundos, até que o frio de -02C° me retornou à realidade.

Acalmei-me algumas esquinas depois quando conheci os responsáveis por aquilo. Caminhões enormes, com um implemento semelhante aos dos nossos limpa-fossa, mas muito mais equipados, jogavam essas fumaças nas tubulações. Ainda trarei a explicação desses equipamentos, aguardem.

Voltando à viagem, no fim e no início, aliás, os aeroportos. Não há “assistencialismo”, babá de viajante ou algo do tipo. Cada um imprime o seu ticket, etiqueta suas bagagens, as despacha… enfim, se vira. As filas para os raios-X são sempre enormes e ai de quem reclamar aos agentes muito pouco afáveis. Mas o importante é que funciona. Inúmeras pistas de pouso e decolagem atendem inúmeros terminais que recebem e despacham voos quase sempre pontuais.

Esse conjunto de infraestrutura, que ainda é completado por linhas de trens de passageiros – do Aeroporto John F. Kennedy, em Nova Iorque, sai um direto para o centro, por exemplo – torna o dia a dia mais prático e seguro, além de mais barato para quem sabe usá-lo. Isso me faz considerar que as “vidas provisórias” da ótica do Edney Silvestre têm a escolha de não ter de improvisar diariamente, como nós fazemos para vencer e pagar pelo déficit brasileiro de infraestrutura.