Nelson Valêncio – 31.03.2021 –
As iniciativas públicas de infraestrutura – e de outras áreas – deveriam ser políticas de estado e não de governo. Parece óbvio, mas nunca na história do Brasil foi necessário enfatizar tal pensamento. Nenhum governo pode sequestrar o estado brasileiro e isso vale para todos, independente do perfil ideológico. O exemplo mais recente e não menos desastroso é da possível substituição de Martha Sellier, atual secretária do Programa de Parcerias e Investimentos (PPI). O substituto seria o general Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde e de cuja gestão não sentiremos a menor falta.
Essa movimentação insana no momento que escrevo parece nota de rodapé pela crise deflagrada no Ministério da Defesa e nos três ministérios das forças armadas. O Brasil de 2021 vai exigir muito dos historiadores, mas vamos nos concentrar somente no PPI, um dos mais bem sucedidos programas de estado do Brasil e uma das poucas iniciativas positivas do atual governo. O PPI é e deve continuar a ser um programa de estado. O sucesso dele se deve exatamente a essa característica, inclusive tendo à frente uma secretária com longa experiência no assunto, respeitada por investidores e participante ativa – como a cara mais conhecida do PPI – em eventos internacionais.
A substituição de Martha Sellier – caso ocorra – precisa ser feita à altura da profissional. Se ela for, como vem sendo noticiado, para um cargo no Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), quem ganha é o BID e estaríamos muito bem representados. Nada contra tal movimento. Mas, ter o general Pazuello como seu substituto é uma tragédia anunciada. Toda a credibilidade que o PPI acumulou pelo excelente trabalho que vem desenvolvendo seria colocado em xeque. O ex-ministro da Saúde, infelizmente, é o apontado internacionalmente como um dos responsáveis pela situação atual do Brasil em relação à pandemia e fala-se, inclusive, em sua denúncia ao Tribunal Penal Internacional pelas ações que tomou – ou que não teria tomado – à frente do ministério da Saúde.
Mais do que isso, a substituição banalizaria a importância de um programa consistente de privatizações, concessões e parcerias público privadas (PPPs) que tem movimentado o país. Para o advogado Caio de Souza Loureiro, com mais de 15 anos de experiência em regulação e estruturação de contratos na área de infraestrutura, esse capítulo do atual governo ser resumiria a três pontos. O primeiro deles é que, para assumir a secretaria do PPI é preciso ser um profissional com background consistente no setor de infraestrutura, pela simples razão que o cargo envolve projetos que demandam conhecimento específico e confiança do mercado.
O segundo ponto é que a substituição, com fins políticos e por alguém que não seja técnico, pode comprometer a percepção de risco dos investidores. A terceira observação envolve a transferência do PPI para a Casa Civil ou para a Presidência, uma iniciativa que traz um componente político, incompatível com um órgão técnico e executor. Em resumo, seria um tiro no pé, para usar uma metáfora bélica tão cara ao governo atual (minha opinião, vamos deixar claro).
Na avaliação de Caio o governo federal tem sim quadros à altura de Martha Sellier e com um perfil técnico para manter o PPI como um programa de estado bem sucedido. Estamos falando de um profissional que ocupe posições intermediárias no próprio PPI ou em outros programas similares nos estados e que tenha trânsito político, ou seja, que saiba como a máquina estatal funciona. A busca de um novo secretário pode incluir ainda outras instituições como o Tribunal de Contas da União (TCU) ou o BNDES, para citar duas outras fontes de excelentes quadros públicos.
O Ministério da Infraestrutura (MInfra) também pode ser destacado como alternativa para se encontrar um novo secretário do PPI, caso haja a confirmação da saída de Martha Sellier. Aliás, o ministro Tarcísio de Freitas pode ser incluído na cota positiva do atual governo. Ele se diferencia pela sua capacidade e por, felizmente, ser oposto das figuras lombrosianas que devem causar a pior imagem do Brasil na comunidade internacional.