Energia do hidrogênio deve assumir protagonismo, defende especialista

Redação (com Além da Energia) – 05.07.2021Em entrevista ao Portal Além da Energia, da Engie, o Professor da UFRJ e Presidente da ABH2, Paulo Emílio Valadão de Miranda, explica a energia do hidrogênio, mostra os cenários brasileiro e mundial para ela e divide as projeções que a tornam a vedete da descarbonização.

Estamos em transição energética e muitos países do mundo têm perspectivas de neutralizar as emissões de carbono até 2050. Para Paulo Emílio Valadão de Miranda, Presidente da Associação Brasileira do Hidrogênio (ABH2) e Professor Titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde dirige o Laboratório de Hidrogênio (COPPE), as motivações da transição energética mundial são diversas, começando pela demanda por energia, que “cresce em escala geométrica”, em suas palavras.

Ele avalia que os métodos tecnológicos atuais de uso de energia são ineficientes e poluentes. Em contraponto, o especialista pontua que a massificação de uso de energias limpas, como as energias renováveis e a energia do hidrogênio, promove a criação de novos polos de mercado, como o das pilhas a combustível, que são os conversores de energia mais eficientes conhecidos hoje e também os que viabilizam o uso de hidrogênio como combustível em muitas aplicações. “Então, a ineficiência dos métodos tecnológicos atuais, o seu impacto ambiental, a insegurança energética associada a sua utilização e a demanda acelerada por mais energia com população crescente servem como forças motrizes da transição energética”, pontua ele.

O crescimento populacional, que é desproporcional socialmente, acentuando as desigualdades e, consequentemente, o nível de agressão ambiental e de mudanças climáticas, é também um motivador para a adoção das energias limpas. Segundo Miranda, isto faz com que a introdução da energia do hidrogênio nas matrizes energéticas de países em vários lugares do mundo contribua para melhorar o acesso à energia e a condição social da humanidade. “Um importante fator de estímulo à transição energética é o ambiental. E este é supremo, pois os métodos energéticos atuais causam malefícios para o planeta, para a biodiversidade e para nós, seres humanos”, afirma.

Sob esse cenário, ele conta, em entrevista ao Além da Energia, como o hidrogênio está assumindo protagonismos no encaminhamento mundial para a descarbonização.

O que é a energia do hidrogênio?

É a utilização de hidrogênio e de compostos que o contém para todos os usos energéticos que precisamos na sociedade. Isso significa que podemos usar hidrogênio para gerar eletricidade, abastecer veículos, equipamentos portáteis, etc. E já produzimos hidrogênio em larga escala hoje. Porém, essa produção é majoritariamente do que chamamos de hidrogênio cinza, ou seja, aquele cuja produção gera emissão de carbono. Esse composto é usado em indústrias químicas, petroquímicas, alimentícias, siderúrgicas e outras. Para se produzir fertilizantes, por exemplo, precisa-se de muito hidrogênio. Atualmente, o mundo produz e utiliza cerca 100 milhões de toneladas de hidrogênio por ano e a perspectiva é que isso se multiplique por seis ou mais até 2050.

Quais são os tipos de hidrogênio e como eles são produzidos?

Quando se produz hidrogênio a partir dos combustíveis fósseis, que é a maior parte hoje, emite-se CO2. Se emite CO2 e não o captura, se configura como hidrogênio cinza. Há outro tipo de hidrogênio que se pode produzir a partir de combustíveis fósseis também, mas “sequestrando” o CO2 e o reutilizando. Este é o hidrogênio azul. E ele vai ser muito importante na transição energética, até que cheguemos à produção do hidrogênio ideal, o verde, em larga escala. Esse tipo de hidrogênio [verde] é configurado basicamente pela sua produção sem qualquer emissão de poluentes. Atualmente, temos tecnologia para produzir, armazenar e transportar o hidrogênio verde, mas não as temos em larga escala.

Há exemplos da produção de cada tipo de hidrogênio, começando pelo azul?

Um grande exemplo está nas refinarias de petróleo. Elas produzem hidrogênio para utilizar no processo industrial e fazem isso através da reforma a vapor do gás natural. Já foi entendido que não só no Brasil, mas também em outros lugares, a captura do CO2 gerado na produção do hidrogênio a partir da reforma a vapor do gás natural permite que se reinjete esse CO2 no poço para empurrar o petróleo durante o processo de extração. O CO2 reage com o solo e fica aprisionado nele. Esta é uma forma de sequestrar o CO2. Há, atualmente, 14 grandes instalações de petróleo no mundo onde esse processo é realizado, e uma delas está no Brasil, na Bacia de Santos.

E o hidrogênio verde, como está no Brasil e no mundo?

Está só começando. As estimativas são que entre 4% e 6% do hidrogênio produzido no mundo seja verde atualmente. Mas a perspectiva é que essa produção deslanche entre 2025 e 2028, com taxas anuais de crescimento elevadas a partir daí.

Quais são as formas de produção do hidrogênio verde?

A mais pujante é pela eletrólise da água. O processo deve ser realizado com a utilização de energias renováveis, que não emitem carbono. Como a molécula da água é composta de duas partes de hidrogênio e uma de oxigênio (H20), a eletrólise se resume à quebra das moléculas, armazenando o hidrogênio e dispensando oxigênio na atmosfera ou armazenando-o. Outra forma é a partir de biomassas, e aqui há uma grande oportunidade para o Brasil. Esse processamento consiste no uso de biomassas de rejeito e de manejo, que são aquelas que restam das mais diversas atividades humanas. No Brasil, temos uma agroindústria muito ativa, que produz muita biomassa e ela pode ser usada para produzir hidrogênio verde. É o caso da cultura da cana-de-açúcar. Os rejeitos da produção de etanol, por exemplo, atingem milhões de toneladas por ano, e parte dessa biomassa hoje é usada em usinas térmicas para gerar energia elétrica. Mas ela pode também ser processada para produzir hidrogênio. E mesmo se houver alguma emissão de CO2 nesse processo, ela não é grave, pois o CO2 não veio do subsolo. É algo que previamente a cana-de-açúcar absorve da atmosfera para fazer fotossíntese. Então, usando biomassa para fazer hidrogênio, mesmo que produza CO2, não se está aumentando a acumulação do poluente na atmosfera e isso classifica esse hidrogênio como verde.