Complexa, reinvenção do sistema elétrico brasileiro é indefinida

Por Rodrigo Conceição Santos – 14.08.2017 –

Ministério de Minas e Energia abriu até consulta pública para receber sugestões, mas poucas ações foram tomadas e o contribuinte continua pagando a conta sem perspectivas de melhora.

O jovem ministro de Minas e Energia, Fernando Bezerra Coelho Filho (33 anos), e o físico José Goldemberg (89 anos) discutem o cenário energético brasileiro no mesmo palco. A diferença de geração demonstra mesmo a complexidade do tema. Os dois participaram de evento sobre infraestrutura na semana passada em São Paulo, e desenharam o cenário complicado do setor junto com outros especialistas. Típico da idade, ao estilo Georges Danton, Alan Turing e outros expoentes dos 30 e poucos, o ministro busca a revolução, criação de novas práticas, legislações e metodologias. Já o físico pondera pela estabilidade das ações em curso e foco em melhorias, principalmente de legados estratégicos, como o mantenimento das hidrelétricas como principal geradora de energia limpa.

As problemáticas dos especialistas são sentidas na prática pelo consumidor, massacrado pelas faturas. Em São Paulo, por exemplo, desde o mês passado os consumidores residenciais pagam por mais um aumento de tarifa, acima dos 5%, fazendo com que os subsídios representem uma fatia maior da conta que o fornecimento de energia em si. Isso explica por que é impossível entender a taxação, principalmente quando se trata de um setor que, “com crise ou sem crise, cresce cerca de 4% ao ano”, como sintetizou Goldemberg.

Fernando Filho, ministro de Minas e Energia.

O ministro Fernando Filho valida o potencial, mas avalia que o sistema elétrico brasileiro vive momento delicado, com a área de geração de energia enfrentando várias dificuldades e a de distribuição em situação pouco menos crítica, mas também demandante de atenção. Ele corrobora citando as taxas negativas de retorno em vários empreendimentos de geração. “Já na distribuição, nos últimos quatro anos, acumulamos prejuízos superiores a R$ 20 bilhões”, diz.

A estatal Eletrobrás, outra demonstração do ministro, enfrenta situação financeira delicada e sustenta um contingente de 24 mil funcionários. “Excessivo”, classifica ele. “Até a holding que administra a estatal está inchada, com 1,4 mil funcionários, enquanto há grandes grupos privados que administram carteira maior e têm menos de um terço desse quadro”, diz.

Por isso, as intenções do Ministério de Minas e Energia (MME) passam pelo desincho do ambiente público nesse setor, pela atração de investimentos privados por meio de legislações mais seguras para leilões e editais e pela descentralização da matriz energética, com mais projetos de geração além das hidrelétricas.

Esses e outros pontos foram abertos para sugestões por meio de consulta pública, lançada pelo MME no mês passado. A atitude rendeu elogios por parte de agentes do setor, como Lauro Fiuza Junior, CEO da Servtec e presidente do Conselho de Administração da Associação Brasileiro de Energia Eólica (Abeeólica), e Roberto Giannetti da Fonseca, presidente da Kaduna Consultoria e ex-Secretário Executivo da Câmara de Comércio Exterior (Camex) no segundo governo FHC (1999-2002).

O documento foi condensado em três pontos, sendo o primeiro a eficiência, o segundo a equidade, o terceiro a sustentabilidade e o intuito é que a partir dele se crie outro plano para substituir o atual Sistema Energético Brasileiro (SEB)

José Goldemberg (imagem da Cofap)

Ponderação
José Goldemberg é ponderado. Primeiro por defender que a tendência de eletrificação não é só brasileira. “É mundial e todos enfrentam dificuldade para supri-la”, diz. Afinal, segundo ele, a energia elétrica é convertida diretamente em mecânica, diferente de outras fontes, como o combustível, que precisam passar por um processo (combustão, nesse caso) para se tornar força mecânica. Por isso a tendência é que se amplie a sua utilização a cada ano.

Olhando para o atual cenário brasileiro, contudo, ele defende que a representatividade de 65% das hidrelétricas na geração de energia elétrica é uma ótima escolha, que precisa ser mantida. “É essa fonte de geração quem vai assegurar o funcionamento de demais fontes, pois não haveria sistema de baterias capaz de armazenar a energia gerada por parques eólicos ou solares, por exemplo, para abastecer um país do tamanho do Brasil”, completa. Para isso, ele defende que além de manter as hidrelétricas existentes, se construa mais, ao passo que o consumo cresce anualmente na faixa de 4% ao ano.

Nesse raciocínio, ele sugere ao MME concentre esforços no diálogo com os órgãos ambientais e jurídicos, que costumam ser os principais entraves nas construções de hidrelétricas, sem ponderar a demanda populacional por energia.

Quanto à desestatização, Goldenberg também é favorável. Mas não com tom de crítica a governos anteriores, pois há um histórico que precisa ser sabido para entender as decisões que foram tomadas até chegar ao cenário atual. “No passado, as empresas de geração e distribuição como a Cemig tinham a função de desbravamento”, diz. Segundo ele, isso justificava a estatização, até porque dificilmente o capital privado se sentiria atraído a investir em projetos sem prazo de retorno garantido. E ainda tinha o comprometimento do Estado em levar energia elétrica a locais que não tinham. “Hoje é diferente. A geração e distribuição se tornaram atividades comerciais. Por isso devem ser privatizadas”, conclui.