Mudanças climáticas afetarão o Porto de Santos

Da Redação – 09.05.2017 –

Um estudo do governo Federal, desconhecido por autoridades do setor, aponta os efeitos das mudanças climáticas no Porto de Santos e as obras necessárias para sua proteção.

No prazo de três décadas, o Porto de Santos começará a ter suas operações comprometidas devido a eventos naturais decorrentes de mudanças climáticas que afetarão não apenas a costa brasileira, mas as regiões litorâneas de todo o mundo. A constatação é de um estudo encomendado pelo governo Federal junto a pesquisadores e acadêmicos, que realizaram o trabalho entre 2013 e 2015. Apesar dos dados levantados, a pesquisa permaneceu engavetada em algum gabinete oficial e permanece desconhecida das autoridades do setor.

Batizado de “Brasil 2040: cenários e alternativas de adaptação à mudança do clima”, o estudo foi conduzido pela Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, para mapear o impacto das alterações climáticas nas atividades econômicas, nos portos e no cotidiano das pessoas. Considerada a mais ampla pesquisa sobre o tema realizada pelo governo, ela foi elaborada por especialistas das principais universidades do país e se destacou por indicar as medidas necessárias para o Brasil se adaptar aos novos padrões de temperatura, chuvas e ventos, reduzindo seus efeitos na vida da população.

O estudo analisou os reflexos dessas mudanças em seis áreas: recursos hídricos, energia, infraestrutura urbana e costeira, agricultura, transportes e saúde. A parte de infraestrutura urbana e costeira foi coordenada pelo professor Wilson Cabral de Sousa Júnior, do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA). A análise dos portos foi conduzida pelo professor Paolo Alfredini, da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), um dos nomes mais conceituados no país em Engenharia Portuária, que nas últimas décadas vem se dedicando a pesquisar o impacto das mudanças climáticas nesse setor, especialmente em Santos.

Reflexos no porto

Os dados relativos ao Porto de Santos constam do relatório “Recomendações para Adaptação às Mudanças Climáticas na Região Costeira e Infraestrutura Portuária Brasileira”, um dos mais de 30 documentos produzidos no âmbito do projeto. Datado de 8 de junho de 2015, ele descreve como os principais complexos portuários brasileiros serão afetados pelas mudanças climáticas: a elevação do nível do mar e a ocorrência de “eventos extremos” – como tempestades e ressacas – com maiores frequência e intensidade.

O estudo não indica especificamente de quanto será o crescimento do nível do mar em Santos, mas pesquisas anteriores apontam um aumento de 35,3 centímetros por século, considerando as duas últimas décadas, e que pode chegar a 80 centímetros por século em 2050. O destaque é que esse fenômeno pode provocar o “afogamento” das áreas de mangue que predominam na costa brasileira, devido à invasão das águas do mar.

Essa vegetação desempenha um papel estratégico ao reter os sedimentos trazidos pela chuva, do continente para o canal do porto. Com sua redução, haveria um aumento do assoreamento (deposição de sedimentos no estuário) e uma maior necessidade de dragagem. De acordo com o relatório, essa situação vai aumentar de 7% a 19% os volumes de dragagem necessários até 2050, na comparação com as médias registradas nas décadas de 1990 e 2000.

Outro efeito da elevação do nível do mar é a redução da borda livre do cais (distância do piso do costado ao nível médio da maré). Conforme o estudo, em 2015 o complexo santista tinha de 1,18 a 1,58 metro de borda livre. Em 2030, restará entre 0,88 e 1,28 metro e, em 2050, de 0,72 a 1,12 metro. Com isso, os especialistas apontam uma maior deterioração da infraestrutura de acostamento, que ficará mais exposta à maré.

Investimentos necessários

O relatório “Brasil 2040” destaca ainda a intensificação das inundações nas retroáreas e nos acessos ao porto, por rodoviários e ferroviários. Para proteger o complexo portuário de Santos dos efeitos das mudanças climáticas, ele propõe seis medidas, algumas a serem realizadas imediatamente. O conjunto de obras necessárias à adequação do porto exigirá investimentos de R$ 4,66 bilhões, em valores atualizados, a serem realizados até 2050. A mais urgente delas passa pela gestão dos manguezais, com a realocação dessa vegetação para pontos mais altos da margem do estuário de Santos.

Outras propostas são a elevação da infraestrutura do porto até 2030, o que demanda um novo projeto da rede de microdrenagem e investimentos de R$ 481 milhões. O estudo também sugere o redimensionamento do sistema de macrodrenagem do complexo, especialmente na retroárea (a zona Noroeste de Santos já sofre com alagamentos) e de seus acessos rodoviários e ferroviários, uma vez que as inundações devem ser intensificadas. A intervenção está orçada em R$ 1,03 bilhão e pode ser executada até 2050.

A fim de combater o maior assoreamento no canal de navegação, a equipe do Brasil 2040 propõe a implantação de molhes guias-correntes na entrada do canal de navegação até 2030. O empreendimento custaria, em valores atuais, cerca de R$ 383 milhões. Para reduzir o impacto das inundações, especialmente com a intensificação de fortes tempestades e ressacas, o estudo recomenda implantar barreiras móveis estuarinas – estruturas já adotadas em portos como Roterdã (Países Baixos) e Veneza (Itália). A medida pode ser adotada até 2050 e figura como a mais cara no conjunto de obras, exigindo investimentos de R$ 2,76 bilhões.

Reação das autoridades

O conteúdo do relatório “Brasil 2040” foi divulgado inicialmente pelo jornal A Tribuna, de Santos, e a reação imediata das autoridades foi anunciar seu desconhecimento em relação à pesquisa. Em nota à imprensa, o Ministério dos Transportes, Portos e Aviação Civil informou que não conta com estudos específicos sobre o assunto. Mas lembrou que a empresa estatal Codesp, que administra o porto de Santos, realizou um estudo sobre a erosão na região da Ponta da Praia, um processo relacionado ao aumento do nível do mar.

O ministério também destacou que o Sistema de Gerenciamento do Tráfego de Embarcações (VTMIS) do porto, que começará a funcionar no próximo ano, irá monitorar as condições das marés. Já a prefeitura de Santos informou que pretende analisar o relatório e suas recomendações dentro dos esforços para adequar a cidade às mudanças climáticas – tarefa a cargo de uma comissão desde 2015. Atualmente, a administração municipal prepara uma licitação para contratar estudos sobre como se adequar ao aumento do nível do mar.