No Dia Mundial da Água, copo meio cheio e meio vazio

Pablo Fava (*) – 22.03.2021 – 

Desde 1993, o mundo celebra o Dia Mundial da Água em 22 de março. No ano anterior, a Organização das Nações Unidas havia apresentado a Declaração Universal dos Direitos da Água, com uma série de informações que chamavam a atenção para a urgência em se refletir sobre o uso da água. Quase trinta anos se passaram e o tema cresceu enquanto desafio para toda a sociedade.

Na verdade, a consciência sobre o tema já contava com pelo menos duas décadas de construção. No início dos anos 1970, durante a Conferência de Estocolmo, começou a se desconstruir a ideia de que a natureza ofereceria seus recursos de forma indefinida à sociedade. O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente ligou o sinal de alerta para o mundo todo.

No Brasil, em 1988, a Constituição Federal estabeleceu que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, e que cabe ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. Vários anos depois, em 2007, a Lei do Saneamento Básico previu a universalização do abastecimento de água e do tratamento da rede de esgoto.

O aspecto sombrio dessa reflexão é perceber que mais de trinta anos se passaram desde a promulgação da Constituição e quase uma década e meia da Lei do Saneamento Básico e, ainda, uma parcela significativa da população brasileira está à margem desses direitos. Segundo o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), quase 35 milhões de brasileiros não têm acesso à água tratada e cerca de 46% do esgoto gerado no País não é tratado, com os consequentes impactos na saúde da nossa população.

Mas, se há um lado preocupante nesse panorama, também há aspectos positivos a serem avaliados. Segundo dados das Nações Unidas, o Brasil é o país com a maior reserva de água doce do mundo com uma grande diferença com o segundo (Rússia) e o terceiro (Canadá) colocados. Esta posição ganha ainda mais relevância quando se observam as dimensões dos três países, já que tanto Rússia quanto Canadá dispõem de áreas territoriais maiores que a do Brasil.

A maior parte desse grande volume de água, no entanto, está concentrada na região amazônica (cerca de 70%). A Região Sudeste, que abriga quase 45% da população, dispõe apenas de 6% das reservas aquíferas do Brasil. Outra situação paradoxal está na questão do tratamento de efluentes: a mesma região amazônica que concentra 70% da água doce tem apenas 10% de esgoto tratado.

Esse panorama desigual em muitas dimensões torna necessárias – e de forma imediata – medidas que ampliem a eficiência do sistema de distribuição e de tratamento de água no Brasil. Um passo decisivo foi dado com a aprovação do Marco Regulatório do Saneamento, que estabelece objetivos audaciosos, como 99% da população brasileira com água potável em casa até dezembro de 2033 e 90% da população com coleta e tratamento de esgoto até a mesma data. O documento também prevê ações para mitigar o desperdício de água e para o aproveitamento de água das chuvas.

Ao incluir o investimento privado no setor, permitindo sua participação em licitações, o marco regulatório do saneamento deve contribuir para acelerar novos projetos no segmento. Além dessa inclusão, a nova regra também estabelece metas de produtividade e penalidades relativas ao não cumprimento desses objetivos para as empresas vencedoras das licitações. O setor de água e de saneamento, portanto, vai precisar investir em sistemas eficientes, a fim de garantir viabilidade econômica para os novos empreendimentos.

A tecnologia pode ser uma valiosa aliada nesse novo panorama. A incorporação de soluções de digitalização tem o potencial de ampliar a transparência dos sistemas de fornecimento e tratamento de água. Mapeamento do abastecimento e do consumo de água, diagnóstico remoto dos equipamentos das redes de distribuição, predição e manutenção precoce de ativos do setor, tudo isso guiado por algoritmos, podem e devem incrementar fortemente a eficiência do segmento.

A automação do setor também se apresenta como instrumento de grande potencial, assim como as soluções para aumento da eficiência energética, por exemplo, com a incorporação de inversores de frequência nos sistemas de distribuição de água e de tratamento de esgoto. Energia, por sinal, é um capítulo de extrema importância para o segmento, com a utilização de soluções de distribuição de energia que sejam, ao mesmo tempo, mais eficientes e ambientalmente adequadas.

Não basta termos a maior reserva de água doce do mundo se não fizermos mudanças urgentes. Cabe a nós brasileiros – cidadãos, empresas, governo, instituições, ONGs – sermos protagonistas dessa transformação. Temos 12 anos de trabalho pela frente, esses são anos de compromisso com a saúde do nosso povo e do nosso meio ambiente, uma pauta fundamental e prioritária que deve nos inspirar para persistir até atingir o objetivo proposto.

* Pablo Fava é CEO da Siemens.