Mariana Philippi* – 01.10.2021 – Em meio à pior crise hídrica e com energia cada vez mais escassas, alternativas devem surgir para que empresas aumentem sua autonomia energética
Atualmente, o Brasil se encontra em meio à pior crise hidrológica dos últimos 91 anos, de acordo com o Operador Nacional do Sistema Elétrico. As consequências do baixo volume de chuvas já se fazem presentes, inclusive, na geração de energia, tendo em vista que o país possui uma grande dependência das hidrelétricas para esse fim.
Com a energia cada vez mais escassa e a memória dos temidos apagões ainda vívida na mente dos brasileiros, o país aumentou em mais de 100%, em agosto deste ano, o volume de energia elétrica importada. Além disso, o recurso às usinas termelétricas mostra-se cada vez mais necessário, o que impacta diretamente sobre as tarifas praticadas para o fornecimento de energia.
O governo brasileiro, ao se manifestar sobre a atual crise energética, afirma que chegamos ao limite. Por isso, é essencial reduzir o consumo, especialmente neste momento de sensível queda nos reservatórios hídricos. A par desse contexto, a iniciativa privada possui preocupações crescentes. Diversos setores da economia, com destaque para a Indústria e o Agronegócio, não apenas dependem da energia para a execução de suas atividades-fim, como também apresentam as maiores demandas energéticas. Soma-se a isso o aumento dos valores praticados pelas fornecedoras de energia, como consequência direta da estiagem, que afeta sobremaneira a saúde financeira dessas empresas.
Diante disso, vem crescendo a procura por alternativas que permitam aos empresários ampliar sua autonomia energética, preferencialmente via fontes renováveis de energia. Atualmente, existem no Brasil alguns modelos possíveis para os consumidores que, mesmo dentro do mercado cativo (consumidores com demanda abaixo de 500kW), almejam gerar sua própria energia renovável, de modo conjunto, visando à soma de esforços e rateio de custos.
Nesse contexto, a Resolução Normativa ANEEL nº 482/2012 regulamentou os caminhos possíveis para a chamada geração compartilhada de energia, instituindo as figuras jurídicas dos Consórcios e das Cooperativas. O objetivo é permitir a reunião de diversos consumidores que pretendem gerar energia renovável para utilização em locais diversos, desde que situados na mesma área de concessão. Aplicando essa ótica à realidade empresarial, isso significa dizer que a energia pode ser gerada em um local mais afastado, para posterior aproveitamento na sede da empresa, planta da indústria ou afim.
O modelo de Consórcio permite a união de diferentes empresas, reunidas para um empreendimento específico, qual seja, a geração de energia. Assim, comporta CNPJs distintos, permitindo a reunião de múltiplas empresas, com a consequente divisão dos custos. O próprio contrato de constituição do Consórcio deverá prever as obrigações cabíveis a cada empresa, qual a contribuição financeira de cada uma no processo de geração de energia e qual a porcentagem de energia gerada a ser aproveitada por elas.
Já o modelo de Cooperativa pode reunir pessoas físicas e jurídicas, o que muitas vezes consiste em um atrativo para investidores, tendo em vista a diversidade de público. O Estatuto da Cooperativa deverá prever as regras do jogo: divisão de custos, porcentagem de energia a ser direcionada para cada cooperado, requisitos para a inclusão de novos membros etc. Um ponto importante é que cooperativas já constituídas – mesmo aquelas que se dediquem a outras atividades – também podem incorporar a geração de energia às suas finalidades, de modo simples e ágil.
Os modelos aplicáveis à geração compartilhada de energia comportam a chamada Microgeração distribuída (até 75 kW) e Minigeração distribuída (de 75 kW a 5 MW). Além disso, caso haja excedente de energia, ou seja, caso a energia gerada seja maior que a consumida, os participantes recebem um crédito, que poderá ser utilizado para abater os valores devidos à concessionária de energia nos próximos 60 meses.
Os benefícios às empresas que optam por instituir ou aderir a esses modelos são diversos. Além da economia financeira e autossustentabilidade energética, a possibilidade de rateio dos custos de implementação e manutenção entre os participantes torna esses modelos bastante atrativos. Justamente por permitirem a definição de regras específicas entre os membros, tanto o Consórcio quanto a Cooperativa atendem a diferentes realidades empresariais, podendo se adequar a empresas dos mais diversos perfis.
Aos empreendedores que buscam aderir a esses modelos, no entanto, é necessário planejamento e cautela. Justamente por serem personalizáveis, as regras a serem instituídas devem ser pensadas e analisadas com rigor, de modo a prever e mitigar riscos, garantir a segurança jurídica do Consórcio ou Cooperativa e maximizar o aproveitamento dos benefícios jurídico-normativos aplicáveis.
Àquelas empresas que pretendem tomar as rédeas de sua demanda energética e reduzir a preocupação com a atual crise instaurada, a geração compartilhada de energia renovável pode ser um excelente caminho a ser considerado.
*Mariana Phillip é coordenadora do Departamento de Direito Ambiental Empresarial no Philippi & Milkiewicz | Advocacia Sustentável.