Por Hsieh Ling Wang* – 02.09.2016 –
Consultora brasileira, de origem chinesa, explica como equipes formadas por profissionais dos dois países podem aproveitar sinergias e enfrentar diferenças no dia a dia.
É cada vez maior o número de executivos e profissionais chineses que chegam ao Brasil para trabalhar, ao lado dos brasileiros, em empresas de transportes, equipamentos, energia, mineração, eletroeletrônico, telecomunicações. Eles vêm para fundar ou administrar empresas chinesas, que obedecem à lógica de internacionalização do país asiático na busca por insumos, como petróleo, minérios e alimentos, e acesso a mercados.
O aumento nas relações comerciais entre Brasil e China impõe às empresas a necessidade de incrementar esse relacionamento não só a partir da compreensão das melhores práticas comerciais, mas, sobretudo, da avaliação precisa dos efeitos das diferentes culturas na maneira de fazer negócio.
A maioria dos chineses chega ao Brasil com experiência internacional, mas isso não significa que não enfrentarão dificuldades relacionadas às diferenças culturais. Inclusive, porque muitos brasileiros nunca trabalharam com estrangeiros de qualquer nacionalidade e, portanto, desconhecem as formas de viver, pensar, se expressar e comportar de outra cultura.
Mais do que estranhamento, essas diferenças – que abarcam valores, mitos, tabus, crenças, hábitos e costumes – podem gerar um desconforto na convivência de times multinacionais, capaz de comprometer o sucesso do negócio. Sendo assim, para que chineses e brasileiros possam conviver e trabalhar confortavelmente, é fundamental que ambos tenham conhecimento da cultura do outro e estejam dispostos a aprender e desenvolver novas competências interculturais.
Nesse processo, os líderes são fundamentais. A eles, cabe a tarefa de engajar cada membro da equipe – considerando as competências habituais e o perfil intercultural de cada um – no trabalho integrado e harmonioso, no qual impera o respeito mútuo. Ao profissional, por sua vez, cabe exercitar a capacidade de manter a mente aberta para as diferenças.
Apesar das diferenças culturais, muitos pontos em comum são observados entre os times sino-brasileiros, como mostram os aspectos abaixo, que devem ser analisados por cada um dos gestores em seu dia a dia:
Percepção de hierrquia – “Prefiro estruturas hierárquicas ou não-hierárquicas?”
As duas culturas têm alta percepção de hierarquia. Para elas, as diferenças de status são aceitas como normas, especialmente por aqueles em posição inferior.
Relacionamento versus Orientação para tarefa – “O que é mais importante para mim: o relacionamento ou a tarefa?”
Em negócios, o que é mais relevante: concentrar-se na tarefa a ser realizada e resolver o problema de maneira eficiente e imediata? Ou criar e manter um ambiente de trabalho harmonioso no qual o bom relacionamento entre os indivíduos é valorizado? Brasileiros e chineses preferem preservar o relacionamento e manter o ambiente agradável. Este aspecto tem tudo a ver com o próximo item.
Comunicação indireta versus Comunicação direta – “Como eu me comunico?”
Nenhuma das duas culturas gosta de se expressar abertamente (“bater de frente”) ou tomar posição clara, do tipo “doa a quem doer”. Criticar, só se for de maneira sutil e por códigos. Manter a harmonia e resguardar a face é essencial para brasileiros e chineses.
Perfil Analítico versus Pragmático – “Como eu resolvo problemas?”
Chineses e brasileiros tendem a ser pragmáticos para tomar decisões e resolver problemas, diferente do que acontece naquelas culturas em que a análise do problema e da estratégia tomam mais energia e tempo.
Reação à Incerteza – “Como eu reajo a mudanças e risco?”
Com diferença pequena, as duas culturas têm boa tolerância a riscos e ao desconhecido. São abertas a novas maneiras de fazer e não percebem as rupturas na rotina como ameaças, tendendo a tratar mudanças como oportunidades de melhoria.
Perfil Racional versus Intuitivo – “Minhas decisões são lógicas ou intuitivas?”
As duas culturas são mais intuitivas, apoiam-se mais em instinto e feeling para tomar decisões. Isso não significa que ignorem fatos e dados sólidos, mas muitas vezes decidem com base em critérios que nem sempre parecem lógicos.
Multi-focused versus Single focused time – “Qual a minha atitude em relação ao uso do tempo?”
Nesta dimensão, as duas culturas podem ser consideradas multi-focused, ou seja, fazem várias coisas ao mesmo tempo. Mas os brasileiros são significativamente mais “multitarefas”.
Nessas dimensões, que contam na hora de fazer negócio, as duas culturas têm muitas semelhanças. Mas há uma diferença fundamental, que pode estar na origem da ascensão da economia chinesa: enriquecer e ser o melhor são as grandes motivações dos chineses. Esta postura, no entender deles, nada tem de condenável. Todo chinês sabe: “Enriquecer é glorioso” – frase atribuída a Deng Xiao Ping, por ocasião da abertura de mercado da China e da criação das Zonas de Desenvolvimento Especiais, na década de 1970. No caso da China, isto está associado à educação, meritocracia, planejamento, pressa, trabalho duro e governo competente.
(*) Hsieh Ling Wang é farmacêutica com mestrado em bioquímica e administradora. É sócia da W!N Education, Business Support.