Por Samuel Lee* – 11.01.2017 –
Desde pequeno, me lembro de problemas relacionados ao fornecimento de água na cidade onde nasci, mesmo com uma grande disponibilidade hídrica na região e um contínuo regime de chuvas, a cidade já enfrentava problemas quanto a distribuição de água para seus cidadãos. De lá para cá, os desafios para o fornecimento deste recurso só aumentaram, devido ao crescimento dos centros urbanos e também devido à escassez deste recurso e períodos de seca, que, somados, ocasionam momentos de crise hídrica, como a que assolou recentemente o país.
Hoje, as grandes cidades tentam resolver esse problema captando de rios de longas distâncias e realizando grandes esforço para atingir reservatórios profundos. O custo de tudo isso, além de alto, é desperdiçado devido à falta de manutenção da rede de distribuição, acarretando em altos níveis de perda antes mesmo de chegar ao consumidor final.
Consequentemente, temos um universo de regiões com boa disponibilidade de água, enquanto em outras a população está precariamente abastecida. A maior discrepância entre elas são os métodos disponíveis para resolver a questão de perdas hídricas. Há diferentes tipos de tecnologia, que dependendo do problema em questão, possuem estratégias corretas para o curto, médio ou longo prazo, que focarão na resolução de cada problema como um todo, mas agindo adequadamente para que os resultados possam ser facilmente mensurados e sentidos positivamente.
Se já há tecnologia disponível, por que é tão difícil implementar um programa para combater o desperdício de água e aumentar a eficiência do sistema? Não vamos culpar ninguém, mas parece que há na indústria brasileira atual uma discussão teórica permanente sem grandes práticas e, quando ações são tomadas, não temos informações suficientes que permitam a resolução plena do problema. As medidas tomadas são muito mais de caráter paliativo, do que focadas na resolução eficaz e dos fatores que ocasionam.
É preciso fazer uso da conectividade já disponível para se ter uma noção real da rede de distribuição, dos desafios que enfrenta e, principalmente, onde estão os problemas – vazamentos e falhas – em meio a uma grande rede subterrânea. Na nossa indústria, normalmente acreditamos que a única forma de encontrar uma solução é com um projeto piloto – resolução em pequena escala para um problema grande. Até certo ponto, isso é uma ótima ideia, desde que entendamos que resultados esperar.
Há dez anos, comecei a ver algumas iniciativas para resolver o problema hídrico por empresas de engenharia com o conhecimento específico necessário para a redução de perdas e intervenção nas redes de distribuição de água. Um exemplo inovador é a recuperação não destrutiva das tubulações, que obteve excelentes resultados, reduzindo consequentemente as perdas reais de água, ocasionada por vazamentos e estouros de encanamentos.
O conceito de “perfil de consumo” pode identificar casos de perda aparente, ocasionados por desvios ilegais da rede de distribuição. Essas perdas, por muito tempo, foram consideradas inerentes ao sistema e vi diversas pessoas resignadas com o fato de que era possível combate-las.
Existem diferentes tipos de medidas que podem ser tomadas visando implementar o nível de eficiência da rede hídrica do país e diminuir os níveis de perda deste recurso finito. Atualmente um novo conceito surgiu no mercado, a Eficiência de Água ou Smart Water, que busca aumentar o nível de conhecimento de todas partes da rede, possibilitando uma administração mais inteligente desse recurso. Tal conceito se baseia no aumento de conectividade e comunicação da rede.
O hidrômetro por si só é e sempre será um dispositivo metrológico, mas, atualmente, podemos torná-lo mais um instrumento mais avançado, capaz de aferir um pacote de dados mais complexo que serão úteis para administração do consumo e da distribuição hídrica por parte das concessionárias.
Com inovação tecnológica atual, já podemos adicionar ao hidrômetros acessórios para comunicação, que possuem uma grande capacidade de coleta, armazenamento e envio de dados para um sistema repositório mais sofisticado que, por sua vez, processará tais informações e depreenderá delas as decisões estratégicas para a gestão eficiente da rede hídrica do país, que precisa se tornar urgentemente mais inteligente, identificando onde e quando serão necessários diferentes tipos de reparo das tubulações; podendo fazer um controle variável e assertivo da pressão exercida na rede e também onde ocorrem os furtos de água. Tudo isso, para reverter o cenário atual que, segundo levantamento feito pelo IBNET (International Benchmarking Network for Water and Sanitation Utilities), mostra que o Brasil perde atualmente 39% de sua água tratada, devido a perdas técnicas, fruto de falhas e comerciais, aquelas ocasionadas por desvios ilegais.
A tecnologia já está pronta para saltar para um nível maior de resultados, substituindo aquilo que é estimado por análises com precisão e agilidade. Informações poderosas facilmente serão disponibilizadas tanto para concessionárias de saneamento básico como para consumidores desenvolverem padrões de consumo sustentável.
As cidades do futuro devem ser inteligentes o suficiente para alocar seus recursos escassos de maneira otimizada atendendo todos seus cidadãos. A chave para tudo isso está na conectividade, aumento de comunicação entre os dispositivos, tornando tudo isso uma fonte ativa de informações para a administração da rede hídrica do país que, apesar de bem abastecida, é altamente ineficiente, o que acarreta na perda de uma grande quantia desse recurso natural, que impactam diretamente os cofres públicos.
A melhoria da infraestrutura é uma das medidas cruciais para que o país cumpra sua meta de universalização do saneamento básico prevista para 2033. Tais melhorias na rede serão responsáveis pelo desenvolvimento de cidades mais sustentáveis que atendam plenamente cada um de seus cidadãos.
* Samuel Lee é Vice-Presidente de Água da Itron para América Latina