Legislação kafkiana pode causar o caos na telefonia móvel de São Paulo

Da redação – 20.07.2016 –

Lei municipal, de 2004, limita o licenciamento atual, especifica altas multas para torres não liberadas e pode levar à desativação de estações rádio base (ERBs). Cobertura móvel pode ficar ainda pior, considerando que a capital paulista tem três vezes menos torres do que deveria ter.

Quando a Câmara Municipal de São Paulo aprovou a lei 13.756, em 2004, as estações rádio base (ERBs), componentes fundamentais da telefonia móvel, já tinham evoluído significativamente. A miniaturização eletrônica, entre outros recursos, as transformou em estruturas com dimensões de uma máquina de lavar convencional. Ou seja, bem diferente do tamanho de um contêiner, como era comum uma década antes. Ao contrário da realidade, a única coisa que evoluiu legislação da capital paulista foi o aumento da multa para as ERBs não licenciadas. Detalhe: metade dessa infraestrutura não está adequada à nova normativa, em função do descompasso entre o que determina a lei e a realidade da tecnologia. Ruim? Acredite, pode piorar.

São Paulo tem 7,8% das cerca de 72 mil torres (que sustentam as ERBs) do Brasil. Esse número, segundo a Associação Brasileira de Infraestrutura para Telecomunicações (Abrintel), seria um terço do que a maior cidade do país necessitaria. Apesar de várias liminares, recorrendo de multas e de outros assuntos, a falta de uma nova norma pode levar à desativação de várias ERBs, porque o volume de multas as tornariam inviáveis. Segundo a Abrintel, a prefeitura não enviou ainda à Câmara Municipal o projeto de lei substitutivo de outro projeto, o PL 715, de 2013. Nem mesmo a edição da Lei Geral de Antenas, no ano passado, base para que as legislações da União e dos municípios pudessem ser alinhadas, modificou o processo.

Pela Lei Geral de Antenas, o tempo máximo de licenciamento das torres para instalação das ERBs seria de 60 dias, bem distante do tempo médio entre 1 e 2 anos comum na capital paulista. O resultado é que a cidade tem uma ERB para cada 2,1 mil usuários, considerando a população fixa, e uma para cada 3,5 mil usuários, se for computada a população móvel que transita por São Paulo. O ideal, na avaliação da Abrintel, seria entre 1 mil e 1,5 mil por ERB. A defasagem também impacta economicamente em investimentos de infraestrutura. Sem a segurança jurídica, as empresas do setor – operadoras e donas de torres – protelam o aporte entre R$ 3 bilhões e R$ 4 bilhões no período de 2016 a 2019. Na cidade da torre de Babel de telefonia móvel, em resumo, todos perdem.

Dados do relatório São Paulo: é possível ser a capital digital da América Latina? – Licenciamento de sites para instalação de Estações Rádio Base (ERBs) na cidade de São Paulo: realidades e desafios, divulgado ontem pela Abrintel, mostram que a situação é pior na periferia. “As torres com maiores restrições para o licenciamento estão localizadas em regiões mais carentes, pois, segundo a lei municipal que trata do assunto (de 2004), existem exigências, tais como a largura mínima de rua (dez metros) e a regularidade de imóvel (matricula e escritura) que impedem o licenciamento”, enfatiza o documento.

De acordo com a Abrintel, localidades como Brasilândia, Capão Redondo e Heliópolis praticamente não possuem ruas com mais de dez metros de largura, pois não bairros planejados. Nem os seus imóveis estão totalmente regularizados. A burocracia kafkiana do Brasil não torna as coisas melhores nos bairros de maior poder aquisitivo: as exigências para instalação de antenas no topo dos prédios de regiões adensadas tornam o processo um calvário que pode durar até dois anos.

Diante desse quadro, o que propõe a Abrintel: diálogo. E a conversa incluiria o alinhamento da legislação municipal à Lei Geral de Antenas, incluindo a revisão das normas estabelecidas em 2004 e parcialmente reavaliadas em 2010, suspensão das multas e o diálogo a respeito do legado de infraestrutura existente.