Gestão de oportunidades em energias renováveis é desafio nacional

Além da Energia – 10.09.2021 – Para o especialista em energia David Zylbersztajn, o Brasil tem abundância em fontes renováveis. A gestão destes recursos, no entanto, é o grande desafio  A transição para uma energia neutra em carbono não representa apenas um compromisso mundial com o clima. Embora as mudanças sejam necessárias e urgentes no […]

Por Redação

em 10 de Setembro de 2021
O professor do Instituto de Energia da PUC-RJ, David Zylbersztajn (foto: Além da Energia).

Além da Energia – 10.09.2021 – Para o especialista em energia David Zylbersztajn, o Brasil tem abundância em fontes renováveis. A gestão destes recursos, no entanto, é o grande desafio 

A transição para uma energia neutra em carbono não representa apenas um compromisso mundial com o clima. Embora as mudanças sejam necessárias e urgentes no âmbito global, a transformação depende de conscientização e mudanças de comportamento. Essa é a visão do professor do Instituto de Energia da PUC-RJ, David Zylbersztajn, que foi membro da Câmara de Gestão da Crise de Energia (CGCE), criada em agosto de 2001, e coordenou a elaboração do documento com as linhas gerais do racionamento na crise energética que aconteceu na época. 

“Independentemente do porte das empresas, os investimentos em eficiência energética se traduzem em diferenciais competitivos. Isso vale para qualquer consumidor de energia, desde uma empresa de grande porte que demanda grande quantidade de eletricidade até um pequeno comércio ou um consumidor residencial”, destacou. 

Zylbersztajn, que foi secretário de Energia do Estado de São Paulo e também o primeiro diretor-geral da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), considera que existem grandes oportunidades nas áreas de energia eólica, solar e biomassa no Brasil. “As fontes renováveis têm papel essencial nesse momento de transição”, disse ele, em entrevista ao Além da Energia. 

Confira, a seguir, a visão do especialista sobre a atual crise hídrica, as alternativas energéticas para o país e como o desenvolvimento de novas tecnologias representa uma oportunidade. 

A respeito da crise hídrica e energética que estamos vivendo, qual é a diferença do momento atual e a situação que o país enfrentou em 2001? 

Em primeiro lugar, é preciso entender que o Brasil não enfrentou um apagão em 2001. Houve riscos, de fato, mas foram estabelecidas medidas que conseguiram contornar o problema. Naquele momento não houve apagão, mas sim uma redução importante, da ordem de 20%, no consumo de energia. 

A grande diferença entre 2001 e o momento atual é que, naquela época, 85% da geração de eletricidade era de origem hídrica. Então, na ocasião, faltar água era como se faltasse a bateria necessária para gerar essa eletricidade. Era algo gravíssimo. Para efeito de comparação, hoje, na matriz elétrica, a eletricidade oriunda de hidrelétricas responde por aproximadamente 65%. Mesmo assim, é muita coisa. Cada vez que perdemos 10% da capacidade de um reservatório, é como se perdêssemos 7% da capacidade de gerar energia 

Além disso, havia restrição de trocas de blocos de energia entre regiões. A infraestrutura para levar energia de uma região para outra era bastante limitada. 

Outra questão é que, no passado, o nosso parque termelétrico ainda era incipiente, com grande participação de diesel, em detrimento do gás. De lá pra cá houve progressão maior de fontes alternativas – que já não são tão alternativas, como a solar e principalmente a eólica, com grande potencial de crescimento. 

Então você avalia que há mais segurança atualmente? 

Acredito que o risco atual seja menor, mesmo sendo muito além do aceitável, tecnicamente falando. Se a economia crescer muito e não chover nada, a situação será muito crítica. Se não houver programas de estímulo ou de orientação ao consumo consciente, o risco também é alto. Então, é isso que estamos vivendo hoje. Pode faltar energia? Acho que sim, é como estar em um trapézio sem rede de proteção. Por mais que nossos trapezistas sejam bons, o momento é delicado. 

Esta crise poderia ter sido evitada, com políticas de conscientização, por exemplo? 

O Brasil já teve, principalmente nos anos 80 e 90, programas muito bons de eficiência energética. Porém, a população só se tornou mais racional no consumo de energia quando houve o racionamento em 2001. Depois disso, houve um grande aprendizado, mas, ao longo do tempo, não percebemos iniciativas importantes que resultassem em redução do consumo. 

É importante compreender que a eficiência energética não prejudica a qualidade de vida das pessoas ou das empresas, muito pelo contrário. Hoje, infelizmente, poucos indivíduos compram um eletrodoméstico e olham a etiqueta de consumo. Essa deveria ser uma preocupação, mas esse olhar mais atento só se torna possível com campanhas institucionais do governo. 

Se estas pessoas analisassem o custo-benefício de um aparelho com maior eficiência energética, veriam que representam uma possibilidade de economia. O mesmo vale para empresas de diferentes portes. Quanto menos energia é gasta, mais economia existe, o que faz diferença para a competitividade. 

Quais são os ganhos da eficiência energética? 

Além do aspecto econômico e de competitividade, melhorar a eficiência energética é a solução mais viável, não apenas para a economia, mas também para a redução de gases de efeito estufa. Quanto menos se consome, menos se gasta de energia e menos se emite. É preciso que ocorra uma mudança de cultura para que isso aconteça no Brasil. 

Para organizações de menor porte, o grande problema é a falta de políticas públicas, seja para conscientização, seja para aquisição de novas tecnologias. Uma pequena serralheria, uma vidraria, uma churrascaria, entre outros pequenos empreendimentos, consomem muita eletricidade, que chega a representar um terço ou mais de seus custos. Então, a redução do consumo de energia traz competitividade, além do bem comum, especialmente neste momento de crise. 

Para grandes empresas a lógica não é diferente. A diferença, no caso, é que essas organizações têm acesso a novas tecnologias e soluções que possibilitam a redução do consumo de energia. Em empresas nas quais a eletricidade é determinante para o custo final do produto, como nas áreas de alumínio ou cerâmica, por exemplo, a redução do consumo leva ao aumento de receita. Então, em tais casos, a cultura de eficiência energética já existe, pois é um diferencial competitivo. 

A matriz energética brasileira já tem baixas emissões. Que mudanças são necessárias para garantir maior eficiência e afastar novas crises? 

O Brasil está muito bem posicionado em termos grandes projetos hidráulicos. Acredito que atingimos o nosso limite. Ainda existem oportunidades, como na Amazônia, mas também há dificuldades, pois o custo para distribuir essa energia para outras regiões é elevado. Acredito ser muito pouco provável que surjam novos projetos para expandir a produção de eletricidade através de geração hídrica. 

Por outro lado, o Brasil tem tecnologia de ponta na produção de biocombustíveis, como etanol, óleos vegetais e eletricidade resultante de biomassa. 

O hidrogênio ainda é uma promessa, porém em médio e longo prazo. O Brasil, ao contrário de outros países do mundo, tem enorme potencial para expansão da energia solar e eólica offshore. Há um leque de oportunidades e o desafio, portanto, é fazer a gestão dessa abundância de fontes renováveis. 

Além disso, na transição do petróleo para fontes renováveis, o gás tem papel muito importante e o Brasil tem esse gás. A carência é mais do ponto de vista de infraestrutura do que de combustível. Então, resumindo, a gestão das oportunidades é o desafio nacional. 

De que maneira a privatização da Eletrobrás vai impactar o setor energético? 

A visão de que a Eletrobrás precisava dessa injeção de capital é unânime, pois estamos falando de uma capitalização, com a venda de participações por parte do governo. Ainda existem pontos de atenção. Por exemplo, não ficou claro como isso vai impactar nas obrigações de produzir eletricidade em determinadas regiões, quais serão os subsídios, entre outras questões. 

A venda deverá se concretizar no início do ano que vem. Outros projetos, de médio e longo prazo, talvez não tenham viabilidade econômica. Temos de esperar para ver. Sou a favor de que o governo tenha o papel em regiões pioneiras, além do chamado subsídio cruzado, ou seja, regiões que receberam investimentos públicos por muito tempo deveriam contribuir, de alguma maneira, para a expansão dos benefícios para outras localidades. 

Como a descarbonização afeta os empregos no Brasil? Isso representa uma oportunidade ou ainda há riscos para empresas que atuam na área de petróleo? 

As novas fontes de geração de energia representam uma grande oportunidade. Hoje, o setor de petróleo tem uma sofisticação tecnológica incomparável. Se imaginarmos o progresso técnico do Brasil para explorar o Pré-Sal, vemos que a maior riqueza é a qualificação da mão de obra. 

Esses profissionais altamente qualificados vão participar dessa transição. O momento atual proporciona oportunidades não somente para jovens, mas também para quem já está no mercado. Temos profissionais de ponta aqui, com base conceitual e técnica, prontos para se reinventarem, com muita rapidez. 

A descarbonização, juntamente com a descentralização, a democratização e a digitalização, será o diferencial para o futuro. Estes são os “4Ds” que farão a diferença. 

Como a tecnologia pode melhorar a eficiência energética? 

O 5G vai mudar muito o setor, com a aplicação de inteligência artificial, controle do consumo, internet das coisas (IoT), machine learning e outras soluções. Temos uma evolução que está só começando. As redes smart grids (redes inteligentes) serão a base das cidades inteligentes. 

Várias organizações, como a ENGIE, já estão avançadas nesse processo de digitalização. É possível perceber que a transição envolve questões tecnológicas, econômicas e ambientais. A energia tem papel fundamental no mundo e deve alavancar a economia pós-pandemia, sendo que cada vez mais as soluções inteligentes devem se destacar.