DW Brasil – 15.01.2021 –
Em estudo que mapeou as 100 maiores corporações que atuam na economia dos oceanos, petrolífera brasileira aparece na segunda posição. Concentração de poder traz riscos para a preservação ambiental, apontam pesquisadores.
Entre as 100 maiores corporações transnacionais que operam nos oceanos mundo afora, a Petrobras aparece em segundo lugar. A lista, divulgada nesta quarta-feira (13/01), é parte de uma pesquisa publicada na renomada revista Science Advances, feita por cientistas da Universidade Duke, nos Estados Unidos, e das Universidades de Estocolmo e Uppsala, na Suécia.
Foram avaliados oito principais setores que operam nos oceanos: petróleo e gás offshore, equipamentos e construção navais, produção e processamento de pescados e frutos do mar, transporte de contêineres, construção e reparo de navios, turismo de cruzeiros, atividades portuárias e energia eólica.
Combinadas, essas indústrias geraram ganhos de 1,9 trilhão de dólares em 2018 (10,4 trilhões de reais). A brasileira Petrobras faturou 46 bilhões de dólares naquele ano, o equivalente a cerca de 250 bilhões de reais.
O estudo, que tem como objetivo avaliar a concentração da indústria no ambiente marítimo e os perigos que isso representa, mostrou ainda que Arábia Saudita, Brasil, Irã, México e Estados Unidos são, respectivamente, sede das maiores transnacionais de petróleo e gás offshore.
Para os cientistas, esse nível de concentração na economia oceânica, fortemente dependente de recursos naturais, particularmente pesca, apresenta riscos para a sustentabilidade e uso global dos mares.
“Essa tendência inclui o potencial que essa economia concentrada tem de retardar o progresso rumo às metas globais de acesso e uso equitativos dos recursos e espaços oceânicos e, de forma mais ampla, para seu uso sustentável”, detalha à DW Brasil John Virdin, principal autor do estudo.
Soma-se a esse cenário o fato de a indústria do petróleo ser fonte considerável de gases do efeito estufa, que aceleram as mudanças climáticas. Além disso, a queima dos combustíveis fósseis produzidos pelas petroleiras, junto com carvão, é responsável por 60% das emissões globais.
Queda e ascensão da Petrobras
Depois de anos de crise financeira e de credibilidade a partir de 2014, quando o grande esquema de desvio de dinheiro dentro da empresa veio à tona, a recuperação recente da Petrobras impressionou.
Segundo um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), os lucros caíram rapidamente a partir de 2012, o que levou a brasileira a ter a maior dívida do mundo entre as petroleiras.
Em 2020, porém, ano de pandemia de covid-19, a Petrobras atingiu seu maior nível de produção anual de petróleo e gás natural – foram 2,28 milhões e 2,84 milhões de barris por dia, respectivamente.
O recorde, segundo a própria empresa, se deve ao “foco em ativos de classe mundial em águas profundas e ultraprofundas”, áreas onde a Petrobras considera ter diferencial competitivo.
“O advento do pré-sal colocou a empresa no mapa mundial. Não é de se surpreender que a Petrobras seja a segunda maior do mundo quando se consideram atividades no oceano”, comenta Arthur Wieczorek, pesquisador associado ao Centro de Geociências Aplicadas ao Petróleo da Universidade Estadual Paulista (Unesp).
Com 87% do total de suas operações concentradas na produção de petróleo em águas profundas e ultraprofundas no Brasil, a petroleira planeja investir 46,5 bilhões de dólares entre 2021 e 2025 em exploração e produção. O foco, informou à DW Brasil, é o pré-sal.
Sobre os rumores recentes de privatização, fontes internas ouvidas pela DW Brasil dizem que, embora haja o desejo do ministro da Economia Paulo Guedes, os militares seriam contra. Atualmente, o Conselho da Administração da Petrobras é presidido por Eduardo Leal Ferreira, que foi Almirante de Esquadra da Reserva e Comandante da Marinha até janeiro de 2019.
Efeitos da concentração de poder
Para Henrik Wachtmeister, um dos autores do estudo publicado na Science Advances, o caso do Brasil mostra como o esgotamento dos recursos força a produção a se deslocar para operações cada vez mais complicadas, mais distantes e em maiores profundidades.
“O momento de aumento da produção do Brasil e da Petrobras também ilustra o difícil dilema de muitos países produtores de petróleo no que diz respeito à mitigação das mudanças do clima e ao Acordo de Paris. Como um dos poucos países com potencial de produção de petróleo convencional, os níveis de produção do Brasil devem aumentar até 2030, possivelmente tornando a Petrobras a maior empresa petrolífera de capital aberto do mundo”, afirma Wachmeister à DW.
A preocupação é que, devido ao seu tamanho e poder desproporcionais, companhias transnacionais, como a Petrobras, possam gerar grandes impactos ambientais e sociais.
“O domínio de um pequeno número empresas (…) pode permitir o lobby direcionado dos reguladores para enfraquecer os padrões sociais ou ambientais”, citam os autores, dando como exemplo a imposição de barreiras a práticas sustentáveis em nível nacional ou internacional.
No caso brasileiro, opina Wieczorek, que não fez parte do estudo, a concentração da exploração de petróleo na mão da Petrobrás não seria tão negativa.
“O controle de segurança e de meio ambiente sobre várias empresas operando seria muito difícil no Brasil, onde nem sempre suas entidades reguladores funcionam bem. Aqui, esse comportamento tem que ser uma questão da empresa”, argumenta, adicionando que a petroleira teria um histórico pequeno de vazamentos em comparação às grandes empresas do ramo.
“Toda produção de petróleo e gás, porém, tem perigo de grandes vazamentos. E, quanto maior a produção, maior o risco”, adverte Wieczorek.
Para o pesquisador John Virdin, o estudo ressalta que a economia nos oceanos é semelhante a muitos setores da economia global: um número relativamente pequeno de grandes corporações detêm o controle.
“Embora isso represente riscos para as metas globais de uso sustentável dos oceanos e equidade, também fornece outra razão para essas grandes empresas assumirem um papel de liderança ajudando a conservar e restaurar os ecossistemas oceânicos e apoiar as comunidades que dependem deles”, pontua.