Por que o Rio Tietê e a Baía da Guanabara ainda estão poluídos?

Por Yves Besse* – 26.03.2018 – 

Porque o problema principal não é técnico. É primeiro um assunto político, depois econômico e financeiro e, finalmente técnico.  

Há tempos a indústria de tecnologia tenta salvar o mundo das águas da poluição e dos maus hábitos de consumo da população. O desafio é um dos maiores para a sobrevivência global, mas companhias de tecnologia de água têm competência e estão prontas para oferecer as melhores soluções para mudar este cenário. É por isso que o setor de água é o segmento do futuro.

Mas por que parece que este futuro nunca será alcançado? Por que a atividade de tecnologia de água é tão inconstante e os negócios tão instáveis? Simplesmente porque as questões relativas às águas são sociais, ambientais e políticas antes de serem econômicas, comerciais e técnicas. Ou seja, se os três primeiros não acontecerem, não há mercado nem negócios para o setor de tecnologia de águas.

Há alguns anos o governo chinês, por exemplo, não se preocupava com os aspectos ambientais. Ele investiu muito, mas poluindo muito e não havia mercado para a indústria de tecnologia de água. Atualmente, decidiu resolver todas as questões ambientais criadas pelo seu crescimento. Essa decisão foi uma consequência de problemas sociais, como a saúde, e de problemas ambientais, como a escassez de água limpa, e criou grandes oportunidades de negócios para a indústria de tecnologia de água.

O mesmo acontece no mundo inteiro. O mercado é enorme, mas tecnicamente não existe. Se quisermos ter um mercado para a indústria de tecnologia de água, precisamos criá-lo atuando nas áreas sociais, ambientais e políticas. O futuro da atividade de tecnologia de água depende disso.

Governança pode definir melhor solução

Por que os governos de São Paulo e do Rio de Janeiro ainda não conseguiram despoluir o Tietê e a Baía de Guanabara? O problema principal não é técnico. É primeiro um assunto político, depois econômico e financeiro e, finalmente, técnico. Tenho certeza que as  empresas de tecnologia de água têm muitas opções tecnológicas desenvolvidas para estas aplicações, mas infelizmente os governos gastam muito dinheiro e tempo para nada.

O mesmo tem acontecido com o rio Pinheiros. Há 20 anos o governo de São Paulo tem solicitado que a indústria apresente melhorias e soluções tecnológicas para o problema, mas novamente a questão não é técnica. É uma questão de governança e política.

A primeira pergunta que precisa ser respondida é: quem é dono do rio Pinheiros? Com esta resposta, o governo poderá definir a governança certa para o projeto e assim definir um modelo de plano de negócios sustentável, podendo obter o financiamento necessário para o projeto. Se isso acontecer, a indústria de tecnologia de água terá a oportunidade de definir a solução correta para o projeto.

Olhando mais de perto para as atividades de dessalinização e reúso, levantamos as seguintes questões: por que é difícil desenvolver a atividade de dessalinização no Brasil? Quem é a autoridade legal para dar as outorgas e as concessões para as captações da água do mar e fornecer as várias licenças necessárias para implantar uma unidade de dessalinização?

Vamos descobrir que nós não sabemos. Sem uma definição clara sobre isso, será muito difícil definir projetos sustentáveis em dessalinização no Brasil. Para projetos de reúso é um pouco diferente. A dificuldade parece mais relacionada à falta de conhecimento do que aos aspectos regulatórios. Isto porque a sociedade tem certa dificuldade de aceitar que é possível transformar esgoto em água potável. Mas o que não sabem é que consomem água potável obtida a partir de esgoto não tratado e reúso natural feito pelo rio. Se não combatermos essa ignorância, não haverá mercado para a indústria de tecnologia de água.

Tratamento de lodo empaca na ETE de Barueri 

A empresa pública de água e esgoto do estado de São Paulo está tentando implementar um novo tratamento de lodo na ETE de Barueri há quase 10 anos, sem sucesso. Tenho certeza de que todas as principais empresas de tecnologia de água já apresentaram soluções para eles. E nada aconteceu. Este é outro exemplo que mostra porque a atividade de tecnológica de água não se desenvolve.

Primeiro, porque a empresa pública precisa definir o modelo de licitação para esse projeto para depois obter uma solução tecnológica. Somente após essa definição é que poderá lançar uma licitação pública e obter uma solução sustentável para o seu projeto.

O futuro para a indústria de tecnologia da água é enorme, mas é preciso que as empresas desse setor trabalhem juntas e focadas na construção de um mercado sustentável. Caso contrário, assumirão o risco de continuar a ter um mercado de tecnologia de água inconstante e um ambiente de negócios instável.

É muito claro para mim que precisamos mudar a situação e os modelos atuais que os governos utilizaram nas últimas décadas para tentar superar os desafios da água. Precisamos levar essa mensagem aos governos e à sociedade organizada. Devemos assumir uma posição contra a situação atual e seus modelos.

*Yves Besse é diretor geral de Projetos para América Latina da Veolia Water Technologies