Operadoras enfrentam oceano tingido de sangue

Por Nelson Valêncio (*), de Orlando – 18.04.2016 –

No sentido figurado, é claro. A concorrência é real, no entanto, e o seminário promovido pela Amdocs, na semana passada, nos Estados Unidos, mostra os vários tons da ameaça.

A pressão sobre as operadoras de telecomunicações acontece de todos os lados. Aparelhos como smartphones colocam os consumidores finais diretamente em contato com outros provedores de serviço. Novos modelos de negócio – caso da Netflix – tiram potenciais assinantes de TV por assinatura. Empresas que nem sequer tinham infraestrutura física, caso do Google, passam a construí-la. E assim por diante.

A disrupção digital veio para ficar. Não existem oceanos azuis. Pelo contrário, o mar está coalhado de novas e ágeis empresas. O universo inclui desde a Airnb, que oferece diárias de hotel sem ter quarto sequer, até o Uber, especializado em transportes, mas que não possui um único táxi. E estamos falando das mais óbvias.

Esse cenário – e reação de algumas operadoras – foram mostrados ao longo da semana passada em Orlando, na Flórida, durante o Amdocs Americas Summit. Realizado de segunda a quinta (12 a 14), o encontro trouxe especialistas da empresa israelense, consultores e altos executivos de operadoras. Foco do seminário: o futuro que nos aguarda.

Shuky Sheffer, presidente da Amdocs durante evento em Orlando
Shuky Sheffer, presidente da Amdocs durante evento em Orlando, na última quinta, dia 14 de abril.

Daniela Perlmutter, vice presidente e líder da área de marketing de soluções e produtos da Amdocs, mostrou parte do futuro por meio de um estudo independente realizado em dez países, inclusive Brasil, com 4,2 mil jovens entre 15 e 18 anos. Lançado em março último, o levantamento foi conduzido por Vanson Bourne, com consultoria do especialista Paul Redmond.

Para essa geração, os serviços devem ser baixados de qualquer aparelho, na forma de sob demanda e sem limitação de canal. Em termos de devices, esqueçam até mesmo dos smartphones. Para os futuros consumidores, atualmente entre 15 e 18 anos, ainda sustentados pelos pais, o acesso à internet seria ideal com qualquer dispositivo embutido na roupa ou num relógio ou qualquer outro meio.

Operadoras são vistas como mais uma prestadora de serviço
Mais assustador para as operadoras de telecomunicações é a visão que a geração tem a respeito delas. Cerca de 82% dos entrevistados as veem como prestadores de serviço. Até aí, ok. Ocorre que eles também veem outro tipo de empresas como pares das operadoras: 51% dos jovens indicam o Google na mesma categoria, assim como o Facebook (indicado por 48%), seguido do WhatsApp (42%) e da Apple (38%).

O que é ruim pode piorar, uma vez que o Google é apontado por 60% dos entrevistados como a companhia mais amada. O Facebook (48%) continua na vice-liderança, seguido pela Apple (47%). Os provedores de serviços tradicionais – e donos das redes – estão em ultimo lugar, lembrados por 36%. Ruim? Vejam só essa informação: apenas 12% dos 4,2 mil adolescentes – e portanto consumidores do futuro – avaliam que as operadoras conseguem compreender seu estilo de vida e desenvolver serviços para eles. É ou não é um oceano vermelho, lotado de tubarões altamente digitalizados?

Em média, 30% dos jovens pesquisados tiveram uma experiência ruim de serviços no último ano com as operadoras que os atendem. No Brasil, o índice pula para 53%, perdendo apenas para as Filipinas, onde 61% citam o mal relacionamento no período de 12 meses. O resultado foi que 46% dos entrevistados decidiu não usar mais a operadora problemática. Entre nós, o índice chegou aos mesmos 53%. O que não muda é a fofoca digital: 33% falaram mal e aconselharam seus amigos a não usar a operadora em questão.

Operadoras começam a reação, ainda que tímida
Com esse futuro ameaçador batendo nas portas, como fica a reação das operadoras? Três delas – Telefônica, Sprint e Vodafone – presentes ao evento, mostraram como estão tentando mudar seu modus operandi para não perder espaço para concorrentes fora de seu mercado natural.

Americana Sprint simplificou sua interface com cliente e investiu em cobertura 4G LTE
Americana Sprint simplificou sua interface com cliente e investiu em cobertura 4G LTE

Phil Jordan, CIO do grupo espanhol, foi o primeiro a delinear a reação do segmento durante o seminário da Amdocs. Para ele, o processo acontece na linha de frente, onde qualquer interação deve ser ativada de “qualquer tela”, ou seja, independente do aparelho, em tempo real e com um prévio conhecimento do cliente. Na retaguarda, a empresa passou a pregar o conceito de Zero Back Office, transformando-se internamente, simplificando os processos e reduzindo as intervenções manuais, entre outras iniciativas.

A Telefônica também quer se aproximar das experiências de compra de companhias como Amazon. Os pagamentos online, por exemplo, teriam aumentado 86% em novembro de 2015. Os scripts dos contact centers (aqueles discursos infernais que ouvimos quando precisamos falar com a operadora) foram reduzidos de 349 para 112. Quase 70%.

As mudanças de acordo com ele, estariam acontecendo nos 15 países onde a empresa atua, inclusive no Brasil. Especificamente sobre a operação física, Jordan destaca que a automação das rotas das equipes de campo – para ativação de serviços e manutenção – foi incrementada em 85% (dados de novembro do ano passado) com a mudança operacional. A automação dos despachos – cruzando dados de demanda com disponibilidade de equipes – teve um incremento de 80%. O número de técnicos também aumentou: na força de campo eles são atualmente 30% a mais em relação ao total de colaboradores.

Na americana Sprint, as mudanças também acontecem, segundo o CIO Scott Rice. Com aproximadamente 58 milhões de clientes, a operadora tem uma rede 4G LTE já instalada que cobre mais de 280 milhões, ou seja, pode ampliar sua base de usuários. Em relação às suas concorrentes tradicionais (T Mobile, Verizon e AT&T), ela teria um download mais rápido. Negocialmente, oferece uma redução de 50% na conta caso o cliente das concorrentes migre para seu serviço, além da troca do iPhone anualmente.

Rice reconhece que a digitalização é uma demanda, mas lembra que apenas 10% das companhias – de várias áreas – considera-se totalmente digitalizada. No caso da Sprint, o processo envolve uma interação simplificada, enquanto a operadora deve fazer melhor uso dos dados que colhe de seus assinantes, botando o Big Data para trabalhar a favor. Novamente, a técnica da Amazon e de outras companhias.

A experiência da Vodafone holandesa complementou o ponto de vista da Telefônica e da Sprint. Reinhard Kreft, chefe da área de tecnologia da informação (TI) da unidade, foi o mais otimista dos apresentadores. É fácil de entender: a Vodafone tem uma participação de mercado de 26% dos assinantes de serviços móveis da Holanda, o que somaria aproximadamente 4,7 milhões (dados de 2014). Apesar de uma população pequena – 16,8 milhões, o país europeu tem uma alta penetração também de banda larga: quase 7 milhões de pessoas no final de 2014.

Vodafone, da Holanda: agilidade maior para digitalizar front e back offices.
Vodafone, da Holanda: agilidade maior para digitalizar front e back offices.

O comportamento dos holandeses é altamente digitalizado: a penetração do Facebook é de 89% (a mais alta da Europa), 43% da população compra regularmente via online e os smartphones são os aparelhos de mais de 80% dos usuários – perfil que continua crescente. Em função disso, a Vodafone focou-se em três pilares para acompanhar a onda de digitalização.

Dois deles estão ligados diretamente à infraestrutura de rede, sendo o primeiro deles o investimento na estrutura de 4G nacional, hoje responsável por 73% dos consumos de dados de 4G no país. O segundo pilar foi a convergência, tanto de serviços para residências como o de empresas. Novamente a infraestrutura física: a operadora tem um milhão de home passed com fibra óptica (casas onde há uma rede física de cabos ópticos disponíveis).

A terceira – e considerada a mais importante – é a mudança na mentalidade de fazer negócios, unificando os canais de atendimento aos clientes, sem barreiras entre as equipes de vendas e as que dão suporte técnico. Um portal web também simplifica as operações como pagamento. Na linha de frente, os assinantes são atendidos pelo programa Unify, tanto na área de vendas, suporte ou de serviços avançados como reparos.

Uma camada digital, por sua vez, faz a interação, com o back end, onde está o universo de Big Data com informações sobre os assinantes e a respeito da infraestrutura da operadora. Um exemplo da mudança foi a transformação de 1,2 mil planos de precificação em 2014, para a oferta de 90 produtos atuais na área de pós-pago. A migração, segundo Kreft, foi complexa, mas factível.

(*) O editor executivo Nelson Valêncio foi a Orlando, a convite da Amdocs.