Infraestrutura é a nova seara do setor de construção dos EUA

Rodrigo Conceição Santos (*) – 18.01.2023 – Vendas de cimento devem cair pela primeira vez em 13 anos nos Estados Unidos, mas o resultado não é alarmante e se apresenta como uma transição para o protagonismo que as obras públicas de infraestrutura devem assumir nos próximos anos.

Em 2023, a indústria de cimento dos Estados Unidos pode experimentar a primeira queda em 13 anos. Mas a projeção, mesmo que negativa, não é alarmante, sendo que algumas medidas – principalmente para incentivar investimentos privados neste ano – podem arrefecer o declínio. Além disso, começam agora os investimentos do pacote trilionário de infraestrutura, cujas obras e aportes devem chegar ao pico em 2024 e consumir grandes volumes de cimento e outros materiais de construção.

As avaliações são da Portland Cement Association (PCA), uma das principais instituições de construção dos Estados Unidos e a quem o InfraROI acompanha desde 2016 nas coberturas anuais da World of Concrete, em Las Vegas.

A PCA avalia que, de modo geral, a economia dos EUA está enfraquecendo gradualmente desde o segundo semestre de 2022, e isso é decorrente do peso da inflação, do aumento das taxas de juros e das turbulências geopolíticas. “Combinadas, essas forças elevaram os custos das mercadorias. Os gastos dos consumidores estão diminuindo e a incerteza dos investidores aumentando. Neste ano, portanto, o crescimento econômico deverá enfraquecer e espera-se que o mercado de trabalho perca alguns empregos”, disse Ed Sullivan, economista-chefe e vice-presidente sênior de Inteligência de Mercado do PCA.

Sem recessão à vista

Nada, como adiantado, deve criar recessões profundas e a projeção da taxa de desemprego nos EUA para 2023 é um exemplo para esse equilíbrio. Sullivan prevê que ela salte de 3,7% para 4,7%, mantendo-se em um patamar razoável para os padrões norte-americanos. “Com a economia mostrando mais resiliência no curto prazo, o Federal Reserve (Fed) pode ser mais agressivo com aumentos de juros. Uma recessão, caracterizada por desemprego acima de 6%, portanto, é improvável”, disse.

Por esse contexto, a PCA espera mais atividades do setor privado de construção durante 2023, com principal impulso das construções residenciais, que têm vivido bons anos passados e contam, atualmente, com preços de locação em alta. “Vale pontuar que o esperado aumento do investimento público – com base na lei bipartidária para investimentos em infraestrutura (IIJA – que deve aplicar 1,2 trilhão de dólares no setor até 2027) começa a se concretizar neste ano, mas em volumes iniciais que podem decepcionar a muitos”, pontua Sullivan.

Construção residencial nos EUA

Nos últimos anos, a construção residencial tem sustentado a indústria de cimento dos EUA. Em 2022, ela respondeu por mais de 80% do volume comercializado, com um crescimento de 4% sobre o ano anterior. Para os próximos 18 meses, a PCA espera que as obras residenciais continuem como carro-chefe, mas sem serem o suficiente para fazer o mercado de cimento crescer sobre 2022.

Para a PCA, a construção residencial é composta por unidade unifamiliar (casa), unidade multifamiliar (prédio) e melhorias residenciais. A construção unifamiliar representa 67% do total de construção residencial e, nos últimos anos, esse nicho tem crescido devido às baixas taxas de hipotecas. “Em meados de 2021, hipotecas de 30 anos poderiam ser obtidas a uma taxa inferior a 3% ao ano. Taxas tão baixas permitiram vendas vibrantes de casas novas, mesmo num contexto de aumentos agressivos dos preços. Com o recente aumento das taxas de hipoteca (impulsionado pela inflação), a acessibilidade às casas novas diminuiu drasticamente. Em comparação com os níveis de 2020, os pagamentos mensais médios de novas casas aumentaram cerca de 90%”, explicou Sullivan.

A PCA revisou os 350 principais termos de preços de novas casas e renda nos EUA, calculando o pagamento da hipoteca como uma porcentagem da renda familiar. Ela também comparou estimativas de acessibilidade antes da Covid-19 (média de cinco anos), durante 2021 sob os preços das casas e taxas de hipotecas predominantes e, por fim, as projeções para 2022/2023. “Com base nesta revisão, a PCA acredita que os riscos previstos para a compra de primeiros imóveis por famílias está em proporção negativa para 2023 e 2024.

Infraestrutura é a esperança

No setor público dos Estados Unidos, o crescimento do comércio de cimento é impulsionado pelas finanças municipais, estaduais e federais. Em suma, quanto mais fortes as finanças de determinada região, maior o consumo de cimento nela.

Segundo Sullivan, as perspectivas financeiras, de acordo com a Associação Nacional do Orçamento do Estado (NASBO), são sólidas, esperando-se um aumento de 4,3% nos fundos dos estados, municípios e federação em 2023. Porém, para 2024, é possível que o aumento do desemprego previsto impacte também nas receitas públicas, reduzindo a sua capacidade de investimento.

O foco do setor público está nas obras de infraestrutura, que aguardam os primeiros reflexos do investimento de 1,2 trilhão de dólares prometido. Parte desse aporte deve atender a extensão de programas de infraestrutura já existentes e, segundo a PCA, isso ajudará a manter o consumo de cimento nos mesmos níveis de anos anteriores. Porém, dentro do IJJA, está estabelecido o aporte de 550 bilhões de dólares em novos projetos. E é sobre essa parcela que a indústria de cimento dos EUA espera obter os próximos níveis de crescimento.

“Ao olhar para o quadro geral dos gastos reais com construção e consumo de cimento este ano, devemos esperar que ambos os volumes diminuam, com quedas significativas no segundo semestre de 2023”, disse Sullivan. “Espera-se que a desaceleração seja de curta duração, pois as taxas de juros diminuem ligeiramente e os volumes de infraestrutura mais fortes se materializam de 2024 em diante”, conclui Sullivan.

*O InfraROI está cobrindo a World of Concrete 2023 nesta semana, em Las Vegas, a convite do evento.