Altos e baixos da transformação de telecom no Brasil

Por Eduardo Amaral (*) – 02.12.2016 –

Um histórico do setor e um pouco sobre as receitas de sucesso que tornaram projetos como o recente Genesis, da Vivo, cases mundiais.

eduardo-amaralFato: o mercado brasileiro de telecom é altamente regulado. As maneiras de se diferenciar em termos de oferta costumam esbarrar em alguma cláusula  restritiva do STFC/SMP/SCM e mecanismos acessórios “promovidos” pela Anatel. Em que pese tais regras e o pente fino do CADE, a onda de consolidações nacionais seguiu em ritmo forte, culminando com a recente fusão da VIVO e GVT. No entanto, projetos de relevância em solo brasileiro para redução de custos ou diferenciação de ofertas já estavam em evidência desde o momento seguinte à privatização do sistema Telebrás.

Início da Competição
Como esquecer do “Fat 3C” – capitaneado por Arlindo Sant’Ana, com o objetivo de consolidar as múltiplas operações estaduais que compunham o conglomerado Tele Norte Leste nos idos de 1999? Imaginem a mudança organizacional necessária para transformar 16 operações estatais em uma, gerida pela iniciativa privada, além do desafio de lidar com diferenças culturais das equipes durante o inevitável processo de racionalização do quadro funcional. As ousadas metas do projeto encontram adversário à altura no “status quo” da nascente super-operadora.

Quase duas décadas depois, procuramos alguns profissionais que participaram do Fat3C e colhemos suas impressões acerca das razões do mesmo ter atingido resultados muito aquém daqueles propostos.  Claudson Aguiar, hoje diretor de tecnologia na Sapore, foi o gerente de implantação do sistema de faturamento consolidado no Fat3C, utilizando tecnologia da Kenan – empresa norte-americana que havia sido adquirida pela gigante Lucent Technologies meses antes do projeto começar. Segundo ele, “à revelia das recomendações feitas, praticamente não houve consenso sobre o redesenho e unificação dos processos, o que resultou em praticamente replicar uma a uma as operações estaduais nos novos sistemas. A racionalização de ofertas também não foi bem sucedida. Ao invés de incentivar a migração dos clientes para planos mais atraentes, optou-se por uma estratégia Big Bang, com o máximo de espelhamento entre as ofertas dos sistemas antigos e o Fat3C”.

Voltando-se para o dilema original da nossa coluna sobre telecom no Brasil, o alvo primário da Telemar era a redução de custos pela consolidação: a busca pelas economias sinérgicas de uma operação centralizada.

Alguns quilômetros dali, a Embratel também mergulhava fundo: novo sistema de faturamento, além de investimentos pesados em Data Warehousing para uso do marketing e relacionamento com clientes. Como novata no segmento de Varejo, e na iminência de sentir a concorrência na telefonia de longa distância, a Embratel tinha que se reinventar ou ser engolida pela concorrência das antigas irmãs na Telebrás, e das empresas-espelho que estavam por surgir. Era vender mais ou pedir concordata.

Na ocasião, executivos vindos da controladora MCI Worldcom tocavam a transformação. Fato: a empresa colheu melhores resultados do que a Telemar num 1º momento. No entanto, o redirecionamento da empresa frente à canibalização da telefonia de longa distância resultou em estagnação: muitos dos sistemas implementados entre 1999 e 2001 ainda continuam em operação, mesmo que esvaziados, muitas vezes nas mesmas versões implementadas originalmente.

Consolidação da Telefonia Móvel
Poucos anos depois, vimos a consolidações nos grupos VIVO e Claro. De modo geral, os projetos tiveram resultados bem satisfatórios, especialmente no âmbito de faturamento (pré e pós-pago). Cabe ressaltar que o desafio era bem similar ao tentado pela Telemar anos antes. No caso da Claro, as operações da BCP, ATL, Claro RGS e TESS foram consolidadas. Na joint venture luso-espanhola, o desafio era ainda maior, em razão da diversidade de soluções tecnológicas implementadas em cada uma das operações que viria a formar conjuntamente a VIVO. Por fim, a Telesp Celular saiu como vencedora, conseguindo emplacar para todo grupo seu conjunto de SW e influenciado ativamente no modelo de gestão desse ponto em diante. Testemunhamos movimento um pouco mais sutil nas operações controladas pela Telecom Italia, gerando a TIM Brasil tal como a conhecemos hoje.

Os Últimos Seis Anos
O passado recente de transformações evidencia uma busca maior por diferenciação. No pôquer da telefonia, quase todos os jogadores possuem “cartas” móveis, fixas e TV em suas mãos, mas poucos conseguem oferecer uma experiência unificada de atendimento ou faturamento. Sem exceções, as operadoras corriam para simplificar/unificar-se e, como brinde, adicionar flexibilidade e rapidez no lançamento de novas ofertas.

Talvez um dos primeiros projetos de vulto nesse período, o “NET Uno” confiava em tecnologia e serviços majoritariamente providos pela Amdocs e tinha como objetivo solidificar a posição de destaque que a NET possuía em serviços de TV e Banda Larga nas principais áreas metropolitanas. Na ocasião, já existia uma cooperação com a Embratel para a inclusão de telefonia fixa nas ofertas, o que viria a ser a semente para a consolidação da América Móvil atualmente em curso no Brasil. Voltando ao NET Uno, mais de 5 anos após sua adjudicação e algumas centenas de milhões gastos, quase nada foi efetivamente migrado para a nova plataforma. Os seguidos atrasos culminaram em “fogo amigo” no início de 2015, quando o quartel-general mexicano demandou maior velocidade na convergência do negócio móvel às operações fixas, impondo novas mudanças de escopo e priorização.

A poucos quilômetros dali, desenhava-se algo similar na operação espanhola em solo nacional. Uma vez sacramentado o negócio de compra da parcela da Portugal Telecom na VIVO e consequente invasão lusa na Oi, os executivos da Telefônica começaram a conceber o futuro convergente. Projetos preliminares no âmbito da governança financeira (internamente cunhado “Teresa”) foram bem-sucedidos, dando fôlego para um vôo mais ousado: a unificação da experiência do cliente independente do tipo de plano ou serviço. Na ocasião, já era evidente a inexorável queda no interesse por telefonia fixa e a concorrência acirrada com NET, TIM Fiber e GVT pelo filão de banda larga de TV por assinatura nas principais cidades de São Paulo. Era preciso responder, e rápido! Foi então dada a largada para a seleção de um “full stack”, seguindo modelo preconizado pela organização global sediada em Madrid e já em implementação na Telefonica Argentina. A despeito das hierarquias internas, a operação brasileira tentou impor limites ao rito global, conseguindo ajustes e ressalvas ao escopo (especialmente no âmbito de B2B).

Após uma disputa acirrada entre a toda-poderosa Ericsson, detentora do grande projeto “Condor” para modernização do ecossistema de pré-pago e tarifação em tempo real, e a Amdocs, a empresa israelense que mesmo sendo debutante em termos de Telefônica – Vivo, sagrou-se vencedora do concurso. Denominado “Beatrix”, o projeto tinha como ousado desafio simplificar de modo significativo um ecossistema extremamente complexo envolvendo pelo menos mais dois fornecedores de peso: Netcracker e Oracle.

De modo similar ao ocorrido com o projeto da NET quando a ordem por maior convergência desceu da terra de Montezuma, a aquisição da GVT causou rebuliço ao projeto “Beatrix”. Claramente, as imensas sinergias da fusão sobrepujaram os planos em curso. Sob a liderança do então CEO Amos Genish, surge o macro-projeto “Genesis”, tendo como objetivo alcançar de modo pragmático e acelerado a criação de uma única empresa, marca, abordagem comercial, rede e conjunto de sistemas de apoio. Com a mentalidade e estâmina que fez da espelhinho GVT um indiscutível sucesso, Amos trouxe ritmo à nova companhia, culminando numa significativa primeira entrega do “Genesis” em abril, exatamente um ano após o CADE aprovar a fusão. Apostando muito mais em harmonização de processos do que em novos sistemas, as equipes envolvidas (foram 9 projetos em paralelo) trataram de integrar 150 sistemas, oferecendo a convergência originalmente desejada em muitas das ofertas e segmentos atendidos pela companhia.

No âmbito de BSS/OSS, menção honrosa para o projeto “Sophia” ao reutilizar grande parte do stack original da GVT (projetado e implementado em 2000), integrando-o às facilidades e abrangência de rede da VIVO para unificar a experiência em termos de ofertas fixas para clientes originários das duas empresas.

Os outros oito projetos do guarda-chuva “Genesis” completam o ecletismo da iniciativa: unificação das marcas, mudanças necessárias para unificação financeira/societária, ofertas quad-play em busca de aumento de ARPU e fidelização, racionalização de vendas e pós-vendas no segmento B2B, desacoplar oferta comercial do meio físico utilizado para a entrega do serviço (ex: grade de canais num pacote de TV entregue via fibra, satélite ou tradicional cabo coaxial), harmonização de procedimentos e sistemas para gestão de RH, entre outros. A serem confirmadas as sinergias originalmente identificadas, a VIVO será figurinha fácil nas premiações da indústria por um bom tempo.

Receita do Sucesso?
Racionalizando as experiências relatadas, fica evidente que a maturidade organizacional e a disciplina na execução da mudança são mais importantes que o aspecto funcional ou vantagens tecnológicas das novidades apresentadas pelos fornecedores de tecnologia. Na atual conjuntura nacional, o lema “custar menos & vender mais” se faz ainda mais premente. É animador ver iniciativas que o materializam de maneira muito eficiente ao aproveitar ativos existentes de forma a entregar valor ao negócio e, em última análise, ao cliente.

* Eduardo Amaral é sócio-diretor da Kaena e consultor na Katalyse