Wilson Antunes* – 24.11.2021 – Mineração também tem que se atentar ao transporte de minério e como fazê-lo com segurança
Dizem por aí que quem tem loja de sapatos precisa somente saber vender sapatos. E quem tem um restaurante, só tem de saber cozinhar. Mas será que é isso mesmo? Se for verdade, então quem tem uma empresa mineradora só precisa extrair seu minério e garantir o lucro. Simples assim? Errado! A resposta é um grande e categórico não. E sabe por quê? Porque precisamos falar de segurança (e de Sinalização Vital).
Vou explicar. Grande parte das minas precisa transportar o minério até seu destino, seja um porto, uma fábrica ou um cliente, e isso deve ser feito usualmente por uma malha ferroviária – uma vez que o transporte por caminhões não é economicamente viável. No entanto, as ferrovias normalmente são de operação difícil e não-segura, com imenso risco de acidentes. Eu mesmo já vi acontecer inúmeras vezes.
Em países pouco desenvolvidos em regiões do Oriente Médio, África e América Latina, principalmente, é comum a empresa mineradora encontrar um depósito de minério (a maior parte das vezes em locais de difícil acesso) e montar a operação de extração, instalando uma ferrovia com apenas uma locomotiva para o transporte da produção. Essa ferrovia começa a operar com um único trem. O controle é visual e feito manualmente pelos operadores por meio dos chamados Aparelhos de Mudança de Vias (AMVs), sob ordens via rádio de um outro operador que habitualmente faz a montagem do plano de movimentação em uma lousa (!). Agora, imagine se esse minério tem de ser transportado por cem quilômetros, e isso é um exemplo bastante conservador em termos de distância. Se a sinalização ferroviária for negligenciada, há grande risco de a produção não chegar ao local de destino por conta de acidentes no caminho.
Ainda assim, apesar de não menos preocupante, trata-se de apenas uma locomotiva. Agora imagine que a empresa cresça e passe a operar com três locomotivas na mesma malha ferroviária. Sem nenhuma sinalização, como semáforos e alinhamento de rota, a operação – que já era potencialmente perigosa com um trem – passa a entrar em uma zona de risco iminente de acidentes. Isso tudo porque são raros os casos em que a empresa mineradora investe em um especialista em segurança ferroviária para resolver problemas antes que algum acidente aconteça. Infelizmente, o que que se vê por aí é a incidência cada vez mais alta de ocorrências ferroviárias graves, muitas vezes de grandes proporções, interrompendo toda a operação, gerando milhões em prejuízos financeiro (sem falar em acidentes fatais).
Minha experiência como empresário e especialista em automação ferroviária mostra que apenas três em cada dez ferrovias em minas possuem o mínimo de requisitos em segurança. Falo em Sinalização Vital, também chamada de sistema de falha segura, que depende o mínimo de interação humana e diminui, portanto, exponencialmente a ocorrência de erros humanos na condução metro ferroviária. A ideia é que a movimentação passe a ser feita por ‘alinhamento de rota’, ou seja: o trem só poderá se movimentar apenas se o caminho à frente estiver livre e os AMVs na posição correta. E mais: com sinaleiros espalhados por toda a via mostrando luz verde para o maquinista prosseguir. Em caso de luz vermelha, o trem deve parar imediatamente. Esse mínimo de segurança, que aliás tem investimento baixíssimo, pode evitar 99,9% dos casos de acidentes. Mas nem isso é feito.
Por quê? Bem, primeiro porque a empresa que controla a ferrovia usualmente não percebe o quanto a Sinalização Vital, além de garantir a segurança, é instrumento de aumento de produtividade, já que permite aos trens se movimentarem mais rápido e mais próximos, escoando mais minério e aumentando o lucro. Não é por acaso que as maiores mineradoras do mundo movimentam seus trens com computadores de bordo (ATC – Automatic Train Control), sem interferência humana, AMVs elétricos e TAGs (etiquetas) de RFID (Radio Frequency Identification – ou Identificação por Radiofrequência, em português) que mostram a situação da malha ferroviária à frente, velocidades máximas e localização precisa ao longo de toda a via. Quase sem necessidade da intervenção de maquinistas, esses trens se movimentam com maior rapidez, acelerando e desacelerando de forma inteligente, normalmente muito próximos um ao outro e com total segurança. Tudo é controlado no Centro de Controle Operacional (CCO), com grande quantidade de indicadores para o sucesso da operação, de ponta a ponta.
O investimento em Automação Ferroviária é obrigatório para quem pensa no longo prazo e na segurança da operação. É um passo inevitável para empresas que desejam crescer sem sacrificar produção e vidas humanas. Mais que isso. É uma mudança de paradigma com foco na conscientização de que Sinalização Vital não é conceito, mas uma realidade – que, aliás, é muito fácil de implantar, até mesmo do ponto de vista econômico. Por incrível que pareça, apenas um dia de operação parada na mina por conta de um acidente ferroviário já seria suficiente para pagar o melhor sistema de sinalização disponível.
*Wilson Antunes é empresário e especialista em automação metro-ferroviária, com formação em Engenharia pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP) e Administração de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas.