A inovação e a crescente intersetorialidade da infraestrutura

Franceli Jodas e Rita Knop (*) – 12.03.2020 – 

A transformação digital vem criando novos modelos de negócio. Na era das startups, da inovação e do crescimento exponencial, até as empresas de capital intensivo, como é o caso das que oferecem serviços de utilidade pública, vêm sofrendo pressões para atender os clientes de forma mais ágil. Em busca de altos índices de qualidade, ampla oferta de serviços, forte pressão social, novos marcos regulatórios, elas buscam o conceito de compartilhamento de ativos como forma de ampliação do escopo de trabalho, sem necessariamente aumentar os bens que possuem.

Um exemplo claro é o que acontece nos setores de energia e telecomunicações que vêm buscando de forma intensa o endereçamento dos desafios através do compartilhamento da infraestrutura de postes, comum entre as duas indústrias. Esse é um tema que vem sendo debatido em todos os níveis da sociedade, incluindo, o Ministério Público, Procon e órgãos responsáveis por licenças ambientais (federal, estadual e municipal), a sociedade civil e, é claro, as agências reguladoras (Agência Nacional de Energia Elétrica – Aneel e Agência Nacional de Telecomunicações – Anatel) que realizaram audiências públicas para a revisão dos regulamentos envolvendo o compartilhamento dos postes.

Esse problema ganhou evidência a partir do crescimento substancial do setor de telecomunicações que disponibiliza, aproximadamente, 40 milhões de acessos à telefonia fixa, 31 milhões de banda larga fixa, 18 milhões de acessos à TV, 5 mil operadoras de SCM (Serviço de Comunicação Multimídia). A consequência disso foi a ocupação desordenada da infraestrutura do setor elétrico, nesse caso, os postes que têm hoje em média 19% de sobrecarga, com ligações, na maioria das vezes, irregulares e clandestinas. Segundo dados das agências, existem cerca de 45 milhões de postes no Brasil. Destes, aproximadamente 24% apresentam problemas de mau uso. De acordo com a Anatel, o custo para resolver esse problema gira em torno de R$ 20 bilhões, o que é mais do que o setor de telecomunicações investe em um ano em serviços e novas tecnologias. Além disso, os impactos negativos para a sociedade são inúmeros, como riscos de acidentes por rompimento de cabos, acidente de trabalho durante manutenção elétrica e o impacto visual nas cidades.

Considerando que, num breve futuro, essa mesma infraestrutura será fundamental para a implantação da rede de 5G, tanto para a instalação das redes óticas de escoamento do alto tráfego como para a própria sustentação aérea dos elementos irradiantes de células de menor cobertura (com o 5G serão necessárias mais antenas e torres por área para a operadora oferecer uma boa cobertura de sinal), a ocupação ordenada da infraestrutura e a conformidade com a normatização técnica são aspectos fundamentais para a eficiência e a sustentabilidade dos setores.

Outras formas de compartilhamento de infraestrutura estão sendo testadas nos setores de utilidade pública como é o caso das transmissoras de energia e das empresas de saneamento que reconhecem a capacidade de contribuir com novas redes de telefonia e, consequentemente, elevar a taxa de utilização dos ativos. Mas, existem desafios dos modelos de negócio, regulatório, tributário e, sobretudo, tecnológico a serem vencidos.

O fato é que o simples compartilhamento da infraestrutura pode não gerar o valor esperado pelos setores e frustrar as expectativas de ganhos mútuos. Entendemos que, para aumentar a viabilidade dessas cooperações, as empresas parceiras precisam investir em um modelo de gestão compartilhada, através de novas tecnologias que possibilitam a visão holística dos processos que envolvam a infraestrutura, o compartilhamento de controles e riscos no modelo fiel de cooperação.

Em suma, as novas tecnologias, que pressionam por níveis de serviço mais complexos, são as mesmas que viabilizam os novos modelos de negócio, desde que as empresas não caiam na tentação de operá-los utilizando o velho projeto de gestão.

*Franceli Jodas é sócia da área de energia da KPMG e Rita Knop é sócia-diretora da área de consultoria de risco da KPMG.