“Continuamos voando em velocidade de cruzeiro e sob condições de estabilidade”, afirma Felipe Cavalieri, da BMC-Hyundai

Por Rodrigo Conceição Santos – 04.03.2016 –

Nesta entrevista exclusiva o empresário assume o espírito arrojado e revela faturamento e estratégias de negócios, além de esclarecer a questão societária da BMC com a matriz da Hyundai na Coreia.

Felipe CavalieriAos trinta e poucos anos, Felipe Cavalieri é um dos empresários mais conhecidos do setor de máquinas e equipamentos pesados para construção e mineração. Fundador da BMC, em 2007, atualmente ele é o presidente de uma joint-venture formada em 2011 entre a sua empresa e a Hyundai Heavy Industries – a gigante sul-coreana que fabrica equipamentos pesados. Nesta entrevista, mesmo reconhecendo a falta de grandes obras no Brasil, a baixa competitividade das indústrias locais para exportar e a queda assustadora de 58% que o mercado de equipamentos sofreu no ano passado, ele afirma que a BMC-Hyundai “voa em velocidade de cruzeiro e sob condições de estabilidade”. Com confiança na presença de mercado já conquistada e na força financeira do grupo coreano, Cavalieri projeta mais dois ou três anos de baixa nesse mercado no país, mas assegura a continuidade dos negócios sem abrir mão do espírito arrojado que caracterizou a BMC-Hyundai no setor.

InfraROI – Em 2007, quando a BMC foi fundada, você dizia que a desvalorização cambial do Brasil não prejudicava as importações de equipamentos da Hyundai para cá, pois a moeda coreana (Won) também estava desvalorizada. Hoje o cenário é o mesmo? E como se explica essa equação?

Felipe Cavalieri: Quando um equipamento sai da Coreia do Sul para os Estados Unidos, converte-se de won para dólar. Como o won estava desvalorizado, uma máquina que custava 100 mil dólares chegava nos EUA por 72 mil dólares, mais ou menos. Exportando dos EUA para cá, convertia-se de dólar para real e essa vantagem suportava o aumento de custo gerado pela desvalorização do real. Então, em resumo, a desvalorização do real era compensada pela desvalorização do won e essa era a vantagem de trabalhar com um fabricante Coreano, como a Hyundai, em relação aos fabricantes norte-americanos ou europeus com os quais concorremos. Hoje, o cenário cambial é semelhante, pois o Won passou de 900 para 1.250 em relação ao dólar, assim como o real passou de 2,60 para 4,00. A diferença é que, atualmente, o problema do mercado brasileiro de equipamentos não é preço, mas sim a falta de demanda. Se não tem obra, você pode oferecer o melhor preço – até perdendo dinheiro – que não vai vender.

InfraROI – Mas agora, que a BMC em joint-venture com a Hyundai tem fabricação nacional de equipamentos, a matemática é outra, certo?

Felipe Cavalieri: Pense que o setor calçadista brasileiro, historicamente, compete com a Ásia. Com a depreciação do real, teoricamente, essas empresas ficaram mais competitivas mundialmente. Só que os países que essas empresas atendem tradicionalmente estão na América Latina, onde também houve desvalorização cambial. Então, as vantagens competitivas passaram a ser outras, como melhor escala de produção, melhor preço logístico, etc. Hoje, tanto a Coreia do Sul quanto o Brasil estão com o câmbio desvalorizado, e em função da escala e custos logísticos que temos lá, ainda fica mais barato exportar uma máquina da Coreia para o Chile ou para o Peru do que do Brasil para lá. A produção coreana é feita em maior escala, a tributação é racional e orientada para exportação, a logística é eficiente, etc. Esse é um alerta para o mercado brasileiro, que ao invés de aproveitar a desvalorização do real para se tornar uma plataforma exportadora, está indo na contramão disso por conta dos seus imbróglios tributários e tudo o mais que envolve o chamado Custo Brasil.

InfraROI – Então a exportação não é uma saída para os fabricantes locais de equipamentos pesados?

Felipe Cavalieri: Como disse, é difícil ser competitivo internacionalmente, mas estamos tentando, com todas as forças, ampliar negócios com os vizinhos latino-americanos. E parte dos nossos resultados positivos têm vindo disso. Outra estratégia que gerou bons resultados foi ampliar competências para brigar por market share internamente.

InfraROI – Como estão fazendo isso?

Felipe Cavalieri: Primeiro é preciso lembrar que o número de competidores no mercado nacional de equipamentos pesados ampliou significativamente nos últimos anos. Portanto, cada ponto percentual ganho em market share é uma grande vitória. No último ano, quando o mercado caiu 58%, de acordo com a Sobratema, nós caímos cerca de 35%, passando da faixa de R$ 1 bilhão de faturamento do grupo para a faixa de R$ 650 a R$ 700 milhões. Isso mostra que – em relação ao mercado – fomos bem, o que só foi possível abocanhando market share.

InfraROI – Você pode precisar os valores de faturamento?

Felipe Cavalieri: A BMC não divulga o número exato do faturamento. Por termos a matriz coreana da Hyundai Heavy Industries como sócia e ela ser uma empresa de capital aberto,  temos muitas restrições impostas pela “CVM” coreana. No entanto, posso dar dimensões de grandeza do nosso negócio, como esse range aproximado do faturamento que lhe forneci.

InfraROI – Você falava das estratégias competitivas…

Felipe Cavalieri: Exato. A estratégia da Hyundai é de longo prazo. Nós não montamos uma fábrica aqui num movimento arrojado para ganhar fatias de mercado. Ao contrário, nós já tínhamos uma boa participação no mercado interno e montamos a fábrica para atende-la. No ano passado, por exemplo, a fábrica trabalhou ao bom nível de produção de mais de mil equipamentos no ano. Outro diferencial é o cruzamento de ações com a BMC, que é sócia da fábrica. Quando se tem um distribuidor, ficando entre o fabricante e o cliente final, cria-se um conflito entre a visão do mercado local e os interesses de vendas da matriz. Por exemplo: o fabricante pede uma reunião com o distribuidor para questionar queda no volume de vendas e ele nunca está seguro se essa queda ocorreu por baixa do mercado ou por incompetência do distribuidor. Aqui na BMC-Hyundai é diferente. Somos sócios e como tal temos uma visão compartilhada do negócio. Tanto é que eu, como executivo líder da BMC-Hyundai no Brasil, tenho dois diretores como braços direitos: um brasileiro, da BMC, e um coreano da Hyundai.

InfraROI – Você pode esclarecer mais sobre a gestão e a estrutura da empresa hoje?

Felipe Cavalieri: Novamente, a Hyundai é sócia da BMC e a BMC é sócia da fábrica da Hyundai. Por conta dessa estrutura societária é que o negócio passou a se chamar BMC-Hyundai no Brasil. Essa nova estrutura tem um conselho de administração, composto por conselheiros independentes, por um conselheiro da Hyundai e por outro da BMC. Respondendo a essa estrutura, estão os executivos, inclusive eu, como presidente. Até por isso eu não faço parte do conselho da empresa

InfraROI – Então a estratégia de mercado é um pouco estilo Lion, nos anos 1960?

Felipe Cavalieri: Não. Acredito que a  Caterpillar nunca tenha sido proprietária da Lion. No caso da BMC-Hyundai, a operação é realmente a quatro mãos. É uma gestão de consenso entre a holding BMC e a matriz da Hyundai. Com isso, é como se a fábrica local tivesse revendedores próprios espalhados por mais de 30 pontos do Brasil. Adiciona-se ainda a vantagem de ter uma gestão de dono, pois estou no front da operação diária. Outro diferencial é a força operacional e financeira de uma multinacional do tamanho que é a Hyundai Heavy Industries.

InfraROI – Voltando a falar de mercado, para quando a BMC-Hyundai projeta um retorno positivo das vendas no Brasil?

Felipe Cavalieri: Desconsiderando o aspecto emocional – que está diretamente relacionado à alguma mudança no quadro político – acreditamos em retomada após dois ou três anos. Enquanto isso, continuaremos afiando o machado com a segurança do suporte de um grupo forte financeiramente, como a Hyundai.

InfraROI – O que você quer dizer com “afiar o machado”?

Felipe Cavalieri: Me refiro à expansão de presença nacional. Hoje, já atendemos praticamente todo o Brasil e, no último ano, ampliamos participação em mercados importantes, como Paraná, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Em adição a essa estratégia, vivemos um momento mais maduro como empresa, com o suporte da fábrica, que produz um volume satisfatório. Por esse cenário, posso dizer que voamos em velocidade de cruzeiro e em condições de estabilidade, mas nunca abandonando o estilo arrojado, que é a nossa principal característica. Afinal, eu sou um empresário arrojado e a Hyundai também é uma multinacional arrojada.

InfraROI – Você acredita que a baixa vivida hoje no mercado será importante para eliminar alguns competidores menos estruturados?

Felipe Cavalieri: Não gosto dessa vertente de separar o joio do trigo por conta da baixa do mercado. Preferiria o mercado em alta e todos brigando para, aí sim, ter o trigo separado do joio com condições igualitárias. Mas é verdade que muitos não resistirão. E o brasileiro tem de parar com essa mania de se envergonhar por ter de fechar uma empresa ou uma operação. Isso é natural, é digno e benéfico em muitos casos. No nosso caso não há essa possibilidade, por todo o respaldo que já comentei e que tem como ponto focal o fato de a fábrica estar aqui, de sermos sócios da Hyundai e, principalmente, de termos fatias significativas de mercado. Aliás, devo reforçar que o grupo Hyundai é quem nos dá a segurança e robustez para atravessar essa tormenta. Se fosse só eu – Felipe Cavalieri conduzindo a BMC – provavelmente já teríamos encolhido junto com o mercado.

InfraROI – Quando a fábrica foi fundada, em 2011, você disse que o retorno sobre o investimento total de US$ 200 milhões viria em 10 anos, considerando o volume do mercado interno e os subsídios tributários concedidos pelo governo do Rio de Janeiro para a instalação da fábrica no Estado. Essa projeção se mantém?

Felipe Cavalieri: Não. No cenário atual, esse retorno tende ao infinito. Isso porque o governo de São Paulo deu o mesmo subsídio a outros concorrentes, com fábricas instaladas há anos no Estado, tirando este acelerador que teríamos no Rio de Janeiro. Depois porque esse retorno leva em consideração uma ampliação do mercado, algo que, como já comentamos, deve demorar a acontecer. Mas, quando ocorrer, as projeções de retorno voltam a ser revistas. Enquanto isso, trabalhamos sobre margem de lucratividade visando produção e venda e, para isso, usamos de um recurso importante, que é produzir quase que sob demanda para o mercado.

InfraROI – Como é produzir equipamento pesado sob demanda?

Felipe Cavalieri: Não significa que esperamos receber um pedido para dar a ordem de produção. Isso seria o melhor dos mundos, mas, obviamente, não é possível diante da complexidade do processo industrial. Porém, novamente sendo beneficiados pela estrutura da sociedade com a Hyundai, temos uma melhor leitura do mercado e aferimos as percepções com pesquisas e projetos de inteligência competitiva. Assim, fazemos um plano semestral de produção e vamos revisando-o e ajustando-o semanalmente.