Artigo: Reutilização da água para o fim da seca e desenvolvimento do país

Por Renato Rossato (*) – 14 de novembro de 2014

São Paulo só trata 38,7% do esgoto, ignorando o equivalente a dois sistemas Cantareira ao ano; Tecnologias de tratamento mais eficientes poderiam tornar a água tratada potável e dirimir a seca no Estado

Em meio à crise hídrica no Estado de São Paulo, a eficiência da gestão das águas no nosso país nunca foi tão questionada. Verdade que as chuvas deste ano foram escassas, mas isso apenas evidenciou a fragilidade e as falhas do nosso sistema de tratamento e distribuição de águas. Já passamos do momento de criar um plano de contingência. E a situação é emergencial. Diversas ações podem ser tomadas para evitar que isso se repita em longo prazo e um exemplo de que a faltou esse planejamento, é que em 2011 o nível de chuvas foi muito elevado e não pôde ser armazenado pelas represas, que atingiram 100% da capacidade. Como os sistemas não preveem as alternâncias mais extremas de chuvas e secas, essa água acabou sendo desperdiçada.

Somado a isso, o tratamento para reutilização de água, que é outra via para amenizar a seca, é pouco aplicado no Brasil. De acordo com um estudo divulgado pela Instituição Trata Brasil, cerca de metade da água que escorre pelos ralos chega na forma de esgoto – sem qualquer tratamento – aos rios, córregos e represas de São Paulo. Assim, a capital paulista, com apenas 38,7% do volume tratado, está ignorando um estoque de água equivalente a dois sistemas Cantareira, algo que, certamente, amenizaria a crise atual.

A reutilização da água não é um conceito novo e tem sido praticada em todo o mundo há muitos anos. No Brasil, as estações tratam o esgoto em nível inicial, por isso a água é utilizada apenas para limpeza de calçadas, irrigação de jardins e na produção industrial, quando é. Adicionando mais etapas para completar o tratamento, a água se tornaria potável, como ocorre em países mais desenvolvidos como Estados Unidos, Austrália e Bélgica.

A eficiência dos sistemas de tratamento de efluentes também é um fator a ser levado em consideração. Atualmente, emprega-se sistema de aeração por ar difuso no tratamento de efluentes sanitários e efluentes industriais no Brasil. Esse sistema é composto por soprador de ar, tubulações e válvulas para alimentação de ar e difusores de membranas em EPDM. Porém, já é possível encontrar no mercado novas tecnologias mais eficientes produzidas com diferentes tipos de polímeros. Essas opções, apesar de ter o custo de instalação mais alto, possuem vida útil cerca de 200% mais longa, o que reduz consideravelmente os custos com manutenção. Em longo prazo, o investimento é compensado, já que não há a necessidade de instalar um novo sistema nos próximos 10 ou 12 anos.

Nesse cenário, o Brasil ainda tem um longo caminho a percorrer, já que dos 62,8 milhões de domicílios, quase 27 milhões de residências não possuem ao menos rede coletora de esgoto. Para reverter essa situação, segundo um relatório divulgado em março pelo IBGE, o Brasil precisa investir pouco mais que R$ 313 bilhões até 2033 para que o saneamento básico alcance 100% da população.

Outro estudo realizado pela Instituição Trata Brasil, revelou que alunos sem acesso à coleta de esgoto e água tratada sofrem um atraso escolar maior em comparação aos estudantes com as mesmas condições socioeconômicas, mas que moram em locais onde há saneamento. Além da redução em 6,8% do atraso escolar, de acordo com a pesquisa, a universalização do saneamento refletiria no ganho de produtividade do trabalho e aumento na remuneração futura.

O turismo também pode se beneficiar e o país arrecadaria anualmente R$ 7,2 bilhões com atividades turísticas em áreas onde atualmente não há serviços de coleta de esgoto.

Esses investimentos são altos, mas extremamente importantes para a utilização dos recursos hídricos. Assim, o tratamento de efluentes acaba representando um potencial emergente que visa não somente a racionalização do uso de um bem finito, mas também auxilia indiretamente no desenvolvimento da sociedade ao redor.

*Renato Rossato é Engenheiro de Desenvolvimento da REHAU no Brasil