Roberta Marchesi (*) – 02.09.2019 –
Céu encoberto por nuvens cinzentas, cheiro de fumaça, buzinas tocando, calor excessivo e pessoas doentes são itens de um cenário nada agradável para se viver. Infelizmente, essa é a realidade de muitas cidades no mundo, que convivem com os impactos gerados pelo desenvolvimento desordenado e o adensamento urbano.
A poluição atmosférica, resultante, principalmente, das emissões de combustíveis fósseis, é um dos principais problemas dessa realidade. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), nove em cada 10 pessoas respiram ar poluído. A poluição do ar em locais fechados e em ambientes externos causou estimadas 7 milhões de mortes globalmente em 2016, segundo a ONU Meio Ambiente, e pode levar às pessoas à morte prematura por doenças cardíacas, derrame e câncer, além de provocar infecções respiratórias.
Os números são alarmantes e o cenário preocupante, já que as emissões de dióxido de carbono aumentaram 2% em todo mundo em 2018, sendo considerada a maior elevação em sete anos, segundo relatório divulgado pela empresa de combustíveis BP.
O transporte é um dos principais responsáveis pela poluição do ar nas cidades. Segundo o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), o setor de transporte responde por 25% das emissões globais de gases do efeito estufa e, por ano, produz 8 gigatoneladas de substâncias que contribuem para o aquecimento global, valor 70 vezes mais alto do que há 30 anos.
Uma das alternativas apontadas pela ONU para reduzir as pegadas de carbono dos deslocamentos é investir nos veículos elétricos de fontes renováveis, como é o caso dos sistemas de transporte sobre trilhos, como metrô, trem urbano, Veículo Leve sobre Trilhos e aeromovel.
O transporte sobre trilhos contribui significativamente com o meio ambiente, com benefícios que vão muito além do transporte em si. Os trilhos urbanos emitem 60% menos CO2 que os carros e 40% menos dióxido de carbono em relação aos ônibus, isso quando considerada toda a cadeia de geração de energia, pois no caso apenas do transporte em si, a emissão dos sistemas eletrificados de trilhos é zero. Nos centros urbanos onde estão instalados, os sistemas sobre trilhos proporcionam a retirada de 1,3 milhão de carros e 18 mil ônibus por dia das ruas.
Para se ter uma dimensão do benefício que esse tipo de transporte traz para as cidades e a saúde da população, no Brasil, onde esse modo de deslocamento ainda não atende a todas as principais cidades e a rede metroferroviária conta com pouco mais de 1.000 km de extensão, a utilização dos sistemas sobre trilhos permite que se deixe de emitir nos centros urbanos mais de 2 milhões de toneladas de poluentes ao ano.
Dados do Ministério da Saúde apontam que nos últimos 10 anos, o Brasil gastou cerca de R$ 14 bilhões com internações por doenças do aparelho respiratório. Se esse dinheiro tivesse sido revertido para a ampliação da rede de trilhos no Brasil seria possível construir cerca de 180 km de metrô/trem/VLT, contribuindo para a remoção de aproximadamente 380 mil toneladas de CO2 de nossos centros urbanos e melhorando, sobremaneira, a qualidade de vida e de saúde de nossos cidadãos. Para ter uma ideia, seriam necessárias 2,7 milhões de árvores para o renovar o ar impactado por essas emissões.
Além disso, com os trilhos necessitam de 20 vezes menos espaço na área urbana do que outras alternativas de transporte. A decisão por investir nesses sistemas poderia aumentar a área útil nas cidades para instalação de praças, manutenção de áreas verdes e implantação de ciclovias, por exemplo, contribuindo ainda mais com a qualidade ambiental da cidade e a qualidade de vida dos cidadãos.
Precisamos olhar para as vantagens desse modo de transporte e pensar em políticas públicas que estimulem a implantação cada vez mais do transporte limpo e sustentável. Ao invés de criar incentivos para o transporte automotor, emissor de poluentes, precisamos estimular as diretrizes de governo para que todas as políticas públicas que sejam desenhadas para a mobilidade urbana priorizem o transporte público estruturante, sustentável e que atenda as necessidades de deslocamento da população e contribuam com o meio ambiente.
* Roberta Marchesi é Diretora Executiva da Associação Nacional dos Transportadores de Passageiros sobre Trilhos (ANPTrilhos), Mestre em Economia e Pós-Graduada nas áreas de Planejamento, Orçamento e Logística.