Bruno Loturco e Fabrício Schveitzer (*) – 14.07.2021 – No segundo semestre de 2020, o Sienge e a Grant Thornton realizaram uma pesquisa que apontou que apenas 38,4% das empresas do setor de construção já usam o BIM. Das que ainda não utilizam, 70% tinham a intenção de adotar a metodologia nos próximos dois anos. Essa constatação nos permite concluir duas coisas: a primeira é que ainda há um longo caminho a ser percorrido até que a cadeia se digitalize; a segunda é que existe a vontade e um ambiente, além dos serviços e tecnologias necessárias, para que haja um salto tecnológico importante e considerável.
É importante ressaltar que um setor que responde por 7% do PIB (Produto Interno Bruto) nacional, repleto de regramentos, legislações regionais, diferentes métodos construtivos, produtos e públicos, não faz a transformação da cadeia de uma hora para outra. Dificilmente estaremos imersos em um mundo digitalizado e integrado de um dia para o outro. Provavelmente, o maior ganho do dinheiro investido em tecnologia, em um primeiro momento, seja o efeito que esse movimento causa no comportamento e na cultura das empresas. Isso as torna aptas a receber o que vem depois.
Para quem está imerso no dia a dia da construção, a percepção pode ser de que poucos avanços acontecem ou que o ciclo de maturação das empresas em direção à digitalização é muito lento. A digitalização do modelo atual está concentrada num sistema minimamente elaborado o que vinha sendo feito manualmente e de forma descentralizada. É como trocar um caderno por um tablet, mas nada muito além disso. Existem incontáveis possibilidades de fazer isso na construção, especialmente se considerarmos que o setor é extremamente diverso no que diz respeito à realidade econômica de cada empresa.
Podemos até dizer que, em grande parte, os canteiros já estão digitalizados. O uso de ferramentas como WhatsApp e Google Drive – ou algo similar – acelerou o processo, mas não possibilitou o ingresso na próxima etapa. Então agora podemos observar empresas que avançaram digitalmente, trazendo visibilidade para o fluxo de informações.
É aí que começamos a ver o comportamento em ondas do setor no que se refere à transformação digital. Em geral, o que vemos nas três primeiras ondas são: escritórios de projetos dão início ao movimento trocando as pranchetas pelo AutoCAD; seguidos de longe pelos canteiros com, por exemplo, apontamentos feitos em dispositivos digitais padronizados, mas ainda não integrados. E, por fim, quando as imobiliárias migram dos anúncios para sites e, posteriormente, aplicativos.
A transformação de fato começa a ganhar corpo quando o arranjo produtivo começa a ser questionado. Ou seja, quando, em parte devido à digitalização incipiente das primeiras fases, alguns vícios e distorções começam a ficar evidentes demais, como índices de desperdício elevados, prazos estourados e problemas com o fluxo de materiais que chega à obra.
É nesse momento que o construtor, por exemplo, já munido de pontos de vista diferentes sobre como a cadeia se comporta, começa a pensar se não há uma forma diferente de fazer as coisas, com menos dependência de fornecedores específicos de serviço ou material e, principalmente, capazes de entregar mais valor no final da obra.
Embora a forma tradicional sobre como gerir uma empresa de construção comece a ser colocada em xeque, o processo é longo e demorado por se tratar de transformação cultural. Não é à toa que essa talvez seja a onda na qual as empresas passam a maior parte do tempo, já que adentrar a próxima demanda um nível de amadurecimento maior.
Afinal, é na onda seguinte de digitalização que o mercado imobiliário, em um conceito mais amplo, começa a testar outros modelos de negócio, como as modalidades de oferta de empreendimentos como serviço, novas abordagens de serviço sobre a construção, novas formas de captação de recursos e novas maneiras de comprar e vender imóveis, deixando de ofertar só o produto e começando a ter alguma camada de serviço.
Consequentemente, surgem demandas relacionadas às oportunidades de monetização existentes em outras frentes, como a gestão do ativo, com o investidor de fundo ou imóvel de um lado e o público consumidor do outro. Cada uma dessas ondas não se esgota em si mesma, mas acaba por ser seguida pela segunda fase das ondas de digitalização e, consequentemente, de inovação.
O mercado imobiliário é extremamente amplo, com empresas de todos os portes, com as mais variadas capacidades de investimento e focos de atuação. É diferente, por exemplo, do mercado de celulares, em que os concorrentes se mantêm mais ou menos no mesmo patamar de evolução tecnológica, com produtos muito similares entre si.
Nesse sentido, a construção se assemelha mais ao varejo, com elevada pulverização dos players. Então, ao traçar um paralelo entre esses setores, vemos que o amadurecimento logístico e comercial do varejo em geral levou à criação de uma base sólida sobre a qual se apoia a visão de futuro do setor.
Trazendo essa realidade para o setor da construção, podemos vislumbrar um futuro próximo baseado na democratização do acesso à tecnologia que as futuras plataformas poderão promover. Os avanços em breve vão ajudar a aproximar os atores da cadeia e, dessa maneira, acelerar o desenvolvimento de todo o setor.
É um caminho sem volta e sem velocidade pré-definida. Sabemos que começou e nosso intuito é provocar uma visão mais estrutural desse movimento para que, com isso, cada um possa entender onde se encontra ou, quem sabe, criar a sua visão e ajudar a melhorar esse entendimento.
** Fabrício Schveitzer, Diretor de Estratégia e Mercado do Sienge, Diretor de Habitação e Tecnologia do Sinduscon Florianópolis e Conselheiro da Cidade Pedra Branca e da Dimas Construções
Bruno Loturco, coordenador de comunicação estratégica do Sienge