Afinal, o que Elon Musk tem a ver com infraestrutura?

Nelson Valêncio – 16.01.2019 – 

A irritação dos bilionários pode ser lucrativa. É o caso de Elon Musk, criador da fabricante de carros elétricos Tesla. Entediado no trânsito de Los Angeles, ele percebeu que a chateação poderia ser criativa. Em dois tempos, passou do boring, adjetivo que significa entediante em inglês, para seu novo empreendimento, a Boring Company, de boring, substantivo para perfuração. Um dos produtos da empresa é a construção de túneis gêmeos, que permitem alta velocidade e funcionam como uma válvula de escape do engarrafamento. O primeiro deles, com pouco mais de 1,8 km de extensão, na cidade de Hawthorne, na Califórnia, foi completado no final do ano passado. Então, respondendo: Musk já está no mercado de infraestrutura, trazendo a disrupção a um universo literalmente concreto.

A ligação direta entre o aeroporto internacional de Chicago ao centro da cidade é outro dos projetos listados. Há uns 15 anos fiz o trajeto, usando o trem da chamada Blue Line. Aliás, fui para o aeroporto, despachei as malas e como tinha tempo suficiente, resolvi voltar para o centro da cidade para um passeio rápido. Para um neurótico como eu que chega pelo menos seis horas antes de um voo internacional, o simples ato de sair da segurança do local e aventurar-se para fora do aeroporto só foi possível porque eu confiava na infraestrutura. Se a linha de trem fosse interrompida por qualquer razão, eu estaria em maus lençóis…

As contas não parecem fechar, mas a disrupção chegou

Caso o Express Loop (o nome do novo projeto de Chicago) vingue, a distância passa a ser feita em média em 12 minutos, com os veículos sendo movidos por uma espécie de skate que corre a 240 km/h. É uma mudança e tanto para o tempo comum atual, entre 40 e 45 minutos. Mas há um detalhe. A tarifa seria de US$ 25 por pernada, ou seja, cinco vezes mais do que se cobra na Blue Line. Aqui, entramos na nuvem. Não na nuvem do mundo digital, para onde são enviados todos os dados. Entramos numa nuvem onde nem toda a informação está disponível para uma avaliação mais substanciosa. O túnel recém-inaugurado teria custado US$ 10 milhões, mas o valor não incluiria os custos de perfuração e nem os de pesquisa e desenvolvimento, de acordo com a reportagem da CNN.

O especialista Remington Tonar, criador da StateOf, consultoria focada em infraestrutura, mas com um pé no mundo digital, traz outros dados. De acordo com o artigo Make projects more responsable, not just disruptive, algo como Faça projetos mais responsáveis e não apenas disruptivos, numa tradução livre, publicado em dezembro de 2018, a conta pode ser tão polêmica como é o bilionário americano. Tonar cita a pesquisadora Laura Bliss, do CityLab, que destaca os custos de construção do Express Loop estariam por volta de US$ 55,5 milhões por milha, um valor bem discrepante dos US$ 920 milhões por milha do Central Subway, de São Francisco, considerado um projeto tradicional de infraestrutura.

Apesar disso, a entrada de novos players no universo de construção civil pode tirar o segmento de um certo atraso em relação a outras indústrias no quesito digitalização e mesmo quando o assunto é produtividade. Vamos dar um salto para outra empresa, que não é exatamente neófita no ramo, mas que tem uma cultura diferenciada. Trata-se da Aecom, focada em projetos, construção, manutenção e operação de empreendimentos em segmentos tão diversos como os de rodovias e mineração. A companhia entrou na disputa com a peso pesado Bechtel, que já estava em negociação adiantada com a Texas Central, idealizadora de um trem bala entre Houston e Dallas. Com a proposição da Aecom, o projeto pode virar um sistema maior colocando Austin e San Antonio no itinerário.

Infraestrutura atrasada pesa no PIB

É da Aecom, aliás, uma pesquisa que mapeia o futuro da infraestrutura. O documento consolida a opinião de 500 especialistas da indústria que participem de projetos acima de US$ 100 milhões. Os dados mostram que a construção civil precisa focar, prioritariamente, em dois pontos para recuperar o atraso: preparar os projetos para o sucesso, eliminando problemas como os 20% de queda de produtividade observados nos Estados Unidos desde os anos de 1980 até agora; e usar a tecnologia para liberar o poder da entrega integrada de projetos. Em português mais simples: novas técnicas construtivas e utilização de recursos que a digitalização tornou reais, de impressão 3D a realidade virtual.

Não se convenceram? Falemos de outra forma. Segundo a pesquisa da Aecom, os Estados Unidos perdem US$ 3,7 trilhões em toda a cadeia da economia em função do atraso médio de seis anos nos programas de infraestrutura pública e privada. No Reino Unido, somente entre 2015-16, o impacto do atraso de investimentos em infraestrutura resultou numa perda de US$ 46,7 bilhões na economia. Então, pra resumir, pode ser que Elon Musk e outros players não resolvam completamente o gap de infraestrutura, mas a energia que eles trazem é inspiradora.