Estudo identifica barreiras para investimentos em infraestrutura sustentável no Brasil e mostra caminhos já trilhados pelo Reino Unido

Redação – 04.10.2021 – Apesar do crescente interesse em ESG no Brasil, participantes do estudo expressam preocupação com tentativas de flexibilizar ainda mais as regulamentações ambientais com a pandemia 

Sinalização regulatória de longo prazo, avaliação e seleção consistente de projetos sustentáveis, integração e coordenação das concessões de infraestrutura verde são os principais pontos em que o Brasil deve investir para aumentar a atratividade do país a investidores estrangeiros. 

Esse é um dos achados do estudo Avaliação do mercado internacional – UK Green Finance vs Brasil Green Finance , realizado pelo Brazil Green Finance Programme (BGFP), programa de cooperação do governo britânico no Brasil. O documento compara o ambiente regulatório e o ecossistema de atores envolvidos com investimentos em infraestrutura sustentável nos dois países. Os objetivos principais são (i) apresentar os aprendizados do Reino Unido na construção de um ambiente favorável para o financiamento de infraestrutura sustentável; e (ii) avaliar a atratividade do mercado brasileiro de infraestrutura sustentável e alavancar o desenvolvimento sustentável no País. 

O Brasil, apesar de ser o segundo maior mercado de títulos verdes da América Latina, investiu menos de 2% do seu PIB em infraestrutura (não necessariamente sustentável) na última década, bem abaixo de outras economias emergentes como Rússia (3,7%), Índia (4,7%) e África do Sul (4,8%). A oportunidade de investimento em infraestrutura sustentável do Brasil é de até R﹩ 3,6 trilhões entre os anos de 2020 e 2040, segundo apontou o relatório Oportunidades de Investimento em Infraestrutura Sustentável no Brasil, também produzido pelo BGFP. 

O BGFP entrevistou 22 organizações, 11 do Brasil e 11 do Reino Unido, fornecedoras de produtos e serviços na indústria de infraestrutura, incluindo bancos, fundos de investimento, órgãos públicos e entidades de ensino e pesquisa. A pesquisa também levou em consideração a diversidade de gênero dos entrevistados – com 50% de respondentes de cada sexo. 

“O Reino Unido é referência e líder global em finanças sustentáveis. Quando analisamos e comparamos os dois países, ainda que diante de um cenário de pandemia, é possível identificar o que precisa e pode ser feito no Brasil para que os investimentos em infraestrutura sustentável sejam cada vez mais palpáveis, promovendo o desenvolvimento econômico com o menor impacto”, explica Adriana Figueiredo, diretora do BGFP. 

O Estudo: Visão Geral das Organizações entrevistadas em relação à Infraestrutura Sustentável no Reino Unido e Brasil 

Para as organizações britânicas, há um amplo consenso de que infraestrutura sustentável é parte relevante da agenda pública de seu país – sentimento impresso na liderança do Reino Unido na Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP26), que acontecerá em Glasgow, na Escócia, em novembro. Segundo Alok Sharma, presidente-designado da COP26, a Conferência é a última chance para que líderes mundiais possam manter a meta de limitar o aumento da temperatura média global em até 1,5°C, comparada aos níveis da era Pré-Industrial, estabelecida no Acordo de Paris. O objetivo é evitar que a catástrofe ambiental se torne irreversível. 

No Brasil, apesar da crescente sofisticação de mecanismos para a captação de recursos internacionais para o financiamento de projetos de infraestrutura sustentável, somente na última década os critérios ESG foram, de fato, incorporados à agenda dos maiores stakeholders brasileiros. 

Alguns exemplos são a criação de pastas responsáveis para o desenvolvimento sustentável pelo Governo do Brasil, assim como as mudanças estabelecidas pelas entidades envolvidas no financiamento de tais projetos, como Banco Central, CVM, Febraban, entre outras. Este processo permite com que o Brasil tenha uma maior participação do capital privado em infraestrutura e absorva parte do capital “verde” estrangeiro. Espera-se que os investidores internacionais participem e desempenhem um papel importante em projetos de infraestrutura sustentável no futuro no Brasil, o que levará a um maior enfoque nas considerações ESG. 

O estudo aponta que os investidores britânicos têm interesse em investir em infraestrutura sustentável. Para que suas atenções também sejam atraídas para o Brasil, no entanto, investidores internacionais precisam primeiro lidar com os desafios sistêmicos associados ao país, como a falta de sinalização de longo prazo e inconsistência frente a aspectos da sustentabilidade. O caminho segue com a consideração de desafios específicos da sua área de negócios – como identificar um pipeline de projetos de infraestrutura sustentáveis alinhados com seu perfil de investidor e prontos para receber financiamento. 

Outros desafios institucionais foram apontados como razão para afastar o capital internacional, como questões de governança, coordenação, falta de transparência e complexidade dos processos para concessões de infraestrutura, bem como a ausência de padrões nacionais para a avaliação da sustentabilidade de infraestruturas. 

Por outro lado, as instituições financeiras brasileiras estão aderindo cada vez mais a vários padrões e práticas internacionais de ESG, como o UN PRI (United Nations Principles for Responsible Investment), recomendações do TCFD (Task Force on Climate-related Financial Disclosures) e os Padrões de Desempenho da IFC (International Finance Corporation). 

Quando perguntados sobre os impactos que a pandemia da COVID-19 vem causando e os que ainda podem causar, as entidades brasileiras reforçaram a importância de considerar os temas de ESG para que se desenvolva uma gestão de risco mais robusta diante de novas epidemias, e expressam preocupação com as tentativas de flexibilizar ainda mais as regulamentações ambientais por causa da COVID-19. No Reino Unido, sete em cada dez gestores de fundos afirmam que a pandemia afetou a forma como eles gerenciam o risco. 

Para os entrevistados britânicos, a COVID-19 trouxe alguns impactos operacionais diretos, principalmente como resultado das restrições de distanciamento social nos canteiros de obras. A agenda ‘Build Back Better’ e os apelos por uma recuperação verde são sinais promissores de que o Reino Unido e os governos internacionais promoverão uma infraestrutura mais sustentável. 

A pesquisa identificou que os investidores britânicos projetam maior crescimento nas áreas de infraestrutura social (saúde pública e educação), digital e telecomunicações e energia renovável – 68% dos participantes acreditam que essas áreas crescerão entre 10 e 20% já nos próximos dois anos, em todo o mundo. 

Diversidade e Inclusão Social

Em relação às questões de inclusão social e de gênero, os entrevistados britânicos reconhecem que ainda muito mais precisa ser feito. Existe um consenso de que é mais fácil promover gênero e inclusão social no nível organizacional e privado das empresas e entidades de infraestrutura do que na ponta dos projetos. A criação de uma diretoria diversa, por exemplo, é algo que pode ser mais facilmente controlado do que a contratação de mão de obra em empresas terceirizadas – que, em sua maioria, não medem ou acompanham a evolução do número de mulheres em sua força de trabalho, sua evolução na carreira e a quais práticas estão submetidas em seu dia-a-dia. Além disso, a influência dos contratantes e investidores sobre as contratadas têm pouco reflexo nas terceirizadas. 

Já para os investidores brasileiros, grandes corporações e fundos de investimento do Brasil estão começando a olhar para a igualdade de gênero, com algumas instituições financeiras adotando políticas voluntárias, como a identificação de gênero no processo de contratação. Em relação à inclusão social, é necessário mais envolvimento das comunidades vizinhas durante o planejamento da infraestrutura, já que os projetos podem ter um impacto desproporcional nos locais próximos, especialmente nas populações indígenas ou ribeirinhas. Um exemplo é a construção de vilas de trabalhadores em locais próximos a essas comunidades, o que acaba por ampliar os riscos de violência e exploração sexual de mulheres e menores. Para os investidores brasileiros há também que se ampliar o foco da inclusão e diversidade ao contemplar a comunidade LGBTQIA+, além da perspectiva de gênero. 

“Com juros mais baixos e um forte sistema bancário, os fundos ESG estão aumentando no Brasil. Porém, é fundamental que se estabeleça uma estratégia de política de finanças sustentáveis de longo prazo entre governos para garantir clareza ao setor financeiro, demonstrando aos investidores internacionais o forte compromisso do país com o tema, bem como os compromissos para o enfrentamento dos riscos de mudanças climáticas no mundo”, afirma João Lampreia, gerente nacional da Carbon Trust no Brasil e um dos autores do estudo. 

Recomendações de especialistas do BGFP para atrair o desenvolvimento em infraestrutura e finanças sustentáveis no Brasil 
  • Criação de estratégia política clara e objetiva de longo prazo. O Brasil poderia fazer uso da experiência do Reino Unido, responsável por produzir o planejamento para atuação integrada de diversos órgãos em diferentes instâncias governamentais, como descrito no relatório Green Finance Strategy, ou das recomendações dispostas no relatório Mainstreaming Sustainability in Brazil’s Financial Sector, endossado pelo LAB (Financial Innovation Laboratory) e baseado na publicação sobre finanças verdes do Ministério da Economia, de 2019.
  • Instituição de Comissão independente. O Brasil poderia se beneficiar da criação de uma entidade independente, capaz de mapear, estabelecer diretrizes e acompanhar a implementação da infraestrutura sustentável necessária ao País, abrangendo todos os setores da indústria de infraestrutura sustentável, com o principal foco nas questões climáticas e sustentáveis. Tal força-tarefa poderia navegar por toda a indústria e coordenar as atividades entre os órgãos setoriais, como os trabalhos da EPE (Empresa de Pesquisa Energética) e EPL (Empresa de Planejamento e Logística). Trabalho semelhante foi realizado pela Comissão Nacional de Infraestrutura (NIC) do Reino Unido, que produz análises imparciais das necessidades de infraestrutura do país e fornece recomendações ao governo, bem como ao Comitê de Mudanças Climáticas (CCC).
  • Criação de padrão nacional. Ainda é preciso estabelecer um padrão nacional para avaliar e aprovar projetos de infraestrutura que integrem princípios de sustentabilidade em agências federais, estaduais e municipais. Esta abordagem poderia ser inspirada na metodologia britânica ” Five Case Model “, sobre a qual a Associação dos Bancos de Desenvolvimento Brasileiros (ABDE) já recebeu treinamento e que já está sendo utilizada na Colômbia e em outros mercados emergentes por meio do Programa de Infraestrutura Global do Governo Britânico. Tal padrão poderia ser liderado pelo recém-criado Comitê Interministerial de Planejamento da Infraestrutura ou pelo Ministério da Infraestrutura.
  • Centralização das informações sobre projetos de infraestrutura sustentável. Com a criação de lista que catalogue todas as informações de oportunidades para investimentos em projetos do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), sob a ótica da sustentabilidade — isso permitiria análises mais profundas e a comparação de critérios parametrizados entre os projetos, como emissão de gases de efeito estufa, uso de água, impacto na comunidade em seu entorno, entre outros, bem como métricas ESG relevantes, o que traria benefícios como aumento da transparência e limitação do greenwashing.
  • Distribuição equilibrada de riscos entre público e privado. Garantir que a alocação de risco entre os setores público e privado seja bem distribuída nos projetos, a fim de evitar a percepção de que o setor privado está sobrecarregado com a gestão de riscos relacionados, como licenças e provisões. A Ferramenta de Alocação de Risco (PPP) do Global Infrastructure Hub (GIH), fornece essa estrutura em vários setores.
  • Coordenação da parceria Brasil-Reino Unido. A coordenação dos trabalhos entre os desenvolvedores de projetos brasileiros e os investidores do Reino Unido e internacionais poderia facilitar a identificação das oportunidades e o financiamento das mesmas. Esta poderia ser uma frente de trabalho coordenada pelo Governo Britânico no Brasil, Infrastructure Exports UK (IE: UK) e UK Exports Finance (UKEF).