Nelson Carvalho Maestrelli* – 11.12.2023 –
Somos no Brasil, em 2023, cerca de 800 mil. A cada ano, juntam-se a nós 20 mil novos engenheiros. Para um país com nossa dimensão territorial, esse número é insuficiente para atender a demanda de profissionais. Na China são 300 mil por ano, 200 mil na Índia e 80 mil na Coréia do Sul.
A comparação com a Coréia do Sul é sempre curiosa – segundo dados da FAPESP, há 20 engenheiros em cada grupo de 100 formandos nas universidades sul-coreanas, enquanto por aqui temos 8 para cada 100. Nos anos 70, Brasil e Coréia do Sul compartilhavam o mesmo número de patentes depositadas nos Estados Unidos – hoje as patentes sul coreanas superam em 40 vezes nosso resultado.
Os motivos são largamente conhecidos. A Coréia do Sul percebeu que o crescimento econômico e tecnológico está diretamente ligado aos investimentos em educação de qualidade e incentivo à inovação. O crescimento do PIB precisa ser sustentado pela formação de mão de obra especializada, necessária para suportar as demandas do desenvolvimento.
Entidades de classe no Brasil estimam que, para um crescimento anual projetado de 5 a 6% do PIB, há um déficit de 75 mil engenheiros no país.
Paralelamente a esta carência de profissionais de engenharia, outros aspectos ajudam a entender o cenário brasileiro.
Ensino básico de baixa qualidade, desinteresse crescente das novas gerações pelas áreas de exatas e tecnologia, alta evasão nos cursos superiores de engenharia, padrões de remuneração abaixo de outros países e falta de fiscalização efetiva dos órgãos de classe são alguns fatores que inibem a formação de novos profissionais.
No próximo dia 11 de dezembro, é comemorado o dia do engenheiro no Brasil. A data foi escolhida em homenagem à criação da primeira escola de engenharia do país, datada de 1792.
Trata-se de uma ocasião adequada para analisarmos o futuro da engenharia no país e contribuir com nossa reflexão, para encontrar respostas que permitam a construção de condições robustas de crescimento e prosperidade.
Cabe a nós, engenheiros, profissionais acostumados a solucionar problemas, entender a equação e as condições de contorno que geram o paradoxo atual entre demanda e escassez – precisamos de maior número de engenheiros, mas enfrentamos o crescente desinteresse pela profissão, que inibe a formação de novos quadros.
Como na maioria dos casos que ocorrem em nossa fascinante profissão, recaímos novamente em um problema de natureza heurística: não há solução única, não há um método conhecido e predeterminado de etapas que, uma vez percorridas, garantam a melhor resposta.
Precisamos conciliar as necessidades de crescimento econômico e tecnológico do país ao aumento de engenheiros capazes de liderar esse processo, e simultaneamente garantir o interesse, a valorização e a qualidade profissional necessária.
Não será uma tarefa simples, mas podemos buscar soluções, baseados em trajetórias e lições aprendidas de sucesso em outros países e na adaptação de políticas e iniciativas baseadas em nossa própria cultura.
Começar pela valorização do ensino básico é o ponto de partida – isso passa necessariamente pela formação de professores, revisão de conteúdos, ênfase no ensino das ciências exatas e tecnologia, uso intensivo de laboratórios e aulas práticas.
Reformas para valorização do conteúdo, e não excessivamente concentradas na forma e em boas intenções, sempre expressas em documentos oficiais, mas que raramente alcançam a prática ou geram resultados positivos.
Associada a esta ação prioritária e fundamental, a revisão dos cursos superiores de engenharia, ainda atrelados a práticas e conceitos dos séculos anteriores, cargas horárias excessivas, conteúdo teórico sem vínculo ou alinhamento com a atividade profissional.
Precisamos hoje das mesmas 4000 horas de décadas atrás para formar um profissional de engenharia. Contamos com recursos audiovisuais, computadores, simulações, animações, alternativas inimagináveis no passado. Empresas e universidades corporativas usam intensivamente estes recursos para otimizar recursos, reduzir tempos de capacitação de colaboradores, gerar resultados melhores e rápidos. Enquanto isso, continuamos a desperdiçar recursos explicando coisas inúteis para uma geração de nativos digitais, desinteressada e incapaz de manter a concentração e controlar a própria ansiedade, em aulas intermináveis de discursos e demonstrações matemáticas que serão esquecidas e abandonadas após as provas.
Trata-se de um grande contrassenso: em pleno século XXI, tempos de indústria 4.0, machine learning e indústria 4.0, com os chats de inteligência artificial contestando continuamente nossa experiência e conhecimento acumulado, insistimos nas práticas anacrônicas que afugentam os genuinamente interessados.
Começamos a assistir formadores de opinião contestando a necessidade de formação superior, ganhando adeptos entre os jovens e contaminando a sociedade.
Redução de carga horária, alinhamento de conteúdo entre academia e mercado de trabalho, intensificação de atividades práticas, valorização de soft skills, dupla titulação e graduação dual são ações fundamentais para garantir a formação de engenheiros adequados ao mundo atual, sem desperdícios de recursos e falsas premissas de “formação robusta”.
Para completar um conjunto de ações que formem a base necessária para as mudanças que demandamos, ações governamentais que definam uma política industrial realista e focada em nossa vocação (agroindústria, alimentos, mineração e outros) e uma política educacional comprometida com a qualidade do ensino básico e superior, que promova a avaliação contínua e rigorosa de cursos, escolas e universidades, e incentive os jovens a ingressar e permanecer estudando.
Temos hoje cerca de 24% dos estudantes, de 18 a 24 anos, que terminam o ensino médio, ingressando em cursos superiores.
Pesquisa do IPEA envolvendo 37 países, mostra que 36% dos jovens brasileiros não trabalham nem estudam. Apenas a África do Sul apresenta números mais preocupantes. No Brasil, apenas 1 a cada 3 jovens de baixa renda está atualmente estudando, em um total de 36 milhões – 54% trabalham sem registro formal.
A escassez de recursos, a ausência de condições ideais de trabalho, a complexidade de cada problema, são características inerentes a problemas de engenharia. Somos movidos por desafios, busca de soluções e novas ideias.
A engenharia moderna surgiu no século XVIII. Simultaneamente (ou como consequência), de dois grandes marcos da história do mundo: a Revolução Industrial e o Iluminismo.
A revolução industrial, com o aparecimento da máquina a vapor e de uma série de outras máquinas, provocou o desenvolvimento tecnológico e a necessidade de conhecimentos em ciências.
O iluminismo causou a valorização da observação dos fenômenos naturais, dos experimentos, da prática, das aplicações de ciências para a compreensão do mundo.
Outro fator que contribuiu para o surgimento da engenharia moderna foi o desenvolvimento da indústria siderúrgica e o início da utilização do ferro como material de construção, ocorridos no final do século XVII. Até então, a construção civil baseava-se na pedra como material fundamental.
Desde o seu início, a engenharia moderna baseou-se no conhecimento científico e suas aplicações. Máquinas, produtos, construções – todos os resultados de projetos de engenharia sempre surgiram de demandas da sociedade.
Superar dificuldades, desenvolver soluções, contornar obstáculos, foram e continuam sendo o que caracteriza o espaço de trabalho dos engenheiros.
Nas últimas décadas, a crescente preocupação com o uso consciente de recursos naturais, fontes alternativas de energia, tratamento e reaproveitamento de resíduos, preservação do meio ambiente, foram agregados aos projetos e inseridos no cotidiano da profissão.
A construção de uma sociedade justa passa necessariamente pela educação de base, pelo fortalecimento das instituições e pelo crescimento econômico e tecnológico.
João Cabral de Melo Neto foi conhecido como o poeta engenheiro. Segundo o poeta, o engenheiro “sonha coisas claras e pensa o mundo justo, mundo que nenhum véu encobre”.
Neste dia do engenheiro, além de pensar e sonhar, precisamos começar a agir, de forma inteligente e estratégica, para superar dificuldades e ajudar a construir um país mais rico e justo. O projeto do que almejamos já é conhecido. Precisamos vencer a inércia e colocá-lo em prática.
*Nelson Carvalho Maestrelli, é coordenador do curso de Engenharia Mecânica da Escola de Engenharia (EE) da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM).