Artigo: Conectando data centers sob o mar

Por Hector Silva (*) – 13.06.2016 –

Hector Silva, diretor de tecnologia em vendas estratégicas da Ciena.
Hector Silva, diretor de tecnologia em vendas estratégicas da Ciena.

Milhares de anos atrás, nossos primeiros antepassados se instalaram perto da água e ergueram pequenos assentamentos, que prosperaram ao longo dos séculos até se tornarem as grandes metrópoles de hoje. Eles se instalaram perto da água porque as terras das proximidades eram férteis e, desse modo, poderiam ser cultivadas, os animais das fazendas poderiam ser alimentados, e a própria água, pelo menos a doce, proporcionava fornecimento constante de água potável. Essas fontes de água acabariam sendo utilizadas para o transporte entre os principais assentamentos, levando ao comércio e às comunicações. As principais vias navegáveis ​​logo se tornaram as mais importantes rotas comerciais, cujos caminhos mais curtos eram considerados os mais rápidos e, muitas vezes, os mais seguros para viajar. À medida em que as cidades cresceram, seus portos se tornaram centros de comércio para a troca de bens e serviços. E o que isso tudo tem a ver com os data centers? Logo chegaremos lá.

As rotas marítimas atuais costumam escolher o caminho mais curto entre os portos das grandes cidades, o que minimiza o consumo de combustível, o tempo de viagem e custos disso decorrentes. Os cabos submarinos seguem caminhos semelhantes, conectando as mesmas grandes cidades para diminuir a quantidade de hardware e assim minimizar o custo e tempo da viagem (latência). Talvez por isso, a grande maioria das falhas em cabos submarinos sejam atribuídas a embarcações marítimas.

Conectar as cidades diretamente por meio de cabos submarinos fazia todo o sentido uma vez que a maior parte do tráfego no início era de voz e as cidades são o lugar onde a maioria das pessoas vivem. No entanto, muita coisa mudou na última década, com os dados agora superando a demanda por voz. De onde vem esse tráfego de submarinos e para onde ele vai? Eles trafegam entre os enormes data centers operados e de propriedade dos grandes provedores de conteúdo de Internet (ICPs) para aplicações inerentes ao conteúdo como backup, restauração, caching, balanceamento de carga e sincronização. Em suma, os data centers conversam entre si – e muito.

O efeito dos ICPs nos cabos submarinos
Os ICPs têm um enorme impacto na quantidade de tráfego transportado por cabos submarinos. Embora a Internet pública tenha usado por mais de uma década a maior parte da largura de banda, uma importante mudança está em andamento. Redes privadas, lideradas por grandes ICPs, estão acrescentando capacidades a um ritmo mais rápido do que as operadoras tradicionais de backbone da Internet.

De acordo com a TeleGeography, a largura de banda das redes privadas ao longo do corredor transatlântico, que liga a América do Norte à Europa, excedeu pela primeira vez a largura de banda da Internet em 2014. De acordo com a mundialmente respeitada empresa de consultoria, até 2019 as redes privadas serão responsáveis ​pela maior parte da utilização da largura de banda internacional. Assim, de fato faz sentido o lançamento de novos cabos submarinos em grandes cidades ou em seus arredores, desde que os data centers estejam realmente localizados entre elas.

Inicialmente, os data centers foram instalados em locais próximos aos usuários finais nas cidades mais densamente povoadas. Contudo, essa prática vem se tornando algo incomum com os data centers sendo construídos longe das grandes cidades para aproveitarem ambientes ​​regulatórios mais favoráveis, custos imobiliários e de energia mais baixos ou por outras formas de redução de custos, como incentivos fiscais.

Data centers de grandes dimensões foram construídos ainda em locais remotos em países nórdicos como Suécia e Finlândia de modo a aproveitar o ar frio para refrigerar as instalações e diminuir custos com energia. A Islândia, em virtude de sua energia geotérmica abundante, de baixo custo e ambientalmente amigável, de repente se tornou um local privilegiado para data centers. Independentemente de onde estejam localizados, em última análise, é a rede que determina a experiência do usuário.

Sejam pessoas ou máquinas, os usuários precisam ter acesso ao conteúdo armazenado em data centers remotos, o que exige uma conectividade de rede de alta velocidade que, por sua vez, impulsiona novas construções de cabos submarinos. Os grandes data centers situados longe dos centros das cidades desafiam a tradicional localização dos terminais terrestres dos cabos submarinos: dentro ou muito próximo do perímetro urbano. As redes terrestres interiores poderão então conectar os usuários com o conteúdo desses data centers. Embora a aprovação de novos locais para terminais terrestres de cabos submarinos seja muito difícil, acredito que os ICPs tenham a alavancagem necessária para fazer isso, se assim desejarem. O tempo dirá.

Para cabos submarinos dedicados principalmente à interconexão de data centers (DCI), faz sentido considerar a retirada do Submarine Line Terminating Equipment (SLTE), o equipamento de terminação de linhas submarinas, das tradicionais estações terminais dos cabos (Cable Landing Stations – CLS), e a sua transferência diretamente para dentro do data center. Esta é uma opção viável quando se utiliza a última geração de SLTE, capaz de atravessar oceanos com uma margem remanescente suficiente para avançar centenas de quilômetros mais para o interior em ambas as extremidades do cabo submarino.

A Ciena chama de GeoMesh essa arquitetura de rede POP-to-POP, que anteriormente unia redes terrestres e submarinas. Alguns componentes permanecerão no CLS, como o equipamento de alimentação de energia (Power Feed Equipment – PFE), porém faz sentido mudar o SLTE para o interior.

Os ICPs agora desempenham um papel de destaque no desenvolvimento das redes submarinas, e participarão cada vez mais como investidores-âncora e/ou participantes de consórcios nas construções de novos cabos submarinos. Eles também poderão decidir construir seus próprios cabos submarinos privados. Dada a afinidade dos ICPs com redes abertas, como fica evidente no Open Compute Project e no Telecom Infra Project, não é surpresa que eles sejam defensores ferrenhos dos Open Cables, que visam separar as wet plants (todos os componentes da parte submersa do sistema) dos SLTEs. Isso permite aos ICPs escolher entre uma vasta seleção dos melhores fornecedores de wet plant, de sistemas SLTE e de gerenciamento de rede (Network Management Systems – NMS).

As redes abertas submarinas são alcançadas através da adoção de APIs abertas que virtualizam os ativos das redes submarinas, algo semelhante à virtualização das redes terrestres com o advento das SDN. Dada a natureza POP-to-POP da conectividade para IDC, todas as partes da rede ponta-a-ponta deverão ser perfeitamente interligadas e virtualizadas.
Já falei sobre as redes que interligam os data centers serem submergidas, então por que não submergir os próprios data centers? A Microsoft já está estudando esse assunto com o seu inovador Project Natick. A companhia diz que 50% das pessoas vivem perto da costa, então por que os nossos dados não fazem o mesmo? Esta é certamente uma pergunta instigante. Os ICPs já causaram um profundo impacto nos setores de armazenagem e de computação, e estão tendo um efeito semelhante nos setores de redes terrestres e submarinas. À medida em que o tráfego entre data centers continue a dominar, as lógicas tradicionais do setor de redes submarinas serão certamente desafiadas por ICPs pesos-pesados, ​o que levará a mais inovações. E isso é bom.

* Hector Silva, diretor de tecnologia em vendas estratégicas da Ciena para a América Latina.