Dr. King, arquitetura e desabamento: tudo como sempre.

Por Rodrigo Conceição Santos (*) – 02.05.2018 –

Por que o desabamento do edifício Wilton Paes de Almeida tem tudo a ver com Martin Luther King e expõe o nosso atraso social.

Em maio de 1965, dois meses após as marchas lideradas pelo reverendo Martin Luther King em defesa dos direitos civis dos negros, o jornalista Gay Talese voltou à cidade de Selma, no Alabama, para ver o que tinha melhorado. Os comércios continuavam frequentados e liderados por brancos. As ruas e principais restaurantes também. A miséria ainda era dos negros e tudo o mais continuava exatamente como antes aos olhos do então repórter do New York Times.

Cinquenta e três anos depois, o desabamento do edifício Wilton Paes de Almeida tem  semelhanças de que no Brasil tudo permanece tão mal quanto na Selma naquela época.

No mesmo 1965, recuperou uma reportagem da BBC, um artigo da extinta revista Acrópole exaltava a engenharia e arquitetura do edifício Wilton Paes de Almeida. Ele era o primeiro da cidade com sistema de ar condicionado central e hall em mármore e aço inoxidável. A fachada de vidro – com painéis importados, pois não eram (como até hoje dificilmente seriam) fabricados no Brasil – fazia referência ao edifício Lever House, em Nova York.

Big Brother da miséria
Essa fachada era simbólica por representar a evolução arquitetônica na época. Nos últimos tempos, ela continuou sendo simbólica, mas para expor a miséria. Um grupo que apoia pessoas sem moradia defendeu que o prédio era ideal para a ocupação porque os vidros permitiam ver o que se passava dentro dos apartamentos.

Ao lado do prédio desabado funcionava uma igreja luterana. O nome? Advinha: Martin Luther King. O pastor Frederico Ludwing, de 61 anos e há 20 à frente da igreja, disse à mesma reportagem da BBC que ela também foi destruída pelo desabamento.

O templo acolhia os moradores do edifício, em sua maioria pedintes e desprovidos de dignidade humana e recursos financeiros. Exatamente como eram os negros de Selma. “O prédio estava inclinado um metro à frente há pelo menos 20 anos. Chamamos as autoridades várias vezes e não deu em nada. Agora estamos assim, vamos recolher os escombros”, disse o pastor.

A cidade de São Paulo também deve recolher os escombros do prédio, que era um símbolo arquitetônico tombado pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental do município (Conpresp). Mas será que recolherá os escombros da equidade social? Deveria, pois até agora isso definitivamente não deu certo por aqui.

* Rodrigo Conceição Santos é jornalista e Publisher do InfraROI.