Nelson Valêncio – 05.08.2022 – Telar Engenharia avança nos lotes conquistados para a parceria público-privada (PPP) na capital paulista. Nessa entrevista, o CEO da empresa, Marco Botter, explica o que torna esse tipo de empreendimento viável. Com mais de meio século, a companhia tem um histórico de concessões em outras áreas, incluindo rodovias e bastante foco no setor de saneamento.
InfraROI: A Telar tem um histórico em concessões. Você poderia falar dessa trajetória?
Marco Botter (MB): Nós somos uma empresa de origem familiar a antiga, fundada pelo meu pai. São 53 anos de atividade e, até a o final da década de 1990, nós tínhamos atividades exclusivamente como construtora. E só implantando obras públicas de infraestrutura a partir do final da década de 1990. Nós entramos nessa área de concessões pelo setor de saneamento, na cidade de Marília há 20 anos. Era uma concessão parcial e nós tínhamos parte do sistema de produção de água potável da cidade. Esse contrato foi assinado em 1996 e nós entregamos em 2017. Cumprimos o prazo todo dele. E, da área de saneamento, nós acabamos entrando em outras áreas. E sem nunca abandonar nossa vocação que é a construção de obras, uma atividade bem diferente de ser concessionário.
InfraROI: Por que?
MB: São atividades diferentes com uma interface grande porque em todas as concessões você é obrigado a ampliar a infraestrutura que engloba as facilidades que são objeto da concessão. O concessionário é obrigado a fazer obras, quer dizer, no mínimo implantar obras para poder ampliar a infraestrutura. Só que isso não significa que o próprio concessionário vai fazer as obras em geral. É antieconômico e, nesse modelo, em geral o concessionário acaba contratando empresas menores que têm custos mais adequados. Mas se o concessionário é também construtor, ele tem a experiência para poder exigir qualidade e acompanhar o cumprimento do prazo.
InfraROI: E a Telar teve outras concessões?
MB: Sim, nós conquistamos uma concessão de estradas e operamos durante 10 anos um sistema de 515 km de estradas no estado de São Paulo. Na verdade, era uma SPE, ou seja, uma empresa de propósito específico e que incluía quatro grupos, sendo que três grupos eram realmente formados por empresa construtoras, mas um grupo era da área financeira. Nós assinamos o contrato de concessão no ano 2000 operamos até 2010. E aí em 2010 nós vendemos a operação, tendo ainda mais 17 anos concessão, para a CCR, com uma proposta irrecusável. Hoje há grandes concessões que tem grupos financeiros como seus acionistas principais em sociedades propósito específico. Também tivemos concessões mais curtas para construção e operação do Poupatempo em São Paulo. E mais recentemente conquistamos uma parceria público-privada (PPP) na área de habitação, que é diferente da concessão pura, porque nessa última apenas as tarifas cobradas na operação são suficientes para remunerar e equilibrar economicamente o negócio. Quando o poder concedente também precisa colocar recurso, temos o modelo de uma PPP, que é o que temos aqui em São Paulo.
InfraROI – Como é esse contrato de PPP?
MB: São dois contratos de PPP na área de é habitação popular. E, aliás, são casos inéditos para a prefeitura. Em nível estadual, o governo já tem um contrato. E agora a prefeitura é quem fez a concorrência com vários lotes e nós ganhamos dois deles e estamos há dois anos trabalhando nesse novo conceito. O que aconteceu é que nós, com nossa origem como construtores, acabamos diversificando as atividades na área de concessões. Esse novo contrato, de PPP, de certa forma é nova para nós, porque não temos uma tradição em construção habitacional, nossa tradição é como construtores da área infraestrutura.
InfraROI – Em que pé está o projeto com a prefeitura de São Paulo?
MB: Ele está em operação, porque nesses contratos com a prefeitura você é responsável pela elaboração e regularização fundiária. As áreas não são regularizadas, por incrível que pareça. Há essa regularização fundiária, que é complexa. Depois você tem que fazer o projeto e a aprovação de projeto em todos os órgãos ligados à questão ambiental. Você tem que fazer também o levantamento da infraestrutura e a ampliação de infraestrutura no entorno desses terrenos. Nós estamos terminando, então já temos uma área que está praticamente liberada para a obra e que deve começar no início de 2023. Então, finalizamos a regularização fundiária em quase todas os terrenos. São 64 mil metros quadrados do primeiro e, no segundo são os 10 mil metros quadrados de terreno. O interessante é que nesses contratos, existe a obrigação de construir e se faz o repasse para os mutuários.
InfraROI – Como é esse processo?
MB: A prefeitura cede os terrenos e ela também garante a demanda de compradores, porque pela Cohab ela tem uma lista enorme de famílias que pretendem comprar seu imóvel pelo sistema Minha Casa, Minha Vida ou pela Casa Paulista, que também é um processo aqui do estado. E a terceira responsabilidade dela é nos remunerar e aí que se caracteriza a PPP. Ela nos paga um valor anual porque nós vamos administrar esses condomínios por 20 anos. Quer dizer: construído o condomínio e vendidos os apartamentos, nós operaremos por 20 anos, garantindo a integridade e evitando que não se deteriorem. E isso também inclui a administração do entorno desses condomínios. Para isso, temos a contrapartida que ela nos paga anualmente para poder fazer essa administração.
InfraROI – Como vocês equacionaram essa PPP?
MB: Estudamos a viabilidade do empreendimento, como fizemos com outros projetos. É um estudo de viabilidade, um estudo econômico em que você tem as variáveis que são conhecidas da engenharia, incluindo custo da construção que é uma coisa que a gente conhece bem, e custo de fazer as regularizações. Além disso, contratamos parceiros que são especializados em estudos econômicos para empreendimentos de longo prazo e, com isso, temos as ferramentas para poder verificar a viabilidade econômica e fazer a proposta da contrapartida mínima que nós precisaríamos. A concessão é um tipo de empreendimento que é multifacetado, você tem é várias áreas de conhecimento que tem que ser abordadas para garantir que o empreendimento seja viável. Numa rodovia, por exemplo, há variáveis que dependem do andamento da economia da região, do volume de tráfego que vai ser usado e da necessidade de manutenção das dos pavimentos, entre outros. No caso da PPP na área imobiliária, tem que saber o custo da obra, da estrutura que permitir a venda dos apartamentos e depois uma estrutura de manutenção dessas edificações durante os 20 anos. Não é algo que fuja completamente da nossa experiência anterior em outras concessões.
InfraROI – Do ponto de vista de método construtivo nesse projeto de PPP, existe aplicação de BIM?
MB: Os projetos já preveem que as obras serão acompanhadas pelo BIM. E também há que se estudar, dependendo do tipo de estrutura, o método construtivo. Na Mooca (região da capital paulista), optou-se pela alvenaria estrutural porque tornou-se mais econômico. E porque todos os prédios terão o que eles chamam hoje de fachada ativa. Então você tem lojas embaixo para poder aproveitar a receita de aluguel das áreas. Essa é uma receita acessória que o contrato prevê, então para nós também é interessante. Não tem nenhuma inovação tecnológica, mas estamos, de certa forma, usando o estado atual da arte, como a adoção do BIM, para agregar à construção.
InfraROI – Esses projetos de PPP de habitação incorporam áreas de vivência comum mais modernas, como tem sido um apelo para a indústria imobiliária?
MB: Procuramos incorporar um diferencial de qualidade nos empreendimentos, inclusive com a contratação de escritórios de primeira linha de arquitetura para garantir essa habitabilidade dos prédios. São construções de habitação popular com prédios diferenciados, com a garantia de ventilação, com terraço, áreas verdes no entorno e, principalmente, pela visão de arquitetura, pois em muitos empreendimentos, quem fazia o projeto arquitetônico eram engenheiros.
InfraROI – Onde serão implementados os projetos de PPP de habitação em São Paulo?
MB: São três bairros: Mooca, Jardim Anália Franco e no Ipiranga. São bairros já consolidados e terão prédios com uma arquitetura diferenciada, quando comparado com o entorno que é mais duro. São bairros mais antigos e tal, então isso é um diferencial que a gente vai incorporar para o morador ter prazer de morar. Nós vamos ter a vantagem de ter a venda da maior parte dos nossos dos nossos apartamentos ser de responsabilidade da prefeitura. E é um processo garantido pelas listas de espera por habitação, tanto do governo do estado quanto da prefeitura.
InfraROI – Você acha que esse tipo de PPP de habitação popular tende a aumentar e ficar mais viável para as construtoras?
MB: Depende de as prefeituras terem imóveis com essas características que a prefeitura de São Paulo tem, ou seja, imóveis muito bem localizados e subaproveitados. Você aumenta bastante a qualidade de vida pela proximidade com as áreas centrais, mas a prefeitura tem que ter a disponibilidade desses terrenos. Então, as prefeituras que tiverem este tipo de ativo mal utilizado. Para o morador é interessante poder diminuir o tempo e a distância de transporte da casa ao trabalho. Ele pode até mudar a modalidade de trabalho que utiliza, adotando, por exemplo, bicicletas combinados com metrô.